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A minha longa experiência dos homens simples, das crianças e dos animais persuadiu-me de que as leis da vida são gerais, naturais e válidas

para todos os seres... Para confirmar a nossa experiência, temos o

exaltante exemplo das pessoas sensatas de todos os tempos e de todas as raças que vão sempre muito mais longe na compreensão dinâmica dos homens do que os mais sábios autores de sistemas e de manuais contemporâneos. (FREINET, 1973, P.7-8)

- Jean Piaget (1896-1980) - criou a psicologia genética, que estuda a construção

do real na criança, descrevendo os estágios pelos quais ela passa no seu processo de desenvolvimento mental.

Os quatro estágios do desenvolvimento cognitivo da criança (sensório-motor, intuitivo, das operações concretas e das operações abstratas) representam um percurso desde o nascimento até a adolescência. A inteligência evolui da simples motricidade do bebê até o pensamento abstrato do adolescente; a afetividade parte do egocentrismo infantil até atingir a reciprocidade e cooperação, típicas da vida adulta; a consciência moral resulta de uma evolução que parte da anomia (ausência de leis), passa pela heteronomia (aceitação da norma externa) até atingir a autonomia ou capacidade de autodeterminação que indica a superação da moral infantil.

A passagem de um estágio para outro é possível por meio de mecanismos de organização e adaptação, conceitos que Piaget aproveita de seus conhecimentos da Biologia. Do ponto de vista biológico e psicológico, a organização é inseparável da adaptação: são dois processos complementares de um único mecanismo, o primeiro, sendo o aspecto interno do ciclo do qual a adaptação constitui o aspecto exterior (ARANHA, 1996).

A adaptação, por sua vez, supõe dois processos interligados, a assimilação e a acomodação. Pela assimilação, a realidade externa é interpretada por meio de algum tipo de significado já existente na organização cognitiva do indivíduo, ao mesmo tempo que a acomodação realiza a alteração desses significados já existentes. Daí, que essas funções são funções opostas, mas complementares.

Trata-se, pois, de uma estrutura concebida como uma totalidade em equilíbrio em que as partes, tendo relação umas com as outras, provocam transformações constantes, sendo que cada mudança particular altera o todo.

Para Piaget:

O princípio fundamental dos métodos ativos só se pode beneficiar com a História das Ciências se assim for expresso: compreender é inventar, ou reconstruir através da reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades se o que se pretende, para o futuro, é moldar indivíduos capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir. (PIAGET, 1988, p. 14-17)

As noções de construção do conhecimento e gênese de estruturas são pressupostos essenciais à produção de toda a teoria piagetiana. Nesse contexto, Epistemologia é uma expressão que pode ser compreendida como “Teoria do Conhecimento” ou “concepção sobre o processo de conhecer”, tendo em vista a relação entre o sujeito e o objeto.

Piaget e seus colaboradores formularam as bases epistemológicas das concepções de aprendizagem, respeitando claramente dicotomias que reduziam a referida relação ora ao pólo do objeto ou do meio (como no caso de concepções “empiristas”), ora ao pólo do sujeito ou de suas condições pré-formadas (como no caso dos “aprioristas” ou “inatistas”). Na abordagem piagetiana, a superação de tal dicotomia se traduziria na noção de construção, articulada ao fator equilibração.

As estruturas se constróem muito progressivamente, em vez de serem dadas por uma necessidade a prióri ou pelo primado do objeto; a

necessidade deve-se ao fechamento das estruturas por equilibração gradual e supõe a intervenção das atividades do sujeito na aquisição do

conhecimento. (PIAGET; GRECO, 1974, p. 30)

Bregunci (1996) afirma que o chamado Construtivismo Dialético – segundo a própria expressão utilizada por Piaget – intensificaria a ênfase na gênese ou construção de estruturas e conhecimentos novos, partindo da ação e abrindo-se ao “conjunto dos possíveis” através da representação simbólica e das operações mentais.

Uma epistemologia em conformidade com os dados da psicogênese não poderia ser empírica nem pré-formista; não poderia deixar de ser um Construtivismo, com a elaboração contínua de operações e de novas estruturas (...). Só o Construtivismo é aceitável, mas incumbido da pesada tarefa de explicar simultaneamente o mecanismo da formação de novidades e o caráter da necessidade lógica que elas adquirem no decorrer do

processo. (PIAGET, 1983, p. 39-41)

- a epistemologia genética que busca raízes nas diversas modalidades de conhecimento, desde suas formas mais elementares até os níveis mais elaborados. Não há conhecimento absoluto – tudo é gênese ou elaboração contínua, tanto no nível psicogenético (desenvolvimento histórico individual) como em nível sociogenético (desenvolvimento histórico das relações sociais);

- as estruturas novas decorrentes dessa gênese não são pré-formadas nem nos objetos, nem nos sujeitos. O conhecimento resulta das interações ou elaborações solidárias entre o sujeito e o objeto, em direções complementares;

- entre estruturas há um contínuo movimento de assimilação e integração recíproca, de tal modo que uma estrutura superior pode-se derivar de uma inferior, enriquecendo-a e nela se integrando;

- o conhecimento assim construído se organiza em função do processo de equilibração, que se consolida pelos processos de assimilação e adaptação;

- a chave de toda gênese do desenvolvimento e da aprendizagem encontra-se no plano da ação ou das coordenações de ações. Este seria o patamar de toda a gênese das funções simbólicas (representações) e das estruturas operatórias, sejam as mais concretas ou as mais abstratas;

- a gênese de funções e estruturas cognitivas envolve múltiplos campos conceituais ligados à linguagem, causalidade, espaço, tempo, moralidade e inúmeros outros lógicos-matemáticos.

A contribuição de Piaget para a pedagogia tem sido, até hoje, inestimável, sobretudo, devido às indicações quanto à época adequada para serem ensinados determinados conteúdos às crianças, sem desrespeitar suas reais possibilidades mentais, ou seja, de acordo com o seu desenvolvimento intelectual e afetivo. A compreensão desse processo ajuda o educador a saber em que estágio o aluno tem predisposição para assimilar determinada informação, podendo acomodá-la em novas formas de organização do conhecimento. O mesmo vale para a afetividade e para a construção da vida moral, presentes nas diversas formas de interação do grupo (ARANHA, 1989).

2.5.3 Pedagogia Progressista

A Pedagogia Progressista sustenta as finalidades sócio-políticas da educação, partindo de uma análise crítica da realidade social.

É uma pedagogia que integra o todo social, considerando seus condicionantes históricos sociais e, partindo concretamente das condições existentes, propõe-se a construir um trabalho transformador no âmbito escolar e social.

Sua metodologia teria como ponto de partida e como ponto de chegada a prática social comum a educadores e educandos (SILVA, 2000).

Os principais representantes da pedagogia progressista são: Vigotski e Freire.

- Lev Semenovich Vigotski (1896 – 1934) – orientou suas reflexões na busca

de uma alternativa para as teorias comportamentais de tendência naturalista que predominavam no seu tempo, cujos principais representantes foram Wilhelm Wundt, Ivan Pavlov e Watson (contemporâneo de Vigotski) que desenvolveu o Behaviorismo a partir dos pressupostos formulados pelos estudos de Wundt e Pavlov.

A preocupação de Vigotski com o desenvolvimento do comportamento humano resulta da constatação de que todos os fenômenos psíquicos são processos em movimentos, têm uma história. Isso significa que o mecanismo de mudança individual tem uma raiz na sociedade e na cultura e ainda que este processo não se faz de forma linear, mas dialeticamente. Daí, que o que caracteriza a psicologia humana e a distingue qualitativamente da psicologia animal é a internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas. Para Vigotski, no homem, o aspecto biológico encontra-se enredado o tempo todo no processo sócio- histórico, representado pelas transformações das expressões culturais (ARANHA, 1996).

A noção de construção ou gênese é sustentada no princípio de plasticidade das funções psicológicas, cuja base biológica está no cérebro – um sistema funcional aberto, com estrutura e modo de funcionamento moldado ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual, em contexto sempre sociocultural. Assim, a interdependência dos processos de pensamento e linguagem, com ênfase no papel da semiótica, ou seja, no uso de signos como atividade instrumental, de origem igualmente sociocultural, possibilitaria a passagem de atividades em nível interindividual (produzidas no plano histórico e social) para o nível intrapsíquico (produzidos no plano individual) (BREGUNCI, 1996).

A interdependência dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, expressa, de forma privilegiada, na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, ainda não-consolidadas no desenvolvimento real ou atual dos sujeitos, mas que podem se manifestar em função de certas condições, se constituíria numa região de

funções emergentes. Essas condições seriam os recursos partilhados com os outros, ou as intervenções de pares e adultos – o que sugere direções mais decisivas dos processos interativos e do papel do professor, como mediador fundamental. Portanto, constata-se a existência de uma pré-história da aprendizagem em todos os níveis de conhecimento.

Na perspectiva vigotskiana, embora os conceitos não sejam assimilados prontos, o ensino escolar desempenha um papel importante na formação dos conceitos de um modo geral e dos científicos em particular. A escola propicia às crianças um conhecimento sistemático sobre aspectos que não são associados ao seu campo de visão ou vivência direta (como no caso dos conceitos espontâneos). Possibilita, também, que o indivíduo tenha acesso ao conhecimento científico construído e acumulado pela humanidade. Por envolver operações que exigem consciência e controle deliberado, permite ainda que as crianças se conscientizem dos seus próprios processos mentais (processo metacognitivo).

Vigotski rejeita os modelos baseados em pressupostos inativistas (que prescrevem características comportamentais universais do ser humano) e discorda também da visão ambientalista (que defende que o indivíduo é resultado de um determinismo cultural). Para ele, o indivíduo é um sujeito que realiza uma atividade organizadora na sua interação com o mundo, capaz inclusive de renovar a própria cultura. Parte do pressuposto de que as características de cada indivíduo vão sendo formadas a partir da constante interação com o meio, entendido como mundo físico e social, que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Nesse processo, o indivíduo, ao mesmo tempo que internaliza as formas culturais, as transforma e intervém no meio. É, portanto, na relação dialética com o mundo que o sujeito se constitui e se liberta. Daí, que o desenvolvimento humano acontece através de trocas recíprocas, que se estabelecem durante toda a vida, entre o indivíduo e meio, cada aspecto influindo sobre o outro (REGO, 1999).

O trabalho coletivo é importante porque, enquanto a criança interage com pessoas de sua convivência e em cooperação com seus companheiros, sua atividade é estimulada; o que possibilita a internalização dos processos vivenciados. Com isso, valoriza o papel da imitação no aprendizado, tão desprezada pela pedagogia que valoriza apenas a aprendizagem independente da criança.

Enfatiza a importância do brinquedo, por meio do qual a criança vai além do comportamento cotidiano, se projeta nas atividades dos adultos, ensaiando regras,

valores e futuros papéis a serem desempenhados na cultura e, dessa forma, cria uma zona de desenvolvimento proximal. Com esse conceito pode-se melhor entender a transformação de um processo interpessoal em direção a um processo intrapessoal e, portanto, rumo à independência intelectual e afetiva.

Para Rego (1999), as principais contribuições vigotskiana para a educação são:

- Valorização do papel da escola – a escola tem um papel insubstituível na

apropriação pelo sujeito da experiência culturalmente acumulada, porque promove um modo mais sofisticado de analisar e generalizar os elementos da realidade: o pensamento conceitual.

As atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na escola introduzem novos modos de operação intelectual (abstrações e generalizações mais amplas acerca da realidade). Como conseqüência, na medida em que a criança expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo. O acesso a esse saber dependerá, entre outros, de fatores de ordem social, política e econômica e da qualidade do ensino oferecido.

- O bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento – o fundamento dessa

posição se encontra no conceito de zona de desenvolvimento proximal que descreve o “espaço” entre as conquistas já adquiridas pela criança e aquelas que, para se efetivar, dependem da participação de elementos mais capazes.

Do ponto de vista da teoria histórico-cultural, não tem sentido esperar que primeiro ocorra o desenvolvimento para que só então seja permitido que a criança aprenda. O bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se complementarem. Essa dimensão prospectiva do desenvolvimento psicológico é de grande importância para a educação, pois permite a compreensão de processos de desenvolvimento que, embora presentes no indivíduo, necessitam da intervenção, da colaboração de parceiros mais experientes da cultura para se consolidarem e, como conseqüência, ajudam a definir o campo e as possibilidades da atuação pedagógica.

- O papel do outro na construção do conhecimento – as funções psíquicas

humanas estão intimamente vinculadas ao aprendizado, à apropriação (por intermédio da linguagem) do legado cultural de seu grupo. Para que a criança possa dominar esses conhecimentos, é fundamental a mediação de indivíduos, sobretudo dos mais experientes de seu grupo cultural. Mas, para que exista a apropriação, é preciso também que exista internalização, que implica na transformação dos

processos intrapsicológicos (onde a atividade é reconstruída internamente). O caminho do desenvolvimento humano segue, portanto, a direção do social para individual.

Na perspectiva de Vigotski, construir conhecimentos implica numa ação partilhada, já que é através dos outros que as relações entre o sujeito e o objeto de conhecimento são estabelecidas. Cabe ao professor não somente permitir que elas ocorram, como também promovê-las no cotidiano da escola. Dessa maneira, a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano, passa a ser vista como fator imprescindível à possibilidade de troca de repertórios, de visão de mundo, confrontos, ajuda mútua e, conseqüentemente, ampliação das capacidades individuais.

- Papel da imitação no aprendizado – a imitação oferece a oportunidade de

reconstrução (interna) daquilo que o indivíduo observa externamente. A imitação pode ser entendida como um dos possíveis caminhos para o aprendizado, um instrumento de compreensão do sujeito. Por isto, o objetivo do professor deve ser mais amplo que a mera repetição, sua intenção é ampliar o repertório de cada criança, permitir a troca de informações e experiências entre os colegas e também propiciar o contato das crianças com a arte produzida pelos homens ao longo de sua história.

Para Vigotski, a brincadeira tem uma função significativa no processo do desenvolvimento infantil. Ela é responsável pela criação de “uma zona de desenvolvimento proximal”, justamente porque, através da imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo social. No contexto escolar, a brincadeira deveria ser valorizada e estimulada, já que tem uma importante função pedagógica.

- O papel mediador do professor na dinâmica das interações interpessoais e na interação das crianças com os objetos de conhecimento – o professor deixa de ser

visto como agente exclusivo de informação e formação dos alunos. A função que ele desempenha no contexto escolar é o de mediador e possibilitador das interações entre os alunos e das crianças com os objetos de conhecimento.

No cotidiano escolar, a intervenção “nas zonas de desenvolvimento proximal” dos alunos é de responsabilidade do professor, visto como parceiro privilegiado. Por isto, as demonstrações, explicações, abstrações, justificativas e questionamentos do professor são fundamentais no processo educativo. Isto não significa que ele deva

“dar sempre a resposta pronta”. É preciso que, no cotidiano, o professor estabeleça uma relação de diálogo com as crianças e que crie situações em que elas possam expressar aquilo que já sabem.

Os postulados de Vigotski parecem apontar para a necessidade de criação de uma escola bem diferente da que se conhece. Uma escola onde as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Onde haja espaço para transformações, para as diferenças, para o erro, para as contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade. Uma escola em que professores e alunos tenham autonomia, possam pensar, refletir sobre o seu próprio processo de construção de conhecimento e ter acesso a novas informações. Uma escola onde o conhecimento já sistematizado não é tratado de forma dogmática e esvaziado de significado.

- Paulo Freire (1921–1999) – a sua obra é voltada para uma Teoria do

Conhecimento aplicada à educação, sustentada por uma concepção dialética em que o educador e educando aprendem juntos numa relação dinâmica na qual a prática, orientada pela teoria, reorienta essa prática, num processo de constante aperfeiçoamento (GADOTTI, 1999).

A ação educativa tem como fundamento duas premissas básicas: a opressão e a conscientização. A primeira se expressaria pela tirania exercida contra outrem, ou seja, o estado daquele que vive sob o despotismo ou sob a prepotência de outrem e, portanto, não pode ser identificado como sujeito. A segunda, seria o ato de tomar posse da realidade a partir de desmitologização, ou seja, através do olhar mais crítico possível sobre essa realidade, o sujeito seria capaz de, desvelando, conhecê- la melhor e, ao conhecê-la, desmistificá-la, desnudando os mitos que enganam e ajudam a manter a realidade da estrutura dominante (FREIRE, 1975).

Nesta perspectiva, a função da educação é tornar o homem sujeito. Seu objetivo seria a conscientização, ou seja, ultrapassar o nível da consciência real, atingindo o maior nível da consciência historicamente possível.

A dialogicidade constitui a essência da educação como prática de liberdade e é representada por Bolzan (1998) graficamente da seguinte forma:

Figura 1 – Teoria Dialógica de Freire