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Valéria Trezza

QUESTÃO 2: Extensão do conceito de “finalidades essenciais”

PROCESSOS: ARE 1.059.196 AgR, RE 767.332, RE 369.872 AgR,

RE 391.707 AgR, RE 217.233, RE 221.395

A Constituição Federal dispõe que a imunidade das instituições de educação e assistência social é restrita aos impostos sobre o patrimô- nio, a renda e os serviços relacionados com as suas “finalidades essen- ciais”. A extensão do conceito de “finalidades essenciais”, no entanto, é controversa na prática. É comum o Fisco recusar reconhecer esse tipo de imunidade sob a alegação de que determinado patrimônio, renda ou serviço não estaria relacionado às finalidades essenciais da instituição.

Em situações como essa, o Judiciário é acionado para que de- cida a extensão do conceito constitucional de “finalidades essenciais”. Nesse sentido, o tema aparece com frequência em ações judiciais que discutem a imunidade de organizações em relação ao Imposto de Ren- da (IR) sobre aplicações financeiras ou ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sobre bens locados.

Nesta pesquisa, foram identificadas decisões sobre a questão. A princípio, cogitou-se excluí-las porque não seriam relevantes para o ITCMD. Considerou-se que não faz sentido enquadrar uma doação de bens móveis ou imóveis como não relacionada às finalidades essenciais da organização. O fato gerador do ITCMD é a transmissão do bem ou direito – e não o próprio bem ou direito doado. Depois de efetivada a do- ação, o bem doado pode ter uma destinação não diretamente relacio- nada à “finalidade essencial” da entidade, o que eventualmente abriria uma discussão sobre a imunidade a outros impostos que possam inci- dir sobre ele (IPTU, por exemplo). A doação em si, porém, não deveria suscitar essa controvérsia.

Contudo, o ARE 1.059.196 AgR discute exatamente essa questão com relação ao ITCMD, razão pela qual a discussão foi aqui incluída. Esse processo trata de imunidade ao ITCMD na doação de imóveis (terrenos sem edificação e residências) que não estariam re- lacionados às finalidades essenciais da entidade. O Rio Grande do Sul alegou que competiria à entidade a comprovação da destinação dos bens às suas atividades essenciais. No entender do relator, ministro Luiz Fux, “(...) as entidades imunes gozam da presunção de que seu patrimônio, renda e serviços são destinados a suas finalidades es- senciais, de modo que o afastamento da imunidade só pode ocorrer mediante a constituição de prova do desvio de finalidade, a cargo da administração tributária”.

O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, recordou que a jurisprudência do STF caminha no sentido de dar máxima efetividade à imunidade. Aludiu ao ministro Gilmar Mendes, quando este reafirmou a jurisprudência da corte no julgamento da repercussão geral no RE 767.332. Em suas palavras:

A orientação consolidada na jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que a imunidade conferida às entidades de edu- cação sem fins lucrativos, prevista no art. 150, VI, ‘c’, da Cons- tituição, é de natureza subjetiva e incide sobre quaisquer bens, patrimônio ou serviços dessas instituições, desde que vincula- dos às suas atividades essenciais.

Em diversas ocasiões, esta Corte já se pronunciou no sentido de garantir efetividade à imunidade tributária para tais enti- dades dada a natureza dos serviços prestados à sociedade.

Este Tribunal já reconheceu a aplicação da imunidade do art. 150, VI, ‘c’, da CF para afastar a incidência de IPTU sobre imóveis de propriedade das referidas instituições, ainda quando alugados a terceiros, desde que os aluguéis sejam aplicados em suas finalidades institucionais. As- sentou, dessa forma, que o fato de o imóvel estar alugado não é condição bastante para afastar a regra constitucio- nal de imunidade. (Grifo nosso)

Todas as outras decisões resultantes da busca, em que se jul- gou o mérito dessa questão, estão relacionadas ao IPTU. Apenas para ilustrar a linha de argumentação utilizada, vale citar trecho do voto do relator, ministro Marco Aurélio, no RE 221.395. Destacam-se nas passa- gens os trechos mais relevantes sobre esse ponto:

O fato, portanto, de os imóveis estarem destinados a servir de escritório e residência para membros da Impetrante, para missionários, bem como para depósito de materiais não os faz sujeitos à incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano.

Tal destinação viabiliza a própria atividade da Impetran- te. Uma coisa é verificar-se, tal como retratada no acórdão

proferido, a utilização dos imóveis como a encerrar o local de trabalho daqueles que estão engajados na missão e a residên- cia destes. Outra totalmente diversa diria respeito à uti-

lização dos imóveis para finalidades estranhas aos esta- tutos da Impetrante, passando esta a ombrear com pessoas

naturais e jurídicas de direito privado integradas ao mercado, competindo, assim, em verdadeira atividade econômica. (...)

Os imóveis não precisam estar destinados a cursos educa- tivos, ao desenvolvimento, neles próprios, de atividades as- sistenciais. Indispensável é que a utilização se dê [e]m prol, visando ao implemento, da atividade da instituição e isso,

conforme já ressaltado, ocorre quando se destine a servir de escri- tório e de residência para membros dela própria. (Grifos nossos) No mesmo processo, complementa o ministro Nelson Jobim em seu voto:

(...) efetivamente essa expressão contida na Constituição, que não me é muito simpática, “finalidades essenciais”, pois sempre se refere a juízo de valor, mas, na verdade, o que temos aqui são

certos imóveis embutidos na infra-estrutura absolutamente necessária para o cumprimento dessas finalidades. Eles, por

si próprios, não são a finalidade; são a infra-estrutura indis- pensável para o cumprimento dessas finalidades. Sem essa infra-estrutura é absolutamente inviabilizada a atividade.

O que a lei pretendeu proteger, a Constituição pretendeu asse- gurar? A imunidade tributária no que diz respeito a patrimô- nio, renda e serviço, relacionados com as finalidades.

Ora, evidentemente o patrimônio sempre é infra-estrutu- ra da sua finalidade. O patrimônio, em si mesmo, não é uma finalidade. Senão não teria sentido a Constituição atri-

buir imunidade a patrimônio vinculado ou relacionado com as finalidades essenciais, ou seja, o patrimônio é que se rela-

ciona, não é ele a finalidade essencial. O acórdão pretendia,

então, que esse patrimônio tinha que ser da finalidade essencial. Não, ele era exatamente a infra-estrutura dessa

finalidade essencial. (Grifos nossos)