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Políticas Públicas para a juventude: um campo em conflito

4 Organização da dissertação

CAPÍTULO 3 – REFLEXÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E O CENÁRIO DAS DESIGUALDADES

3.1 Políticas Públicas para a juventude: um campo em conflito

A definição do que sejam políticas públicas é um campo em debate e, nesse sentido, diversos autores vêm produzindo teorias explicativas sobre o tema. Para essa pesquisa recorrer-se-á principalmente aos trabalhos de Souza (2006), Rua (1998) e Bonetti (2011).

De modo geral, política pública pode ser entendida como tudo que o governo nas suas diversas instâncias faz no que diz respeito às leis, medidas reguladoras e ações. Souza (2006) afirma que as políticas públicas podem ser definidas como:

O campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‗colocar o governo em ação‘ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real (SOUZA, 2006, p.26).

A autora menciona a existência de vários níveis de decisão das politicas públicas que, embora se materializem pela ação dos governos, não se restringem as eles, mas, sobretudo envolvem a participação da sociedade civil e outros atores envolvidos na concretização das ações. Permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz; envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes; é abrangente e não se limita a leis e regras; é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados; a política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo; envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação (SOUZA, 2006, p. 36-37).

O caminho da identificação do problema até a decisão de implementar uma certa política pública, conta, quase sempre, com a atuação da sociedade civil. Ela pode tanto apontar os problemas a ser enfrentado como propor e colaborar na formulação das políticas mais adequadas para saná-los e/ou ainda, fazer o controle social da execução destas políticas, por meio dos espaços de democracia participativa, como os conselhos, audiências públicas e outras formas. Todavia, como visto anteriormente esta participação em conselhos implica em múltiplos percursos que elucidam a fala de Souza (2006).

Considerando a organização política atual, as políticas públicas constituem o resultado de uma correlação de forças sociais, conjugando interesses específicos e/ou de classe e estão em constante embate. Teoricamente as políticas nascem do contexto da sociedade civil, entretanto do nascedouro até sua implementação adquire múltiplos formatos e ao final, pode até não ser identificada pela sociedade civil como uma demanda sua.

Para Bonetti (2011) não se trata de pensar ―as políticas públicas sob a ótica do Estado separado da sociedade civil, como se as política públicas fossem pensadas em instâncias separadas e a questão em pauta dissesse respeito apenas ao envolvimento ou não da população‖ (p.98). Nessa perspectiva o Estado e a sociedade estão imbricados.

Em consonância com essa visão e para realizar a reflexão sobre o papel do Estado e a correlação de forças envolvidas na formulação das políticas públicas, parte-se do entendimento de Bonetti (2011), para o qual pensar o Estado como uma instituição neutra seria desconsiderar o

poder intervencionista que tem os mais variados seguimentos sociais, em propor e alterar rotas estabelecidas por vezes alinhado com os grupos que estão no poder.

Assim, deve-se considerar a complexidade em termos de elaboração e execução das políticas públicas, por mais que exista uma correlação de forças políticas dos movimentos sociais e demais organizações da sociedade civil, a definição das políticas públicas implica ainda a pressão dos interesses das elites globais sob a ótica do capitalismo globalizado que tem forte papel de determinação na realidade nacional. A fala dos conselheiros explicitada no capítulo anterior não deixa margem sobre o poder de infiltração do Estado nos movimentos sociais.

Para Bonetti (2011), existem ações que antecedem o resultado das políticas públicas em sua dimensão elaboração e operacionalização, para o autor, o processo para efetivar as políticas públicas prescinde do ―debate social ou a gênese da ideia de uma política pública, a atuação dos burocratas e a sua execução‖ (p. 47). Essa trajetória pode ser chamada de ciclo das políticas públicas ou policy cycle, que é, na verdade, um esquema do processo que vai da definição da agenda pública, elaboração da intervenção ou formulação, sua efetiva implantação, monitoramento e avaliação.

A análise da composição do Conjuve na perspectiva dos conselheiros mostrou o quanto à definição da agenda acontece e desemboca na formulação é complexa. Além disto, após a formulação ocorrem as etapas de implementação e avaliação das políticas públicas, estas são consideradas, também, respostas que expressam o processamento pelo sistema político das demandas originadas na sociedade. Frequentemente, algumas correspondem a demandas originadas no interior do próprio sistema político, ou seja, são deliberações dos gestores que formulam políticas sem necessariamente a participação de sociedade. Essa ―pauta de gabinete‖ restringe-se à leitura externa do problema social, na maioria dos casos devido a pressão de grupos de maior poder aquisitivo nacional e internacional. Em assim sendo, o desvirtuamento da demanda não é raro.

As políticas públicas podem também ser demandas dos movimentos sociais e agregar diferentes atores com legitimidade social, que atendam com grau considerável de aglutinação de suas demandas na perspectiva da governabilidade e governança, esses conceitos são definidos por Silva e Bassi (2012) como:

Para que a política pública seja implementada o governo deve ter mais que governabilidade; deve ter capacidade de governança. A governança, que tem como premissa a governabilidade, é a capacidade do Estado de formular e implementar suas políticas. A capacidade de formulação e implementação de políticas depende da capacidade financeira, gerencial e técnica, necessárias à realização do programa de governo, à execução das políticas públicas (p.24).

Assim, para transformar as demandas sociais em problema político, são necessárias algumas condições, a saber: mobilização dos recursos de poder por parte dos grupos, por intermédio da participação coletiva; demandas ocasionadas por situações de crise, calamidades, catástrofes e reinvindicação dos atores sociais (Rua, 1998a).

Na atual conjuntura quanto mais organizado o coletivo, maior seu poder de infiltração nos espaços de poder. Há de se registra, que organização não é garantia de sucesso nas políticas públicas. A concepção de políticas públicas de forma geral está associada à ideia de um conjunto de ações articuladas que demandam recursos financeiros, humanos e de logística, que ocorre em determinado período. Daí seu aspecto temporal, além da tentativa de sanar alguma questão específica.

Rua (1998a) afirma que as políticas públicas

São respostas, portanto não ocorrerão a menos que haja uma provocação. Em linguagem mais especializada, as políticas públicas se destinam a solucionar problemas políticos, que são as demandas as quais lograram ser incluídas na agenda governamental. Enquanto essa inclusão não ocorre, o que se tem são ―estados de coisa‖; situações mais ou menos incômodas, injustiça, insatisfação ou perigo sem, todavia, chegar a compor a agenda governamental ou mobilizar as autoridades políticas‖ (Op. cit. p, 732).

Rua (1998a) descreve que os ―estados de coisas‖ são concretizados quando um emaranhado de questões demandadas por diversos atores as quais são transformados em um problema político. Para entrar na agenda pública, esse ―estado de coisas‖ deve apresentar pelo menos uma das seguintes características:

1. Mobilizar ação política de grandes ou pequenos grupos ou de atores individuais estrategicamente situados;

2. Constituir uma situação de crise, calamidade ou catástrofe;

3. Constituir uma situação de oportunidade para atores politicamente relevantes. (Op. cit. p. 3).

Essas condições conduzem ao primeiro momento ou primeira fase das políticas públicas, que é a formação da agenda. Cumprido esse estágio, inicia-se, a próxima fase, que se trata da definição das alternativas para solucionar o problema político e, posteriormente, a escolha de alternativas a serem adotadas (RUA, 1998a, p. 733). Nesse momento entra a sensibilidade do gestor para considerar os recortes de raça, gênero e geracional do público demandante da política, como forma de qualificar as políticas a serem apresentadas. Entretanto, se forem considerados os conflitos já anunciados por esse estudo, só na etapa da formulação da agenda como é o caso do Conjuve, já se podem antever os jogos de poder que formatam as outras fases.

Rua (1998b) menciona que as políticas públicas envolvem a participação do Estado, entre outros atores, de maneira a ir além do aparato estatal. Como dito anteriormente, a pluralidade política dos dias atuais faz com que outros agentes originados na organização da sociedade civil se constituem novos sujeitos confrontantes com os projetos das elites e classes dominantes, e estando eles num mesmo espaço, por exemplo, os conselhos não há outra referência a estes espaços se não arenas de disputa identitária e política.

Assim, segundo Bonetti (2011), é impossível pensar,

(...) o Estado e sociedade civil como duas instituições separadas e que assim, as políticas públicas se apresentariam como se se constituíssem de outorgas de direitos atribuídos à sociedade civil pela instituição estatal. Os direitos sociais e as políticas públicas e sociais, porém, se constituem, na verdade, de construções coletivas e socais (p.17).

Entende-se que, além do Estado, participam do desenvolvimento de políticas públicas os organismos internacionais e as entidades da sociedade civil, os quais tem potencial para alterar a agenda governamental. A política pública envolve múltiplas deliberações tomadas por muitos indivíduos e órgãos, e um campo tenso e conflituoso.

Parte-se do pressuposto que as decisões tomadas no interior do Estado devem envolver as necessidades apresentadas pela sociedade civil, sendo que os critérios para a adoção de determinadas políticas necessitam considerar não só os custos materiais, mas também os ideais que estão em jogo, bem como as especificidades dos segmentos demandantes. Com esse entendimento, não se pode mais compreender as políticas públicas simplesmente como ―um conjunto de atividades diretamente destinas à execução concreta das tarefas consideradas de ‗interesse público‘ ou comuns numa coletividade ou numa organização estatal‖, como propõe Matias-Pereira (2007).

Nessa visão, a administração pública é entendida como a estrutura do poder executivo, que tem a missão de coordenar e implementar as políticas públicas, onde o Estado é entendido como um ente abstrato que tem a responsabilidade de atender às demandas da sociedade, com serviços públicos de qualidade e transparência; do lado oposto estaria localizada a sociedade; e, no meio, estaria a administração pública (MATIAS-PEREIRA, 2007). Orquestrando o movimento, que nesse entendimento, gerido com eficiência e eficácia, seria produtivo e lucrativo.

Na visão defendida neste estudo, propõe-se que as políticas públicas respondam as demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas respostas são influenciadas, ou deveriam ser, por uma agenda que se cria na sociedade por meio da pressão e da mobilização social, gestadas nas lutas sociais e que passam a ser

reconhecidas institucionalmente pelo Estado. E estão, em tese, focadas no sentido de solucionar problemas políticos, demandadas por setores sociais, com alguma visibilidade pública e/ou capacidade de pressão. Ou seja, trata-se de embates entre conjunto de atores, vontades e práticas sociais, que influenciam a agenda governamental e podem ser de cunho mais generalista, ou políticas específicas, de caráter focal e afirmativo que atendem demandas por políticas de reconhecimento.

Conforme definido por Fraser (2001):

A luta por reconhecimento tornou-se rapidamente a forma paradigmática de conflito político do século XX. Demandas por ―reconhecimento das diferenças‖ alimentam a luta de grupos mobilizados sob as bandeiras da nacionalidade, etnicidade, raça, gênero e sexualidade. Nesses conflitos ―pós-socialistas‖, identidades grupais substituem interesses de classe como principal incentivo para a mobilização política. Dominação cultural suplanta a exploração como injustiça fundamental (FRASER, 2001, p.245).

O empoderamento e a pluralidade de movimentos sociais demostra a necessidade de ações específicas para o combate às desigualdades e para dar conta das demandas sociais postas no Brasil. Particularmente, os movimentos sociais trouxeram contribuições no campo de temáticas históricas que aguardam por reconhecimento e não somente por redistribuição econômica, como questões relacionadas ao negro, ao índio, aos quilombolas, ao movimento LGBTT, de estudantes, de mulheres etc. Essas organizações mobilizam as demandas e vão dando corpo ao que seriam políticas de reconhecimento da juventude como sujeitos de direitos que demandam políticas públicas específicas, que tenham recorte geracional, raça/cor, gênero e sexualidade, além do imprescindível econômico.