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Valéria Trezza

QUESTÃO 7: Reserva de lei complementar para fins de estabelecimento

dos requisitos para gozo da imunidade

PROCESSOS: ADI 1.802 MC, ADI 1.802, ADI 2.028,

RE 566.622, RE 636.941

Uma das discussões mais relevantes em relação à imunidade diz respeito ao tipo de norma jurídica que pode estabelecer requisitos para o exercício dessa prerrogativa: basta uma lei ordinária ou seria preciso lei complementar, sujeita a quórum de aprovação mais elevado? Tanto o art. 150, VI, “c”, que estabelece a imunidade a impostos, quanto o art. 195, § 7º, que trata da imunidade às contribuições para a seguridade social, dispõem que o direito é restrito àquelas que atendam às exigências estabelecidas “em lei”. Mas que lei seria essa: complementar ou ordinária?

O art. 146 da Constituição Federal prevê que cabe à lei comple- mentar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. A única lei complementar que atualmente regula a imunidade das organizações sem fins lucrativos é o Código Tributário Nacional, em seu art. 14.24 No

entanto, historicamente, leis ordinárias trataram de impor requisitos adi- cionais para fins de gozo da imunidade. Por exemplo, no caso da imuni- dade a impostos, foi editada a Lei nº 9.532/1997, que trata do tema em seu art. 12. Já no caso da imunidade a contribuições sociais, foi editada a Lei nº 8.212/1991, em seu art. 55, e, mais recentemente, a Lei nº 12.101/2009.25

Todos esses dispositivos foram atacados por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), entre elas as que apareceram nesta busca.

A ADI 1.802 trata de imunidade a impostos e questiona os ar- tigos 12, 13 e 14 da Lei nº 9.532/1997. Já a ADI 2.028 refere-se à imuni- dade a contribuições sociais e ataca a Lei nº 9.732/1998, que alterou a Lei nº 8.212/1991. Ambas as ações são casos paradigmáticos para as organizações sem fins lucrativos, tendo sido julgadas recentemente. A ADI 1.802 transitou em julgado em 14 de maio de 2018, mas a ADI 2.028

foi alvo de embargos de declaração26 e ainda aguarda julgamento final.

Vale registrar que as ADIs 2.036, 2.228 e 2.621 bem como o RE 566.622 foram julgados em conjunto com a ADI 2.028.

Apesar de a ADI 2.028 versar sobre imunidade a contribuições sociais, a discussão de fundo é a mesma da realizada na ADI 1.802. Am- bas buscam responder a seguinte questão: pode lei ordinária regular e impor limites à imunidade das organizações sem fins lucrativos ou isso é reservado apenas à lei complementar?27

Da leitura do voto do relator da ADI 1.802, ministro Dias Toffoli, percebe-se que o julgamento anterior da ADI 2.028 serviu como base para a decisão, não tendo havido maiores discussões entre os mi- nistros. O relator seguiu a orientação que prevaleceu no julgamento da ADI 2.028, de que a lei ordinária não pode criar contrapartidas a serem observadas pelas entidades, por invadir competência reservada à lei complementar. No entanto, segundo o relator, lei ordinária pode tratar de aspectos procedimentais necessários à verificação do atendimento das finalidades constitucionais da regra de imunidade, tais como os referentes à certificação, à fiscalização e ao controle administrativo. A ADI 1.802 foi, então, julgada parcialmente procedente, com a declara- ção da inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 9.532/1997 (art. 12, § 1º e § 2º, “f”; art. 13, caput; e art. 14).28

De fato, no julgamento da ADI 2.028 prevaleceu o entendimen- to do ministro Teori Zavascki, que ressaltou em seu voto:

Reconhece-se que há, de fato, um terreno normativo a ser supri- do pelo legislador ordinário, sobretudo no desiderato de prevenir que o benefício seja sorvido por entidades beneficentes de facha- da. Não se nega, porém, que intervenções mais severas na liber- dade de ação de pessoas jurídicas voltadas ao assistencialismo constituem matéria típica de limitação ao poder de tributar e, por isso, só poderiam ser positivadas pelo legislador complementar. O ministro defendeu que quanto a “normas de procedimento, que imputam obrigações meramente acessórias às entidades benefi- centes, em ordem a viabilizar a fiscalização de suas atividades”, caberia lei ordinária. Contudo, tal critério não valeria para “normas que digam respeito à constituição e ao funcionamento dessas entidades”, pois

“qualquer comando que implique a adequação dos objetivos sociais de uma entidade a certas finalidades filantrópicas (a serem cumpridas em maior ou menor grau) pode ser categorizado como norma de constitui- ção e funcionamento, e, como tal, candidata-se a repercutir na possibi- lidade de fruição da imunidade”.

Até o voto do ministro Teori Zavascki, haviam sido proferidos quatro votos pela inconstitucionalidade formal dos dispositivos im- pugnados, inclusive aqueles da Lei nº 8.212 e outras leis que dispunham sobre a necessidade de Cebas para a fruição da imunidade. No entan- to, a partir daí, seguiram seu voto os ministros Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux, Celso de Mello e Dias Toffoli.

Ocorre que o RE 566.622, julgado em conjunto com a ADI 2.028, de relatoria do ministro Marco Aurélio (que fora vencido no julgamento das ADIs), teve resultado em outro sentido, proclamando reserva absolu- ta de lei complementar nessa matéria. Em resumo, no RE, fixou-se a se- guinte tese: “Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previs- tos em lei complementar”. Em seu voto, o relator argumentou o seguinte: Da necessidade de interpretar teleologicamente as imunida- des tributárias, amplamente reconhecida [sic] pelo Supremo como meio ótimo de realização dos valores e princípios sub- jacentes às regras imunizantes, resulta o dever corolário de interpretar estritamente as cláusulas restritivas relacionadas, inclusive a constitucional. Daí advém a reserva absoluta de

lei complementar, conforme o artigo 146, inciso II, da Car- ta de 1988, para a disciplina das condições referidas no § 7º do artigo 195, sob pena de negar seja a imunidade dis- cutida uma “limitação ao poder de tributar”.

Cabe à lei ordinária apenas prever requisitos que não ex- trapolem os estabelecidos no Código Tributário Nacional ou em lei complementar superveniente, sendo-lhe veda- do criar obstáculos novos, adicionais aos já previstos em ato complementar. Caso isso ocorra, incumbe proclamar a

inconstitucionalidade formal. Revelada essa óptica, cumpre assentar a pecha quanto ao artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, revogado pela Lei nº 12.101, de 2009. (Grifos nossos)

Essa contradição foi arguida em recursos (embargos de decla- ração) interpostos contra a decisão, ainda pendente de julgamento.

Da análise dos dois casos (RE 566.622 e ADI 1.802), o que cha- ma atenção é o fato de a ADI 1.802 ter sido julgada por unanimidade no sentido de afastar a reserva de lei complementar para fixar normas sobre a constituição e o funcionamento das entidades – placar para o qual concorreu inclusive o ministro Marco Aurélio, que, como visto, pos- suía entendimento diverso. Não se trata, certamente, do melhor cenário para as OSCs, pois abre a possibilidade de lei ordinária impor adicionais requisitos para gozo da imunidade além dos previstos no art. 14 do CTN.

Uma questão relevante que surge desse resultado e que per- meia as discussões sobre o tema há muito tempo, em relação à exigên- cia de certificação como requisito para a imunidade, é: podendo lei ordinária tratar de certificação, essa deve ser uma lei federal ou esta- dos e Distrito Federal estariam autorizados a legislar a respeito? Uma resposta clara e definitiva ainda não foi dada nem pela legislação, nem pela jurisprudência do STF.

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS DO STJ

Como mencionado, a busca junto ao STJ resultou em 12 de- cisões. Também neste caso, as decisões foram agrupadas a partir das questões abordadas.