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2 A ADVOCACIA PÚBLICA E O RESPEITO AOS DIREITOS DOS CIDADÃOS

2.4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: O ALICERCE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.4.4 Experiência jurídica e ética

Não raro a atividade legislativa se desenvolve somente após os acontecimentos se concretizarem no mundo real. E por vezes as soluções para preenchimento das lacunas jurídicas, por intermédio da analogia e costumes são insuficientes para alcançar a solução justa. Os princípios jurídicos auxiliam no preenchimento dessa lacuna.

A aceitação da moral pelo direito deve refletir efetivamente o sentimento constitucional fortalecido pelo constitucionalismo histórico, como fenômeno cultural de

148 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Edições

Almedina, 2003. p. 1160.

149 PEREIRA, Erick Wilson. Direito Eleitoral: interpretação e aplicação de normas constitucionais-eleitorais. São

respeito à vida, ao pluralismo, à dignidade humana, ao Estado Democrático de Direito, aos Direitos Fundamentais do cidadão e a tantos outros valores substanciosos expressados na Constituição Federal.

Há, de certo modo, uma reaproximação do direito com as concepções jusnaturalistas trazidas por Santo Tomás de Aquino, para quem as leis seriam justas ou injustas. “Se são justas, têm força de obrigar no foro da consciência da lei eterna”. Já as leis injustas seriam mais violências do que leis e por isso não obrigariam no foro das consciências e assim

não necessitariam ser observadas150.

Thoreau, na sua Desobediência Civil, expressa que as leis jamais tornaram os homens mais justos e muitas vezes foi respeitando a lei que os mais bem intencionados

transformaram-se em agentes de injustiça151.

O apego rigoroso à legalidade estrita, abstraída das concepções de justiça, pode acabar por entorpecer a consciência do operador do direito e transformá-lo em um autômato insensível aos reclamos sociais, alienado a valores essenciais inerentes ao ser humano, em total menosprezo às necessidades individuais e coletivas.

Durante o julgamento de Nuremberg, uma das alegações dos acusados do holocausto foi justamente a de que estariam agindo em conformidade com a lei alemã. Uma observação fria, obviamente, destituída de valores morais e de sentimento amplo de justiça.

Não se pode desconsiderar, no entanto, que a interiorização mental da necessidade de obedecer as leis fixa o imperativo do dever. Pensar em desobedecer um dever pode gerar

(auto)culpa e angústia152 (na relação do indivíduo de si para consigo mesmo). Conciliar, então,

a necessidade do dever de respeitar as leis com a possibilidade de não se submeter a uma lei injusta, requer ponderação.

Admite-se não deva o direito, de fato, tolerar leis injustas, mas a injustiça da lei deve ser sempre sopesada em parâmetros jurídicos objetivos, representativo dos valores vigentes em uma determinada sociedade. Existem valores com elevada carga axiológica passíveis de dispensar até a sua descrição em um texto normativo para serem considerados pelo direito. Pode-se citar como exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana, por representar uma diretriz ética a elevar o ser humano como o ponto central para quem o direito é dirigido.

150 AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. Tradução de Aldo Vannuchi e outros. Volume IV, Seção I, Parte

II, questão 96, art. 4. 2. ed. São Paulo: edições Loyola, 2005 . p. 590.

151 THOREAU, David Henry. A Desobediência Civil. Tradução de Sérgio Karam. Porto Alegre: L&PM, 2014.

p. 11.

152 MORIN, Edgar. O Método 6: ética. Tradução de Juremir Machado da Silva. 4. ed. Porto Alegre: Sulina,

Miguel Reale, adepto à corrente jusnaturalista, discorda da bifurcação da Ética em dois ramos – a Moral e o Direito – mas concorda com a visão da experiência jurídica como um momento da vida Ética. Segundo o autor, o Direito, como experiência humana, “situa-se no plano da Ética, referindo-se a toda a problemática da conduta humana subordinada a normas de

caráter obrigatório153”.

No entanto, deve-se ter cuidado com a aproximação do direito com as ideias jusnaturalistas, pois o passado demonstrou que a aproximação excessiva com a metafísica gerou

deturpações de conduta154 e a existência de uma zona de tensão entre concepções religiosas e o

direito legislado são uma constante.

A ponderação entre princípios e a descoberta de valores incidentes sobre um caso concreto deve ser realizada em um procedimento argumentativo controlável pelas partes.

A visão tomista de simplesmente deixar de observar uma lei por motivo de consciência poderia conduzir ao caos. Considerada a realidade sistêmica do ordenamento jurídico da atualidade e a necessidade de entabular relações sustentadas na segurança jurídica, não se pode simplesmente deixar de se observar uma lei tão somente por um senso subjetivo de injustiça. Se a lei for injusta deverá passar pelo crivo de sustentabilidade no arcabouço principiológico presente no ordenamento jurídico. Os critérios de justiça e injustiça não podem ser tratados como critérios pessoais do aplicador do direito, mas como dimensões aferíveis no direito no momento de sua aplicação. O respeito à legalidade é essencial em um país e uma lei não pode simplesmente deixar de ser aplicada, se ela rege determinada situação prática.

Para a lei não ser aplicada deverá passar pelos procedimentos previstos pelo ordenamento jurídico, ponderada com outras leis, segundo critérios temporal, hierárquico e da especialidade. Tais critérios, na maioria das vezes, são suficientes para solucionar o conflito entre regras no ordenamento jurídico na forma do tudo ou nada. Por outro lado, se houver a violação a um princípio constitucional a lei deixaria de ser aplicada não por ser injusta, mas por não ter passado pelo crivo de constitucionalidade segundo os métodos de controle previstos pelo Direito.

Assim, em um sistema de intepretação constitucional aberta155, a valoração da

justiça e injustiça de uma lei será feita sempre pelo Direito e jamais fora do Direito, mediante argumentação controlável pela sociedade, pelas partes e sobretudo pelos operadores jurídicos.

153 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 36.

154 MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. Tradução de Ari R. Tank Brito. São Paulo: Hedra, 2010. p. 79-81. 155 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1997. p. 15.

A incidência da moral deve estar plasmada em um veículo aceito pelo Direito como representativo da juridicidade do cânone ético ou moral. E esse veículo tanto pode ser uma regra, quanto um princípio. Desse modo, a eticização do Direito não dispensa a adição de conteúdos às formas jurídicas para a atuação segundo uma ética na lei e jamais acima da lei.

Para Eros Grau essa ética é a ética dos princípios jurídicos156.

Então quando se acena para uma reaproximação do Direito com a ética, com a moral e com o próprio jusnaturalismo, a introdução desses valores no meio jurídico somente pode ser permitida pelos instrumentos constantes do próprio direito positivo, pois se o Direito tem o seu

fundamento na ética, o seu uso deve operar-se nos estritos limites de uma estrutura racional157.

2.4.5 A independência funcional do Advogado Público como princípio constitucional não