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4 Organização da dissertação

CAPÍTULO 1 – PERCURSOS E PERCALÇOS: REFLEXÕES SOBRE PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE

1.1 Experiências participativas no Brasil

A história tem demonstrado nas mais diferentes situações e lugares, que a sociedade civil cada vez mais se articula e deseja influenciar as decisões dos governos. Todavia, a participação coletiva dá-se por meio da integração em grupos sociais e aponta certo amadurecimento político. Para que essa participação seja efetiva é necessário que um grupo de pessoas, mesmo que pequeno, mas que tenham um objetivo definido e a disposição de trabalhar em busca de certo ideal, se articule com outros, com percursos e demandas díspares. Assim, a força do coletivo compensa os limites do indivíduo, tal como afirma Dallari (1984).

Todavia, não obstante a legitimidade desta afirmação constatou-se que, apesar de sinalizar para um conjunto de pessoas, o estudo do Conjuve mostrou que, nem sempre a participação é baseada em consensos. Trata-se de um campo onde ocorrem embates e negociações. É fato que as

experiências de órgãos colegiados constituem-se uma alternativa viável de negociação de políticas públicas, de modo que as hierarquias e as formas de exercício de poder tornem-se mais flexíveis. Outrossim, é fato também que as diferentes demandas se evidenciam nesses espaços e precisam ser pactuadas.

A constituição de conselhos parte da ideia de que participação política requer a mobilização dos indivíduos, ou seja, só acontece no coletivo. Constitui, portanto, um dever dos indivíduos e uma necessidade fundamental da natureza humana. Isto posto, pode-se entender que as iniciativas coletivas pela formulação de políticas públicas são indispensáveis nas sociedades democráticas. Entende-se, assim, o conceito de participação como aquele no qual há a existência de pelo menos três formas ou níveis de participação política, conforme definido por Bobbio, Matteuci e Pasquino no Dicionário de Política:

1. Presença é a forma menos intensa e mais marginal de participação política; trata-se de comportamentos essencialmente receptivos ou passivos, como a presença em reuniões, a exposição voluntária a mensagens políticas, ou seja, situações onde o indivíduo não põe qualquer contribuição pessoal.

2. Ativação, aqui o sujeito se desenvolve dentro ou fora de uma organização política.

3. Participação, tomado em sentido estrito, poderia ser reservado, finalmente, para situações em que o indivíduo contribui direta ou indiretamente para a decisão política (BOBBIO; MATTEUCI; PASQUINO 1991, p. 888).

Outra importante definição que auxilia o entendimento de participação é o conceito de Democracia participativa, sistematizado por Carole Pateman (1992) na publicação Participação e

Teoria Democrática, que levanta alguns pontos que caracterizam uma definição possível para a

teoria contemporânea de democracia. O primeiro aspecto é o próprio entendimento de democracia. De acordo com essa teoria, ―a ‗democracia‘ vincula-se a um método político ou uma série de arranjos institucionais a nível nacional‖ (p. 25), onde o elemento característico dessa visão é a competição entre os líderes (elite) pelos votos do povo, em eleições livres e periódicas, as eleições são essenciais para o processo, uma vez que é através do voto que as pessoas adquirem força para controlar os líderes e também influenciar nas decisões destes.

Dessa forma, a autora aponta para a questão do ―sufrágio universal‖ como a única garantia de igualdade de oportunidade e acesso aos mecanismos de controle sobre os líderes. Nessa concepção, a participação representa tão somente a possibilidade de escolha daqueles que tomam as decisões. Segundo a autora, ―a função da participação nessa teoria é apenas de proteção; a proteção do indivíduo contra decisões arbitrárias dos líderes eleitos e a proteção de seus interesses privados‖ (p.25). Ou seja, o nível de participação, não deve ir além do mínimo necessário para

manter a máquina eleitoral ou método democrático estabilizado, porque o excesso de participação poderia gerar desordem no sistema.

Todavia, considerações retiradas das obras de Rousseau, John Stuart Mill e G. D. H. Cole fundamentaram o que a autora denomina de ―Teoria da Democracia Participativa‖. As contribuições desses autores partem do entendimento de que, pelo contrário, a participação é ilimitada, e todos devem e podem participar, interagindo com o grupo. Nessa teoria, a simples existência de instituições representativas a nível nacional não é suficiente para garantir a democracia, porque a socialização se dá também em outras esferas, nas quais existe a possibilidade de desenvolvimento de atitudes e qualidades psicológicas intrínsecas a participação. Para Paterman (1992) de nada servem o sufrágio universal e a participação no governo nacional se o indivíduo não for preparado para essa participação no nível local, por ser neste nível que ele aprende a se autogovernar, ou seja, para que os indivíduos sejam capazes de participar efetivamente do governo, as qualidades necessárias a essa participação devem ser desenvolvidas a partir do nível local. Ela defende a ideia de que a participação tem um papel essencial, pois desenvolve no indivíduo atributos psicológicos que tornam sua atuação mais consciente em relação aos limites e ao alcance da participação.

A principal função da participação na teoria da democracia participativa, segundo a autora ―é educativa; educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos‖ (PATERMAN, 1992, p.61). Neste sentido, para existir um governo democrático deve necessariamente a sociedade ser participativa. A participação pode iniciar no nível local como aprendizagem e evoluir, gradativamente, para participações em contextos sociais mais amplos.

A autora reforça a ideia defendida por Mill e Cole (PATERMAN, 1992), para os quais a função educativa da participação é crucial, sendo necessário que os cidadãos sejam capacitados para exercerem uma escolha responsável, no que se refere ao desenvolvimento de uma consciência crítica quanto às demandas sociais e as decisões políticas. Sustentam, ainda, que seria pela ―participação a nível local e em associações locais que o indivíduo poderia aprender democracia‖ (p.55). Além, do fato do ―Estado moderno ser tão grande é um motivo importante para capacitar o indivíduo a participar nas áreas políticas ‗alternativas‘ da sociedade‖ (p.55). Ou seja, somente o exercício da participação pode desenvolver valores da democracia participativa e redução de atitudes autoritárias.

Em democracias representativas e sem histórico de participação social ampliada, a população é incentivada à apatia sob a justificativa de preservar a democracia dos riscos de

demandas exageradas. Já a concepção participativa aposta que a melhor forma para enfrentar os desafios contemporâneos é a ampliação da participação em espaços públicos.

No que tange à participação dos jovens no cenário político nacional, frequentemente se denuncia a ―apatia juvenil‖, entretanto, carece problematizar que se trata de uma ―crise de participação cidadã‖, ou seja, um fenômeno social que atinge todas as faixas etárias, inclusive os jovens, conforme mencionado pelo Instituto IBASE/POLIS (2005).

Este estudo, também, menciona a insuficiência de pesquisas que permitam precisar as situações pelas quais os jovens de diferentes contextos sociais expressam processos de recusa, impossibilidade ou mesmo apontam novas formas de participação, sendo uma delas a apatia que não significa conformismo. De fato, não são todos os jovens que apresentam motivação para participação em ações coletivas, entretanto, há de se definir as múltiplas formas alternativas que os jovens descobrem para interagir com seus pares.

O Instituto IBASE/POLIS (2005) sinaliza que muitas práticas participativas são imperceptíveis, pois se convencionou que a participação se resume à militância partidária ou por meio das entidades estudantis, ao passo que no Brasil a participação juvenil em espaços políticos institucionalizados não é tão frequente. Percebe-se a presença de jovens em outros tipos de ações coletivas: apesar de não serem tantos, os diferentes coletivos de jovens têm demonstrado a capacidade de inventar novos espaços de participação.

Sobre esses novos espaços de participação algumas pesquisas recentes (Instituto Cidadania, 2007; IBASE/POLIS, 2005; UNESCO, 2006; CASTRO, 2009) apontam que o engajamento dos jovens em grupos institucionalizados ainda é de baixa intensidade, acompanhando a tendência participativa do restante da população brasileira. Entretanto, é crescente a constituição de grupos de mobilização social, organizações não governamentais (ONGs6), entidades culturais, religiosas, étnico-raciais, territoriais e na internet.

A pesquisa nacional Juventude Brasileira e Democracia (IBASE/POLIS, 2005) revela que ―os (as) jovens brasileiros têm emitido sinais, mais ou menos visíveis, da negação frente às formas tradicionais de participação, tais como as que se expressam pela filiação a partidos políticos, sindicatos e organizações estudantis‖ (p. 9). Infere-se que os jovens têm criado outras opções de

6 Segundo Souza (2011) o termo ONG surgiu no período pós-guerra em 1946 pela ONU, entretanto é no início dos

anos 90, com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida também como ECO-92 que o termo fica mais conhecido e entra definitivamente no léxico político.

participação, evitando as formas convencionais de atuação em movimentos estudantis e partidos políticos. O estudo aponta, ainda para novas formas de mobilização propiciada pelo uso da internet7.

O fato é que, à medida que as políticas públicas tornam-se mais complexas, ocorre a ampliação de atores nelas envolvidos, bem como o aumento dos espaços de decisão. Paralelamente, cada vez mais a formulação da política pública, bem como sua gestão, se torna mais complexa, em virtude das singularidades dos grupos demandantes, que para além da redistribuição econômica, tem exigido políticas de reconhecimento, que considere suas múltiplas identidades (FILICE-GARCIA, 2011).

A expansão da democracia confronta importantes questões não solucionadas pela esfera representativa, com as quais a sociedade terá que dialogar, ou seja, a participação provoca a criação de mecanismos legais de abertura do governo para escutar as opiniões da sociedade e considerá-las no momento de formular e implementar as políticas públicas.

Nesse contexto, o conceito de controle social tem como fundamento o monitoramento dos poderes públicos por parte dos indivíduos que almejam transparência do governo na condução do processo de tomada de decisões. Permitindo uma maior publicidade das ações políticas adotadas e, eventualmente, a contestação desses atos para que sejam focados, de forma mais contundente, no atendimento das demandas sociais existentes. Como se pode inferir, o princípio do controle social só será efetivo quando houver, por parte dos cidadãos, o exercício da participação política (SANTOS e AVRITZER, 2002).

Como alternativa para garantir esse diálogo surgem os Conselhos na qualidade de espaços de negociação entre os atores sociais e o Estado, e é neste ambiente que as partes são, de algum modo, obrigados a debater e ajustar estratégias. Com isso, as ações que antes eram centralizadas podem ser substituídas pela ação coletiva.

No entanto, a constituição de conselhos não garante a participação, mas dá visibilidade às demandas da sociedade. É nesse contexto que está inserido o Conjuve. Esse conselho tem a intenção de criar espaços de diálogo entre a sociedade civil e o poder público. Nele, os integrantes de vários coletivos propõem demandas e sugerem transformações na realidade social na qual estão inseridos.

Tendo em vista a importância dos conselhos para viabilizar as negociações com o Estado, cabe mencionar a opinião de Teixeira (2007) ―a existência dos conselhos, é fruto de um projeto de participação que foi conquistado aos poucos, no decorrer da história e ao longo de uma série de processos de luta e disputa pelo Estado‖ (TEIXEIRA, 2007, p.10). A autora entende, ainda, que

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os conselhos exercem uma espécie de controle social das ações do poder público, à medida que exercem ―um projeto de participação que foi se desenhando aos poucos, no decorrer da história e ao longo de uma série de processos de luta e disputa com o Estado‖ (Op. cit.: 10).

Avritzer (2009), por sua vez, aponta que ―os conselhos de política são resultados das legislações, especificas ou infraconstitucionais, que regularizam os artigos da Constituição de 1988 sobre a Saúde, Assistência Social, a Criança e Adolescente e as Políticas Urbanas‖ (AVRITZER, 2009, p. 34).

A próxima seção apresentará um breve histórico dos movimentos sociais e do surgimento dos conselhos no Brasil, para em seguida pautar as características que esses espaços assumem na ação governamental.

1.2 Um pouco de história da participação no Brasil do século XX e início