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2 A ADVOCACIA PÚBLICA E O RESPEITO AOS DIREITOS DOS CIDADÃOS

2.4 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS: O ALICERCE DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

2.4.5 A independência funcional do Advogado Público como princípio constitucional não

Segundo Canotilho tornou-se ultrapassada a teoria da existência de normas constitucionais meramente programáticas. Tais normas seriam caracterizadas como mera

diretriz jurídica, sem aplicabilidade prática158. A Constituição possui força normativa, como diz

Hesse159, e desfruta de força suficiente para incidir diretamente sobre o caso concreto.

Portanto, todos os princípios e regras constitucionais possuem eficácia normativa imediata.

A realidade demonstra ser inviável e absolutamente impossível ao legislador estabelecer previamente regras reguladoras de todos os acontecimentos sociais.

Quando a lei for omissa deverá o intérprete socorrer-se diretamente das regras e princípios insculpidos na constituição.

Hart destaca existir em todo sistema jurídico um campo de abertura vasto para os aplicadores do direito valerem-se de sua discricionariedade no sentido de tornar mais precisos os padrões inicialmente vagos, dirimir incertezas contidas nas leis ou ainda ampliar ou restringir

a aplicação de normas transmitidas pelos precedentes autorizados160.

156 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 112. 157 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Introdução aos Direitos Plurifuncionais: os direitos, suas funções

e a relação com o desenvolvimento, a eficiência e as políticas públicas. Natal: Fabiano André de Souza Mendonça, 2016. p. 207.

158 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Edições

Almedina, 2003. p. 1176-1177.

159 HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre:

Fabris, 2009.

160 HART, Herbert Lionel Adolphus. O Conceito de Direito. Tradução de Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São

No âmbito do direito administrativo permanece a percepção de permitir aos particulares realizar todas as condutas não vedadas em lei, enquanto a administração pública somente estaria autorizada a atuar onde houvesse expressa autorização legal. Como se viu, para aferir a existência ou não de autorização na lei, a lei necessita ser interpretada.

O ato de interpretar não é exclusividade de um grupo ou classe de pessoas, nem deste ou daquele órgão estatal, pois todos aqueles que de uma forma ou de outra entram em contato com a proposição normativa, e dela extraem um significado, realizam interpretação.

Peter Häberle, sob a perspectiva de um conceito republicano de interpretação constitucional aberta, foi um dos responsáveis pela difusão dessa lição, para quem o destinatário da norma é um participante ativo do processo hermenêutico. Sua lição está baseada na constatação de não serem os operadores do Direito os únicos a vivenciarem a norma e por isso não podem eles deter o monopólio da interpretação constitucional. Desse modo, todos se tornam intérpretes da constituição, dela participando potencialmente todas as forças da comunidade

política, a começar pelo cidadão161.

A Advocacia Pública participa do processo de interpretação do direito em relação à realidade fática que permeia as relações estatais.

Na salvaguarda dos interesses do Estado, deve estar atenta para a correta interpretação das regras e princípios, mas não pode estar alheia ao fato de que um dos objetivos fundamentais da República é a construção de uma sociedade justa. Se assim o é, ao mesmo tempo em que exerce o papel de defesa dos interesses estatais deve também fomentar a construção de uma justiça constitucional no âmbito administrativo realizando a ponte entre os objetivos do Estado e as pretensões legítimas dos administrados.

Por ser a interpretação do direito uma atividade individual a ser realizada diante de casos concretos, nenhuma autoridade pode ser capaz de retirar do Advogado Público a esfera da liberdade de atuação individual, de poder analisar os fatos livre de pressões e de manifestar o posicionamento jurídico mais adequado à situação posta.

Mesmo diante de orientações ou de súmulas administrativas ou judiciais a pré- estabelecerem o entendimento consolidado no âmbito administrativo ou jurisdicional, tais orientações e súmulas necessitam ser interpretadas diante do caso concreto até mesmo para verificar se a situação posta se enquadra na moldura trazida pela orientação administrativa ou jurisprudencial.

161 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição:

contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1997. p. 15, 23 e 24.

Os princípios jurídicos não são resgatados fora do ordenamento jurídico, mas descobertos em seu interior, ou seja, no direito pressuposto vigente em uma determinada

sociedade, sendo de lá resgatados tão logo se constate a sua existência162.

Cada sociedade produz o seu ordenamento jurídico e nele subjazem determinados princípios. Estes, embora não enunciados em texto escrito podem estar contemplados no ordenamento em forma latente. Tais princípios não são objetos de criação humana. Ou eles existem ou não existem. Caso existam e forem descobertos, devem ser adotados de forma decisiva para a definição de determinada solução normativa. Assim, mesmo os princípios não

escritos integram, ao lado dos princípios jurídicos explícitos, o direito positivo163.

Na sociedade brasileira o sistema constitucional vigente consagra uma República Federativa comprometida com preceitos Democráticos em constante busca pela Justiça social. Estes valores foram sopesados quando concebeu a existência de Funções estatais Essenciais à administração da Justiça, elencando-as em capítulo próprio da Organização dos Poderes.

Tais Funções Estatais estão organizadas em carreira para atender aos fins propostos. No entanto, diferentemente do que ocorreu com o Ministério Público e a Defensoria Pública, a Advocacia Pública não foi dotada de nenhum princípio constitucional explícito. Todavia, nenhuma instituição estatal considerada Essencial a uma finalidade pode ser concebida sem princípios institucionais a ela inerentes, pois são os princípios a base de toda organização jurídica. A Advocacia Pública institucionalizada deve estar erguida sobre bases sólidas pois dela depende a solidez das políticas públicas, da defesa do Estado e do respeito aos direitos dos cidadãos. Necessário então resgatar do ambiente do sistema constitucional os princípios institucionais não escritos sobre os quais foram erguidos o edifício institucional.

Não existe atividade jurídica que possa ser realizada de forma robotizada, sem o elemento humano.

Por sua vez, o Estado brasileiro está comprometido com os preceitos da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência. Tais princípios necessitam ser observados no âmbito interno da administração pública, sem os quais não se pode considerar esteja o Estado agindo consoante os ditames da Justiça Constitucional. O Advogado Público é profissional investido por concurso público para assessorar o Poder Executivo e representar a União judicial e extrajudicialmente. Na sua tarefa deve estar comprometido com os princípios inerentes à administração pública e numa visão ampla deve conformar suas manifestações com os

162 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 71. 163 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Aplicação/Interpretação do Direito. 4. ed. São Paulo:

Princípios Fundamentais da Constituição e com os Direitos Fundamentais dos cidadãos por ela consagrados. Se cumpre ao Estado construir uma sociedade justa, não pode o Estado agir com injustiça.

Embora todos possam ser intérpretes da Constituição e das Leis, cumpre ao profissional do Direito chancelar a interpretação da constituição preponderante ou mais adequada à administração pública.

Portanto, torna-se imperioso reconhecer a existência do princípio da independência funcional do órgão jurídico que presta assessoria e consultoria jurídica ao Poder Executivo e representa a União judicial e extrajudicialmente. Trata-se, evidentemente, de um princípio constitucional implícito.

Isso porque é o Advogado Público quem possui melhores condições de orientar a que a administração se comporte como deseja o ordenamento jurídico, em respeito à Constituição, às leis e à interpretação consolidada das decisões prolatadas no âmbito dos tribunais, em especial, àquelas emanadas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho, por serem tribunais de estabilização de

demandas164.

Assim, a independência funcional do Advogado Público consiste em um verdadeiro princípio constitucional não escrito descortinado no âmbito do sistema constitucional.

Eros Roberto Grau ensina que o fundamento de todo o direito posto encontra-se na sociedade que historicamente o pressupõe e é no direito pressuposto dessa dada sociedade que existirão os princípios jurídicos regentes do direito em vigor. O direito posto é produzido a partir de múltiplas interrelações, em um processo dinâmico, em movimento, no ambiente de um direito em constante modificação, formação, destruição e reformulação. O direito pressuposto brota espontaneamente na sociedade, condiciona a elaboração do direito posto e este, uma vez positivado, pode influenciar a modificação do direito pressuposto. É notório, portanto, a existência de um processo interativo de influenciação circular entre o direito posto e o direito pressuposto. O direito pressuposto é, assim, em verdade, um produto cultural que se estabelece

e se enraíza na influenciação de posturas e condutas165.

Se por uma análise sistêmica da constituição chega-se à constatação de que o sistema constitucional vigente careceria de concretude sem a existência da independência

164 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 955831/SP. 2ª Turma. Relator Ministro Teori Albino Zavascki.

Julgamento: 28 ago. 2007. Publicação: 10 set. 2007.

165 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 42, 43

técnica do Advogado Público no cumprimento de seu mister constitucional, somente por uma questão cultural pode-se conceber a postura acrítica ainda existente na Advocacia Pública quanto à negativa de reconhecimento da sua independência funcional e ao aviltamento a que seus membros são submetidos mediante normatizações reiteradas violadoras desse importantíssimo princípio constitucional. A independência funcional do Advogado Público necessita ser respeitada e não pode ser combalida nem deteriorada por práticas institucionalmente condenáveis.

É preciso considerar que o Estado não está apenas dentro da sociedade166. Mais do

que isso. Está o seu serviço.

Desse modo, a independência funcional do Advogado Público é essencial para uma advocacia atenta à necessidade de prevenção do litígio e da superação da crise de credibilidade de um Estado ineficiente e ainda distante da busca dos seus objetivos fundamentais.

2.5 OS FINS DO ESTADO COMO DECORRÊNCIA DE SEU PROCESSO DE FORMAÇÃO