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2 A ADVOCACIA PÚBLICA E O RESPEITO AOS DIREITOS DOS CIDADÃOS

2.5 OS FINS DO ESTADO COMO DECORRÊNCIA DE SEU PROCESSO DE

O exercício da Advocacia Pública, nos termos ora propostos, é analisado no âmbito de um Estado Republicano e Democrático de Direito.

Definir o que seria Estado não é uma tarefa fácil167, mas para fins didáticos168

importa conhecer seus elementos constitutivos tal como concebidos pela teoria clássica. São eles o povo, o território e o poder soberano, ou seja, a existência do Estado reclama a presença dos elementos humano, espacial e político. Desses elementos, o mais importante é o elemento humano, pois em períodos críticos, anárquicos ou transitórios por vezes pode até faltar o elemento político ou territorial, porém o Estado jamais se sustentará sem a existência de um

povo a conferir raízes e vínculos jurídicos169 e afetivos de forma ininterrupta. É o povo o

elemento responsável pela continuidade do Estado170.

Verdú e Cueva atribuem a Maquiavel o grande mérito de designar o Estado como estrutura de convivência política ocidental ao relatar o seu funcionamento mediante um

166 GRAU, Eros Roberto. O Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 69. 167 BASTIAT, Fréderic. Ensaios. Tradução de Ronaldo Legey. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 1989. p. 49. 168 VERDÚ, Lucas Pablo; e CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la. Manual de Derecho Politico. Volumen I:

Introducción y Teoría del Estado. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 125 e 129.

169 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução de Luís Carlos Borges. São Paulo, Martins

Fontes, 2005. p. 334.

conhecimento empírico e histórico171. Segundo Maquiavel “todos os Estados, todos os governos

que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram ou são repúblicas ou principados172”.

Apesar de Maquiavel não ter apresentado uma definição de Estado, constatou sua existência como realidade fática em sua dinamicidade política na busca perene pela manutenção do poder. O Estado então foi aparecendo como resultado de uma estrutura histórica de

convivência política e social173.

A necessidade de convivência, de aproximação entre os homens para entabularem relações recíprocas foi analisada por teóricos naturalistas e contratualistas sob dois pontos de vista distintos. Para os primeiros toda associação humana é produto de um instinto natural do homem, decorrente das leis divinas. O instinto de aproximação o conduz a viver em sociedade. Para a corrente contratualista essa aproximação ocorre não por instinto, mas pela razão, ou seja, pela vontade livre e deliberada de cada indivíduo.

Traços dessas correntes vêm desde a antiguidade.

Aristóteles via no processo de formação das cidades a existência de um instinto

natural do homem. Concebia o homem como um animal político por natureza174. Entre os

romanos Cipião enxergava o povo como uma associação baseada no consenso de direito e na

comunidade de interesse175. Em seu diálogo na Republica de Cicero considera haver um instinto

de sociabilidade a todos inato. Esse instinto é o responsável pela agregação entre os homens e

os conduziria a procurar o apoio comum176.

A concepção do homem como um ser gregário por natureza firmou-se no pensamento filosófico e ao final da idade média o pensamento naturalista se consolidou sob forte influência religiosa, legada principalmente pela doutrina tomista (séc. XIII). Assim, seria o instinto natural do homem concedido por dádiva divina o móvel a impulsionar a vida em sociedade177.

171 No mesmo sentido: BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política.

Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 19. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2014. p. 65.

172 MAQUIAVELLI, Niccolo. O Príncipe. Tradução de Roberto Grassi. 21. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,

1998. p. 5.

173 VERDÚ, Lucas Pablo; e CUEVA, Pablo Lucas Murillo de la. Manual de Derecho Politico. Volumen I:

Introducción y Teoría del Estado. 3. ed. Madrid: Tecnos, 2005. p. 21 e 42.

174 ARISTOTELES. Política. Tradução de Pedro Constantin Tolens. São Paulo: Martin Claret, 2006. p. 56. 175 AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Parte I. Tradução de Oscar Paes Leme. Petrópolis: Vozes, 2012. p.

107.

176 CICERO, Marcus Tullius. Da República. Tradução de Nelson Jahr Garcia. Livro I, cap. XXV e XVI. Versão

Domínio Público para e.book: Amazon, baixado em 14/10/2015, posição 242.

177 AQUINO, Santo Tomás de. Suma Teológica. Tradução de Aldo Vannuchi e outros. Volume II, questões 91,

A partir do século XVII, com os racionalistas clássicos, surge a corrente contratualista. Esta corrente procura justificar a existência do Estado não por obra do instinto concedido por graça divina, mas por obra da razão humana.

Hobbes (séc. XVII) sustenta que o estado de natureza iguala os homens e essa igualdade os faz querer desfrutar dos mesmos bens que os seus iguais desfrutam. Na sua visão

o homem possui uma maldade natural e difunde a expressão de Plauto178, para quem o homem

é o lobo do homem179. Sendo o homem mau por natureza, a condição humana é a da guerra de

uns contra os outros, com cada qual governado por sua própria razão. Mas nesse estado de guerra permanente ninguém se sentiria seguro. Por isso a própria razão faz o homem procurar a paz. É a necessidade então a fonte da unidade real. A necessidade faz os homens se reunirem em torno de uma autoridade, mediante um pacto de cada homem com todos os homens, os quais anuem com a submissão de todos a essa autoridade. Eis a origem ao Estado, segundo Hobbes. O detentor da autoridade se chamaria soberano e a ele se confere um poder ilimitado. Todos os restantes seriam súditos. Hobbes rompe com o pensamento escolástico e vincula-se ao Estado absolutista ao atribuir ao soberano o poder de manter a paz entre os homens, sem que ele próprio estivesse submetido a qualquer outro poder maior que o seu. Os fins justificariam os meios a

serem empregados pelo soberano para a manutenção da paz180.

O contrato social em Hobbes, no entanto, é um contrato anômalo porque o governante só possui direitos, mas não deveres. Os súditos são dominados pelo medo e não têm contra o rei qualquer direito. A Teoria de Hobbes foi concebida no Século XVII, um período conturbado na Inglaterra, marcado pelo conflito entre a Coroa e os súditos por questões sobre as doutrinas relativas à origem e natureza da autoridade real e sua submissão à lei. Doutrinas inconciliáveis sobre a fonte e os limites do poder real sob o primado do direito levaram à contenda entre o Rei e o parlamento, culminando na revolução gloriosa e ascensão de

Guilherme de Orange ao poder181.

Naquele ambiente tomou força o pensamento de John Locke (séc. XVII), que irá se posicionar contra a liberdade sem limites do poder soberano. Para Locke tanto a liberdade

178 “lupus est homo homini, non homo, quom qualis sit non novit.” PLAUTUS. Asinaria. Act II, Scene IV. With

English Translation. Translator: Paul Nixon. Ebook: Project Gutemberg, 2005. Disponível em: <http://www.gutenberg.org/files/16564/16564-h/16564-h.htm#Asinaria>. Acesso em: 04 nov.2015. Tradução Livre: “este homem é o lobo do homem, e não um homem, quando ele não sabe o que é”.

179 HOBBES, Thomas. Do cidadão. Tradução de Renato Janine Ribeiro. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

p. 3.

180 HOBBES, Thomas. Leviatã. Tradução de Rosina D’Angina. 2. ed.: São Paulo: Martin Claret, 2012. p. 3, 101,

108, 140 e 144.

181 KELLY, John M. Uma Breve História da Teoria do Direito Ocidental. Tradução de Marylene Pinto Michael.

quanto a igualdade são concebidas como um estado da natureza e neste estado todos devem respeitar a vida, a saúde, a liberdade e a propriedade uns dos outros. Além do mais, todos deveriam se submeter a um governo e às regras estabelecidas pelo Poder Legislativo, ao qual todos devem obedecer, inclusive o monarca, não se admitindo a sujeição do indivíduo à vontade

inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem182. Locke se voltava contra a

monarquia absoluta, por entendê-la incompatível com a sociedade civil. Ninguém poderia ser submetido a poder político de outrem sem consentimento. O único modo legítimo de alguém abrir mão de sua liberdade natural para viver em sociedade poderia se dar mediante um acordo das pessoas entre si para viver em comunidade com segurança, conforto e paz umas com as outras. Em Locke, o principal objetivo dos homens se reunirem em comunidades, além da busca pela segurança, conforto e paz, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade, entendida esta em um conceito amplo, abrangendo o direito não só às posses, mas também à vida e à liberdade183.

As ideias de Locke influenciaram a chamada Revolução Gloriosa, uma revolução sem armas e sem violência física, consistente em um Golpe do parlamento inglês, em razão da dificuldade e da insensibilidade de Jaime II em lidar com seus súditos protestantes.

O período turbulento do século XVII na Inglaterra deixou como legado documentos legislativos importantes ao povo Inglês, como o Petition of Right, de 1627, o Habeas Corpus

Act de 1679, e Bill of Right de 1689. Juntamente com a Magna Charta Libertatum, de 1215, de

João sem Terra, tais documentos asseguravam direitos basilares mínimos aos cidadãos, como o direito de liberdade, de propriedade e de petição.

Tais legados filosóficos e jurídicos foram muito importantes para o desenvolvimento do constitucionalismo moderno. Enquanto na Inglaterra as ideias trazidas pela Revolução Gloriosa (final do séc. XVII) passariam a ser assimiladas durante o séc. XVIII, na Europa continental florescia o iluminismo (séc. XVIII), principalmente na França, sob a influência da agitação inglesa do século anterior e com o recrudescimento de teorias antiabsolutistas184.

Tais ideias causavam alvoroço e singravam os mares.

182 LOCKE, John. Clássicos do Pensamento Político: Segundo Tratado Sobre o Governo Civil e outros escritos.

Tradução de Magda Lopes e Marisa Lobo da Costa. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 95.

183 Ibid., p. 15, 16, 20, 68, 84 e 115.

184 KELLY, John M. Uma Breve História da Teoria do Direito Ocidental. Tradução de Marylene Pinto Michael.

Na América do Norte também florescia os anseios de liberdade. A colonização americana, a partir do século XVII, foi realizada por pessoas descontentes com a monarquia

inglesa ante a ausência de liberdade de culto e de opinião185.

A corrente antiabsolutista via no homem um ser bom por natureza, mas corrompido pela sociedade. Os iluministas se voltavam ao pensamento cristão original tanto para demonstrar o quanto a igreja havia se afastado de seus ideais primitivos para se associar ao

poder absoluto dos monarcas186, quanto para demonstrar que essa sociedade articulada em torno

da união entre o clero, a nobreza e a monarquia estava completamente corrompida e corrompia todas as tendências boas e naturais do homem.

Tais ideias alcançaram o ápice teórico em Rousseau. No seu entender as pessoas haviam se tornado submissas ao Estado absolutista. Seria necessário o respeito à liberdade individual e à igualdade entre os homens. Em seu contrato social cada um dos indivíduos depositaria em comum sua pessoa e toda a sua autoridade, sob o supremo comando da vontade

geral, e receberia em conjunto cada membro como parte indivisível do todo187.

O contrato social não estaria estabelecido em um documento, mas na vontade dos homens na formatação de um novo modelo de Estado, bastante diverso do paradigma absolutista então vigente. No seu entender essa associação entre os homens em torno de um objetivo comum seria formada pela soma das vontades individuais e criaria um corpo moral ou coletivo. Estabelecer-se-ia, desse modo, uma unidade integrada pelo somatório da vontade de todos. A pessoa pública formada por essa união receberia o nome de República, e o homem seria livre, pois a sua liberdade teria sido alienada para si próprio, e também seria detentor de uma fração ideal do todo coletivo.

Desse modo, o pacto social estabeleceria a igualdade de condições e de direitos entre os cidadãos. E mais. O Estado formado a partir do contrato social teria a obrigação de promover o bem de todos, pois no Estado estaria concentrado o comando da vontade geral. Cumpriria ao Estado a incumbência de devolver ao povo a sua parte, em direitos e liberdades. Foge aos fins ora propostos realçar as incongruências verificadas posteriormente

sobre as teorias contratualistas, como as objeções formuladas por Benjamin Constant188,

185 DOUGLAS, William O. Uma Carta Viva de Direitos. Tradução de Wilson Rocha. São Paulo: IBRASA, 1963.

p. 5. No mesmo sentido: JELLINEK, Georg. La Declaración de los Derechos del Hombre e del Ciudadano. Traducción Adolfo Posada. Granada: Editorial Comares, 2009. p. 77 e ss.

186 VOLTAIRE, François Marie. Tratado sobre a Tolerância. Tradução de Antônio Geraldo da Silva. São Paulo:

Escala Educacional, 2006. p. 52.

187 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da Silva. São

Paulo: Editora Cultrix, 1995. p. 21, 25, 29 e 31.

188 CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Tradução de Loura Silveira.

Maurice Hauriou189, André Hauriou190 dentre outros. Por ora importa realçar a importância das teorias contratualistas em seu conteúdo histórico. Tais teorias influenciaram os ideais revolucionários, alteraram paradigmas, e forneceram um profícuo legado para a democracia,

para o constitucionalismo e para importantes dispositivos constitucionais191.

As ideias iluministas, assim, não ficaram apenas descritas em livros nas bibliotecas. Foram levadas aos espíritos de cada indivíduo, e dos espíritos desceram à vida. Locke, Voltaire, Montesquieu, Rousseau e tantos outros, malhavam a tradição, o antigo regime, o despotismo, sem alterarem a vida; mas alteravam o interior de cada ser humano e assim abriam o caminho

à Revolução, pois as ideias vêm e os fatos as acompanham192.

Todo esse contexto em ebulição incendiou primeiramente o movimento de independência dos Estados Unidos, e a partir da independência americana fortaleceu o sentimento de serem normatizadas declarações de direitos dos cidadãos em diversos Estados.

A Declaração dos Direitos do Homem, proclamada pela Convenção da Virgínia, em 1776, foi o primeiro documento escrito consagrando a existência de direitos naturais inerentes ao homem. Estabeleceu estar no homem a origem de todo poder. Os homens deveriam ser livres e independentes e dispor de meios para possuir a propriedade e buscar e alcançar a felicidade e segurança. O governo é instituído para a proveito comum, e tem o dever de

promover proteção e segurança a seu povo193.

Sucederam à Declaração de Virgínia, ainda em 1776, as da Pennsylvania, Maryland e Carolina do Norte; Vermont em 1777, Massachusetts em 1780 e Nuevo Hampshire em 1783. Todas essas declarações de direitos do homem são anteriores à declaração francesa e foram

muito divulgadas na França194.

De la Liberté cliez les Modernes. Le Livre de Poche, Collection Pluriel. Paris, 1980. p. 9-10. Disponível em: < http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/Constant_liberdade.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2016).

189 HAURIOU, Maurice. A Teoria da Instituição e da Fundação: ensaio do vitalismo social. Porto Alegre: Sergio

Antonio Fabris Editor, 2009. p. 12.

190 HAURIOU, André. Derecho Constitucional e Instituciones Políticas. Tradución castellana José Antônio

González Casanova. Barcelona: Ediciones Ariel, 1971. p. 153-154).

191 SILVA, Rolando Roque da. Jean-Jacques Rousseau, um Pensador Controvertido. In: ROUSSEAU, Jean-

Jacques. O Contrato Social e outros escritos. Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: Editora Cultrix, 1995. p. 19-20.

192 MIRANDA, Pontes de. Democracia, Liberdade, Igualdade. Campinas: Bookseller, 2002. p. 33-34.

193 BIBLIOTECA VIRTUAL DE DIREITOS HUMANOS. USP. Declaração de direitos do bom povo de

Virgínia – 1776. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-

%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9- 1919/declaracao-de-direitos-do-bom-povo-de-virginia-1776.html>. Acesso em: 04 dez.2014.

194 JELLINEK, Georg. La Declaración de los Derechos del Hombre e del Ciudadano. Traducción Adolfo

As ideias iluministas juntamente com as declarações americanas, fomentaram os

ideais libertários dos revolucionários franceses195 e legaram à humanidade a Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, inspiradas sob os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

Embora a declaração francesa não possua nenhum direito especial de liberdade

diferente do estipulado nas declarações americanas196, foi um acontecimento histórico197 que

chamou a atenção de toda a Europa e teve o condão de influenciar a legislação de diversas nações mundiais sobre a necessidade de respeitar os direitos de seus cidadãos: “a sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não

tem Constituição”, dizia o art. 16º do documento francês198.

Os modelos americanos e o revolucionário francês legaram as bases do Estado Republicano e Democrático de Direito. Esse Estado é resultado da associação humana com o objetivo de delegar a um ente moral o exercício do poder afeto a cada componente da sociedade. Cumpre ao Estado unificar o comando da vontade geral por intermédio dos representantes populares e organizar uma sociedade em que direitos e liberdades individuais e coletivas sejam declarados, garantidos, respeitados e não mais aviltados.

Eis a origem histórica de importantes dispositivos da Constituição Federal e, em especial, para os fins deste trabalho, o que estipula que no Estado Republicano e Democrático de Direito todo poder emana do povo e para ele deve ser exercido. Exatamente por isso o Estado deve estar atento para os objetivos fundamentais de construir uma sociedade livre, justa e

solidária com vistas à promoção do bem de todos199.

Na esteira de Canotilho, tem-se então que o Estado necessita estruturar-se como um Estado de Direito Democrático, em que a ordem de domínio estaria legitimada pelo povo. Assim, a articulação entre o direito e o poder no Estado constitucional necessita de organização e exercício em termos democráticos, tendo no princípio da soberania popular uma das travas mestras do Estado constitucional, pois o poder político deriva do poder dos cidadãos, sendo que

195 SILVA, Rolando Roque da. Jean-Jacques Rousseau, um Pensador Controvertido. In: O Contrato Social e

outros ensaios. Tradução de Rolando Roque da Silva. São Paulo: editora Cultrix, 1995. p. 19.

196 JELLINEK, Georg. La Declaración de los Derechos del Hombre e del Ciudadano. Traducción Adolfo

Posada. Granada: Editorial Comares, 2009. p. 68.

197 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 562. 198 FRANÇA. Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão – 1789. Disponível em:

<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o- da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do- cidadao-1789.html> Acesso em: 15 dez.2015.

o elemento democrático existe não apenas para travar o poder (o que é realizado pelo direito),

mas também para legitimá-lo200.

Ocorre que essa legitimidade permaneceria apenas no campo das ideias se o ordenamento jurídico não oferecesse mecanismos e instrumentos de concretização da vontade externada pela soberania popular e pelos limites de exercício do poder.

A Advocacia Pública é uma das funções de Estado por excelência encarregada de realizar a vontade majoritária democraticamente estabelecida, adequando-a aos marcos do ordenamento jurídico.

Gustavo Binenbojm procura explicar essa relação de imbricação lógica da Advocacia Pública com o Estado Democrático de Direito por uma vinculação das suas funções institucionais aos dois valores fundamentais de qualquer democracia constitucional:

legitimidade democrática e governabilidade; e controle de legalidade ou de juridicidade201.

Por mais que discorde da execução das políticas públicas, estas são definidas pelo governo da ocasião. Não são, portanto, as convicções pessoais do Advogado Público que nortearão sua atuação, pois este possui o dever de pavimentar o caminho jurídico para a sustentação perene das políticas públicas em conformidade com o ordenamento jurídico, para evitar questionamentos futuros.

Assim ao mesmo tempo em que a Advocacia Pública confere mecanismos jurídicos adequados à correta execução das políticas públicas, imprescindíveis à sustentação de qualquer governo, em evidente vertente de participação democrática, existe também um viés de atuação republicana de respeito pela coisa pública na preservação dos interesses primários da sociedade e na observância dos direitos incorporados ao patrimônio jurídico dos cidadãos.