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A TENÇÃO ! I NTERJEIÇÃO COMO UM PROBLEMA A SER INVESTIGADO

2.2 N OÇÕES CONCEITUAIS

2.2.2 Q UESTÕES SOBRE TEXTO

2.2.2.2 T EXTO FALADO VERSUS TEXTO ESCRITO

Marcuschi (2001) apresenta as peculiaridades gerais sobre os processos conversacionais. Destacam-se três razões para o estudo da conversação:

 é a prática social mais comum do homem;

 desenvolve o espaço privilegiado para a construção de identidades sociais e relações interpessoais;

 exige coordenação de ações que exorbitam as simples habilidades linguísticas dos falantes.

Uma conversação apresenta duas propriedades básicas: a centração (conteúdo, sobre o que se fala) e a organicidade (interdependência entre tópicos). Essas duas propriedades fazem com que um tópico discursivo se desenvolva. Para a análise aqui apresentada, necessária é uma citação de Kock (1997, p. 116): “nunca se pode prever com exatidão em que sentido o parceiro vai orientar a sua intervenção” — isso não significa que as intervenções (interjetivas ou não) sejam caóticas ou aleatórias. Para Dionísio (2001, p. 72), “a conversação é uma atividade semântica, ou seja, um processo de produção de sentidos, altamente estruturado e funcionalmente motivado.”

A ideia já consagrada pelas gramáticas tradicionais de que as interjeições são um “grito subitâneo” não se sustenta quando se fala de conversação, uma vez que os interactantes coproduzem o texto, desenvolvendo o tópico discursivo. A conversação é dinâmica; há nela uma linearidade na construção e no fluxo do tópico discursivo. Caixeta (2005) demonstrou que as manifestações interjetivas, em muitos casos, auxiliam na manutenção do fluxo conversacional, as quais são expressões que sinalizam o modo como o falante se posiciona em relação a seu interlocutor e vice-versa.

Já é consensual o fato de toda conversação ser situada em alguma circunstância ou contexto nos quais os interactantes estão engajados. Para Marcuschi (2001, p. 89), o turno “é a produção de um falante enquanto ele está com a palavra, incluindo a possibilidade do silêncio, que é significativo e notado.” Desse modo, a expressão “ter o turno” significa que o falante está com a palavra, usando-a. A tomada do turno é uma operação básica da conversação: um fala de cada vez é o que se esperaria numa conversação; no entanto, há sobreposições de fala e assaltos ao turno, pausas, silêncios e hesitações, reparações e correções — o que não interfere na centração e na organicidade da conversação. Já para Dionísio (2001, p. 79), o turno conversacional é “cada intervenção dos interlocutores formada pelo menos por uma unidade construcional” — por unidade construcional entende-se a fala elaborada no momento

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em que um indivíduo toma a palavra e se torna um falante. Para Dionísio (2001, p. 81), “dependendo do papel desempenhado por cada inserção no desenrolar da conversa, os turnos inseridos podem ser classificados como turno de esclarecimento, turno de avaliação, turno de concordância, turno de discordância, entre outros.”

Para Marcuschi (2001, p. 35), par adjacente ou par conversacional “é uma sequência de dois turnos que co-ocorrem e servem para a organização local da conversação.” Essa definição justifica o fato de que uma conversação constitui-se “numa série de turnos alternados, que compõem sequências em movimentos coordenados e cooperativos.” (MARCUSCHI, 2001, p. 34). O linguista apresenta vários exemplos de tipos de pares adjacentes, como: pergunta – resposta; ordem – execução; convite – aceitação/recusa; cumprimento – cumprimento; xingamento – defesa/justificativa; pedido de desculpa – perdão. Nas conversações em que ocorrem pares em que um dos turnos seja formado por uma interjeição, torna-se necessário (re)avaliar, para os propósitos deste trabaho, o comportamento do turno interjetivo na composição do par — para Caixeta (2005), turnos interjetivos desempenham funções interacionais de natureza cooperativa.

Os marcadores conversacionais (ou discursivos) são um grupo de elementos importantes na conversação, uma vez que eles desempenham um importante papel na troca de turnos e na ligação interna de unidades constitutivas de turnos, conforme Marcuschi (2001, p. 61). Para esse autor, há vários tipos de marcadores (verbais, não-verbais e suprassegmentais). As funções deles são, de modo geral, da ordem da interação e da sintaxe. Conforme Caixeta (2005), há unidades limítrofes entre marcadores discursivos e manifestações interjetivas; uma diferença entre eles seria o fato de os marcadores discursivos serem presos, sem autonomia comunicativa, ao contrário das manifestações interjetivas.

Numa conversação, a compreensão deve ser vista como um processo de interação verbal, em que os interactantes colaboram e coproduzem sentidos. A compreensão não resulta

de uma simples interpretação semântica do que é proferido. Para Marcuschi (2001, p. 76), a coerência do texto conversacional “não é simplesmente uma relação simétrica entre turnos consecutivos.” Acrescenta o linguista que a coerência na conversação, ao contrário da escrita, “é um processo que ocorre na orientação temporal em que a reversibilidade não se verifica” (MARCUSCHI, 2001, p. 76). Mesmo que numa conversação haja muitas infrações do sistema de turnos, sem a coerência não há interação. Para Marcuschi (2001, p. 76), “a coerência é um processo global e implica interpretação mútua, local e coordenada.” Ainda segundo o linguista, a coerência “serve-se de unidades lexicais, estereótipos, marcadores, dispositivos não-verbais, recursos supra-segmentais e muitos outros”. Marcuschi (1998) aponta uma série de atividades para a compreensão da coerência do texto conversacional, como a negociação, a construção de um foco comum, a existência e diversidade de expectativas, a demonstração de (des)interesse e (não-)partilhamento e as marcas de atenção. Nesse sentido, as manifestações interjetivas têm, entre outras, uma função específica: contribuir para o fluxo conversacional, dando a ele uma coloração emocional radicular ou tentacular.

Em função dos objetivos deste trabalho, algumas questões devem ser levantadas em relação à comparação entre o texto falado e o escrito. Para Chafe (1985), o texto falado é mais veloz do que o escrito — neste o produtor está distante de seu leitor; naquele há uma proximidade local e a possibilidade de interação direta. Para Chafe (1982), a fala espontânea é produzida em jorros ou jatos de língua(gem) — conforme sua denominação, idea units (unidades de informação, unidades informacionais). Cada unidade limita-se por contornos entonancionais (pausas, por exemplo). O falante, em cada jato de linguagem, focalizaria cerca de sete palavras de uma única vez, que seria a quantidade armazenada na memória de médio prazo. Em virtude disso, pode-se dizer, em conformidade com Chafe (1982), que o texto escrito é menos condicionado ao ritmo do processamento. Muito provavelmente, quando se

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escreve uma ideia, o pensamento já se moveu para outras. Por fim, para Chafe (1982), o texto falado seria fragmentado e o escrito integrado18.

Além da questão das unidades de informação, delimitadas pela entonação principalmente, outra contribuição de Chafe (1982) são as noções envolvimento e

distanciamento. Para o linguista, numa conversação, os interlocutores estão presentes e

participam não só da recepção das informações, mas também da produção delas, interferindo de algum modo. Já no texto escrito, o leitor é desconhecido e ausente. A ser assim, para Chafe (1982), na língua(gem) falada há maior envolvimento do falante com seus interlocutores, com o assunto e consigo mesmo19. Em contrapartida, a língua(gem) escrita carece das presenças simultâneas do escritor e do seu leitor.

O conjunto de ideias — as de Bakthin (2010, 1979) somadas às de Chafe (1982) — contribui para reforçar o que, neste trabalho, é denominado de enunciado interjetivo. Esse enunciado, assim caracterizado, à Bakthin e à Chafe, permite que se diga que, por meio dele, os falantes, buscam preservar suas faces (o que será exposto a seguir), utilizando-se do emocional presentificado, ou atestado, conforme Ducrot (1972).