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Treinar artistas, um projeto por vez

No documento Marcelina 4 (páginas 77-83)

The Field School começou a se desenvol-

ver, dentro de minha prática, com um projeto de cada vez, iniciando com as ins- talações The Children of Peter Pan (1995) na Casa de las Américas em Havana. Por último, manifestou-se claramente, em- bora ainda sem nome, durante Memorial

Gestures (2006), performance do grupo

temporário no Chicago Cultural Center. Esse evento marcou o casamento públi- co de minha prática site-specific com meu trabalho como educador durante um

workshop de três dias, culminando com

uma performance de doze horas, encena- da com alunos da pós-graduação da The School of the Art Institute. O treinamen- to personalizado e o intenso trabalho de campo criaram uma experiência educa- cional de transformação íntima. Após o encerramento, a maioria dos participan- tes queria que o processo mágico conti- nuasse, alguns me pedindo para formar uma escola de arte independente, pronta para continuar. E, apesar de sentir-me profundamente comovido com seus de- sejos, compromissos assumidos anterior- mente me fizeram prosseguir.

No entanto, para o meu projeto de performance posterior, Tzofia (2007), em Tel Aviv, acabei criando uma pequena “escola efêmera” novamente, embora, pedagogica- mente falando, um pouco mais assertiva que uma companhia de performance tempo- rária. Eu estava lentamente começando a compreender o potencial pedagógico da evolução de meus próprios gestos de arte pública. Durante os anos anteriores, eu havia me tornado cada vez mais frustra- do com a forma pela qual a maioria das escolas de arte tinha desenvolvido pesadas burocracias autocomplacentes que não permitiam a permeabilidade das estrutu-

The Field School began develop-

ing within my practice, one project at a time, starting with The Children of Peter

Pan (1995) installations at the Casa de las

Américas in Havana. It finally manifested itself clearly, though yet without a name, during Memorial Gestures (2006), a dura- tional group performance at the Chicago Cultural Center. That event marked the public marriage of my site-specific prac- tice with my work as an educator during a three-day workshop leading to a 12- hour performance, staged with gradu- ate students from The School of The Art Institute. Intense personalized training and fieldwork created an intimate trans- formative educational experience. After closure, most of the participants wanted the magical process to continue, some asking me to form an independent art school, ready to follow. And while I was truly deeply moved by their desires, prior commitments made me walk on.

Nevertheless, for my next per- formance project, TZOFIA (2007) in Tel Aviv, I found myself creating a small “ephemeral school” again, although a bit more assertively pedagogically speak- ing, rather than a just temporary perfor- mance company. I was slowly beginning to understand the evolving pedagogi- cal potential of my own public art ges- tures. During the years preceding this, I had become increasingly frustrated with how most art schools had developed self- complacent thick bureaucracies that did not allow for institutional structural per- meability. In addition, dated curriculums were in the hands of old-guard faculties, which treated them like private territo- ries, immutable and impenetrable. They were threatened and afraid of the new,

ras institucionais. Além disso, os currícu- los datados ficaram em mãos de docentes da velha guarda, que os trataram como territórios particulares, imutáveis e impe- netráveis. Foram ameaçados e amedronta- dos pelo novo, desencorajando-o. Houve também uma chocante falta de diversida- de étnica e racial, apesar de nossos muitos estudantes estrangeiros. Finalmente, os procedimentos de avaliação, com exces- so de notas nestas escolas centradas em mensalidades, formavam alunos que não sabiam ler ou escrever visualmente.

Essa formação Mickey Mouse não permitia uma prática alternativa. Sen- ti-me como se as escolas abrigassem e so- mente recompensassem, e gerassem, mais mediocridade. Fui contratado justamente por causa de minha prática multimídia e cada vez mais interdisciplinar, mas era esperado que eu deixasse isso do lado de fora da porta e me adaptasse a uma dinâ- mica genérica de fábrica de mestrados em arte, integrando estruturalmente seus pro- fessores. Ao longo dos anos, cansei de me adaptar a essa dinâmica de achatamento, que era pedagogicamente simples, seja em termos de educação ou como prática de orientação curatorial, e moralmente irres- ponsável, uma vez que ninguém consegue a formação necessária para enfrentar a globalização — ainda que os estudantes paguem altas mensalidades para isso. Os programas desencorajavam o efêmero e o performativo, ignorando o trabalho site-

specific com comunidades, muitas vezes

por mera negligência passiva-agressiva, não oferecendo cursos ou orientações para essas áreas. Mensagens são transmi- tidas através de ausências.

No momento, enfrentamos uma

discouraging it. There was also a shock- ing lack of ethnic and racial diversity, in spite of our many international students. Finally, grade-inflated evaluation pro- cedures in these tuition-driven schools graduated students who did not know how to read nor write visually.

This Mickey Mouse training did not allow for an alternative practice. I felt as if the schools harbored and only rewarded mediocrity, generating more. They had recruited me precisely because of my multimedia and increasingly inter- disciplinary practice, but I was expected to leave it outside the door and adapt to a generic MFA factory dynamic, structur- ally mainstreaming its teachers. Over the years, I grew tired of adapting to these flattening dynamics, which were peda- gogically light, in terms of education as a mentoring curatorial practice, and mor- ally irresponsible, as no one was getting the education necessary to face global- ism even though the students were pay- ing through their teeth. The programs discouraged the ephemeral and per- formative, ignoring site-specific work with communities, sometimes by mere passive-aggressive neglect, not offering courses or guidance in those areas. Mes- sages are conveyed through absence.

We are currently facing a crisis in American art education. The carbon footprint of American art schools is eco- logically unsustainable as polluters, ma- terially and ideologically. Most of them are in bed with the art market, as part of old economies of abundance, storage, and waste; providing makers of expensive trophy collectibles for old and new elites, completely outside of any relevancy to

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crise no ensino de arte norte-americano. A emissão de carbono das escolas de arte americanas é ecologicamente insustentável, já que poluidora, material e ideologica- mente. A maioria dorme com o mercado de arte, como parte de velhas economias de opulência, armazenamento e desperdício; fornecendo produtores de troféus caros e colecionáveis para antigas e novas elites, completamente sem qualquer relevância para sustentar o processo democrático ame- ricano em uma sociedade cada vez mais di- versificada, sob fogo global, que precisa de profunda e complexa reflexão cultural.

Uma superpopulação de diplo- mas de mestrados em arte indica que eles não são mais a medida do talento, mas uma perversão dos direitos do consumi- dor: você pode comprá-los, se puder pagá- los; um direito de expressão de crédito bá- sico. As escolas de arte norte-americanas, como aconteceu com o recente colapso do setor imobiliário, são constantemente so- corridas por empréstimos bancários a seus alunos, às custas do próprio futuro deles.

Porque, enquanto esses emprés- timos lhes permitem pagar sua educação, esses jovens artistas inocentes já amargam chocantes montantes de dívidas logo no iní- cio de suas carreiras, e assim são impedidos de sair e viajar pelo país e pelo mundo afora para experimentar e conhecer. O que os faz imediatamente dependentes do capital e, portanto, menos propensos a correr riscos reais, ou seja, mais propensos à autocensu- ra, à aceitação do status quo, e a tornarem-se conservadores ao longo do tempo. São ime- diatamente forçados a procurar, logo após a graduação, um trabalho em período in- tegral como professores, ainda que tenham pouca ou nenhuma experiência de atuação,

sustaining the American democratic pro- cess in an increasingly diverse society un- der global fire that needs deep and com- plex cultural reflections.

An overpopulation of MFA de- grees conveys the fact that they are no longer the measure of talent, but of a per- version of consumer rights, you can buy it if you can pay for it; an entitled expres- sion of basic credit. American art schools, like the recent melt-down in the Ameri- can housing industry, are constantly bailed out by bank loans to their students at the expense of the students’ future. Because, while these loans allow them to afford an education, these innocent young artists, already enduring shock- ing amounts of debt at the very outset of their careers, are sabotaged from go- ing out to travel the nation and the world to experiment and experience. It makes them immediately dependent upon capi- tal, and thus, less likely to take real risks, i.e., more likely to self-censor, accept the status quo, and become conservative over time. They are immediately forced to seek full-time teaching jobs upon graduation, even though they have little or no field experience, and thus, have little or noth- ing to teach, in addition to the fact that they have never studied education theory or developmental psychology. It is teach- ing without wisdom.

Of course, some may ask, why go to art school at all, why spend $80,000 or more, when an MFA does not assure anyone of a teaching job anymore, and when the information is out there, avail- able through Google and other search engines? In addition, individuals can rent and share art studio space, gaining

portanto com pouco ou nada a ensinar. Sem contar o fato de que nunca estudaram teo- rias da educação ou psicologia do desenvol- vimento. É ensinamento sem sabedoria.

Claro, alguns podem perguntar, por que ir para escolas de arte? Por que gas- tar US$ 80 mil ou mais, quando um mes- trado não assegura a ninguém um emprego de professor, e quando a informação está lá, disponível via Google e outras ferramentas de busca? Além disso, as pessoas podem alugar e dividir um ateliê, alcançando uma comunidade com diálogo e suporte mútuo. E centenas de galerias e museus oferecem inúmeros eventos nos quais circula mais informação e há maiores possibilidades de encontrar mais gente.

Portanto, será que concordamos em andar fora desse estado perverso de coisas, como uma geração vigilante? Quei- mamo-lo, como Troia, e espalhamos sal entre suas ruínas e fundações, esperando que nada cresça lá novamente? Migramos e seguimos em frente? Mas para onde?

Durante os últimos 25 anos, ins- titucionalizamos a arte norte-americana e seus artistas, produzindo inevitavelmente arte protocolar: autoindulgente (já que não comporta responsabilidade social), decora- tiva (já que é cópia do modernismo), literal (já que lhe falta sutileza), somente engaja- da em feminismo e outros discursos radi- cais passados como meros estilos. Como todos os impérios culturais em seu ocaso, as escolas de arte norte-americanas estão reciclando a arte de nosso passado recen- te. Isso se complica pelo fato de que muitas de nossas escolas de arte são os arquivos do modernismo, assim como foram os arqui- vos do conceitualismo, antes de o mercado

a community and its intimate conversa- tions and mutual support. And hundreds of galleries and museums offer innumer- able events through which to gather more information and meet more people.

Therefore, do we all agree to walk away from this perverse state of things, as a generation awakened? Do we burn them down, like Troy, and scatter salt among their ruins and foundations, hoping that nothing grows there again. Do we migrate and move on? But where to?

During the past 25 years, we have institutionalized our American art and artists, inevitably producing text- book art: self-indulgent (as it bears no social responsibility), decorative (as it is a copy of Modernism), literal (as it lacks subtlety), only engaging in femi- nism and other past radical discourses as mere styles. Like all tired cultural em- pires at the end of their run, American art schools are recycling the art of our recent past. In addition, this is compli- cated by the fact that many of our art schools are the archives of Modernism, as they once were the archives of concep- tualism, before the art market embraced conceptual products as collectibles. So, the old-guard faculties in such schools are defending not only their jobs, but a hierarchical notion of art, the subtly en- coded ideology of white supremacy as good taste, as an international standard of excellence.

While I truly believe that there is a place for everyone at the table, and that one of America’s greatest problems in all fields is the lack of historical memory, we have finally arrived at a crossroads when

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de arte abraçar produtos conceituais como colecionáveis. Então, as faculdades da velha guarda em tais escolas estão defendendo não apenas seus empregos, mas também uma noção de arte hierarquizada, a ideo- logia sutilmente codificada da supremacia branca como bom gosto, como um padrão internacional de excelência.

Mesmo tendo a crença de que há lugar para todos, e que um dos maio- res problemas da América em todos os campos é a falta de memória histórica, chegamos a uma encruzilhada onde as águas se dividirão entre escolas de arte

como institutos de manufatura comercial

e escolas de arte sustentáveis que adotam

um futuro verde pós-capitalista. Todas

as escolas têm ideologias. O ensino do formalismo na exclusão do social é uma ideologia. Não existe tal coisa como um espaço cultural apolítico.

Não obstante, o fato é que, ape- sar dessa paisagem acadêmica negativa, há um grande contingente de jovens artistas norte-americanos talentosos sedentos de sentido e de direção. É hora de desenco- rajar o cinismo e opções visionárias de- senvolvidas. Ser cínico não é sinal de in- teligência. Pelo contrário, humildade é um sinal de inteligência, e cinismo, um sinal de insegurança e ignorância, uma barreira para aquisição de conhecimento.

Tenho muitas vezes denominado minha prática com os pés descalços não de finalidade, mas apenas de local orgâni- co, uma ponte migratória através da qual também quero ser um viajante com meus alunos e público para tantos destinos de consciência quanto possível. Por isso, abri

The Field School no centro-oeste, durante

the waters will be parted between art

schools as commercial crafts institutes, and sustainable art schools that embrace a post- capitalist greener future. All schools have

ideologies. The teaching of formalism at the exclusion of the social is an ideology. There is no such thing as a nonpolitical cultural space.

Nevertheless, the fact is that in spite of this negative academic landscape, there is a great population of young talented American artists thirsting for meaning and direction. It is time that we discourage cynicism and developed visionary options. Being cynical is not a sign of intelligence. On the contrary, hu- mility is a sign of intelligence and cyni- cism a sign of insecurity and ignorance, a barrier to the acquisition of knowledge.

What I have often called my barefoot practice is not a destination but only an organic venue, a migratory bridge through which I too want to be a traveler with my students and my audiences to as many destinations to consciousness as possible. Therefore, I launched The Field

School in the Midwest during spring 2010.

But, unlike the small experimental urban and rural schools currently being launched by other artists as a new phenomenon, my school is like a migratory tent that appears and disappears as needed. In addition, no matter the formal gestures and beautiful images I may still produce as documents to archive, or art to fundraise for the next project, the true product of my school is the manifestation of pure process; of the artist back in society.

Indeed, we are witnessing the return of the artist as citizen, the citizen-

a primavera de 2010. Mas, ao contrário das pequenas escolas experimentais urbanas e rurais atualmente abertas por outros artis- tas como novo fenômeno, minha escola é como uma tenda migratória que aparece e desaparece quando necessário. Além dis- so, não importam gestos formais e belas imagens que ainda posso produzir como documentos para ser arquivados, ou arte para captação de recursos para o projeto seguinte; o verdadeiro produto da minha escola é manifestação de um processo puro, do artista de volta à sociedade.

Estamos certamente testemunhan- do o retorno do artista como cidadão, a cida- dania da arte, o retorno do conteúdo social da arte pertinente para todos e, portanto, relevante para o processo democrático. Isto é o que escolas de arte deveriam estar ensi- nando, e o que fundações de arte deveriam financiar. É claro, este é um processo confuso que rebaixará muitas instituições, e deveria, porque o meio artístico e a sociedade deve- riam se envergonhar dessas escolas de arte. Este também será um processo interdiscipli- nar que nem sempre produzirá arte, ou arte que parece com arte tal qual a conhecemos, mas que acabará por alcançar aquilo de que a América mais precisa: ferramentas criativas de pensamento crítico do artista na socieda- de. E enquanto tudo o que podemos pro- duzir, em termos de respostas, são soluções temporárias que terão de ser revistas nos anos seguintes, por que deveríamos pensar que es- tamos acima da natureza? Todos os agentes se fossilizam, cedo ou tarde.

Então, a educação é um fluxo que deve constantemente ser revisado desprendidamente. O erro está em consi- derá-la imutável.

ship of art, the return of social content to art, relevant to all people, and thus, rel- evant to the democratic process. This is what art schools should be training, and what art foundations should be funding. Of course, this is a messy process that will humble many institutions, and it should, because the environment and society should shame these art schools. This will also be an interdisciplinary process that will not always produce art, or art that looks like art as we once knew it, but that will ultimately achieve what Amer- ica needs the most: the creative critical thinking tools of the artist in society. And while all we may come up with, in terms of answers, are temporary solutions that will have to be revised years from now, why should we think that we are above nature? All agents fossilize sooner or lat- er. So, education is a flow that must con- stantly be revised selflessly. The mistake is to set it in stone.

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O ARTISTA: VENTO(S) E

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