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A TENÇÃO ! I NTERJEIÇÃO COMO UM PROBLEMA A SER INVESTIGADO

1.1 INTERJEIÇÕES SOB TRATAMENTOS DIVERSOS

1.1.2 T RATAMENTO LEXICOGRÁFICO

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A palavra interjeição vem do latim “interjectione, por via semi-erudita. É propriamente a ação de atirar no meio; palavra que se solta no meio do discurso” (NASCENTES, 1966, p. 414). Tal significado etimológico está presente, (in)diretamente, em todas as definições de “dicionaristas”, gramáticos, filólogos e linguistas. A ideia clássica é a de que a interjeição é uma palavra ou voz que exprime de um “modo enérgico e conciso os afetos súbitos da alma tais como a dor, a alegria, o medo, a admiração, etc. [...] Há interjeições que são meros gritos, como ó! ui! ai!. Outras são palavras contratas e até frases elípticas, como oxalá! irra! misericórdia! [...]” (AULETE, 1964, p. 2210). Já para Marouzeau (1961, p. 124), a interjeição serve para “traduzir de maneira viva uma atitude do sujeito falante”.

Em dicionários filológicos e de linguística, a visão acerca das interjeições não difere das visões dos gramáticos. Em tais dicionários, os autores comungam, de maneira velada, com a ideia de que as interjeições ocupam o limbo dos estudos linguísticos. Haveria, portanto, um “acordo tácito” entre os dicionaristas e entre eles e os gramáticos. Carreter (1968) e Camara Júnior (1986) deixam transparecer, mesmo que não fosse essa a intenção deles, sucintamente, a visão histórica e a visão gramatical acerca das interjeições.

Em Carreter (1968, p. 243), tem-se:

Interjeição: sinal que pode contradizer as leis fonológicas de uma língua (espanhol uf, paf), e também possuir uma estrutura fonológica correta (ay, oh), sem valor gramatical, que desempenha as funções lingüísticas de um modo elementar. Há, portanto, interjeições apelativas (eh, chist, ps), expressivas (oh,

ah, ay) e representativas (zas, paf, pum). Estas últimas são, às vezes,

verdadeiras onomatopéias. Os gramáticos gregos classificaram as interjeições entre os advérbios. Os latinos as separaram, constituindo com elas uma parte

das orações. Donato (século IV d. C.) a definiu: ‘anunciando a vontade da alma’. O termo latino interiectio alude a que é costumeiro vir entre os termos

do enunciado, com independência tonal. Vossio (1635) a definiu como um equivalente de frase. Esta idéia, presente ainda em muitos gramáticos, foi atacada por Karcevski (1941), o qual faz ver como toda frase pode ser enunciada em estilo indireto, mas a interjeição, não.

Em Camara Júnior (1986, p. 147), tem-se:

INTERJEIÇÃO — Palavra que traduz, de modo vivo, aos estados d’alma. É

uma verdadeira palavra-frase, pela qual o falante, impregnado de emoção, procura exprimir seu estado psíquico num momento súbito, em vez de se exprimir por uma frase logicamente organizada. As interjeições são palavras especiais e se distinguem das EXCLAMAÇÕES, vocábulos soltos, emitidos no tom de voz exclamativo, ou frases mais ou menos longas que em regra começam pelas partículas que, como, quanto, quão, e constituem orações de um tipo especial, ou fragmentos de oração, ou monorrema. Exs.: Admirável!

— Que quadro de amarguras! As interjeições são de três tipos: a) certos sons

vocálicos, que na escrita se representam de uma maneira convencional fixa;

ex.: ah! — oh! (onde a letra h em posição final marca uma aspiração pós-

vocálica, que só aprece em português nesse caso); b) verdadeiros vocábulos, já

no domínio da língua; ex.: arre! — olá!; c) uma locução interjectiva; ex.: ora

bolas! — valha-me Deus!

Em Carreter (1968) e em Camara Júnior (1986), fica evidente o caráter prosódico das interjeições; elas podem ser formadas por “vozes” que se ajustam ou não às leis fonológicas de uma língua. Percebe-se também que há uma tentativa (imprecisa) de classificação, destacando-se o embate entre as onomatopeias (principalmente em Carreter (1968)) e as interjeições. Destaca-se ainda em Carreter (1968) o combate à ideia de que as interjeições possam ser equivalentes de frase, já que para Karcevski, citado no verbete, toda frase pode ser enunciada em discurso indireto, e as interjeições não podem. Caso as interjeições sejam consideradas de natureza assintática, como elas poderiam ajustar-se ao estilo indireto? Em Camara Júnior (1986), nota-se também a relação entre as interjeições e as orações exclamativas ou optativas. Enfim, Carreter (1968) e Câmara Júnior (1986) sustentam o “acordo tácito” mantido ao longo do tempo acerca das manifestações interjetivas.

A noção de linguagem como representação — e suas consequentes concepções de gramática — gera dificuldades para os lexicógrafos quando da definição das interjeições. Em virtude dos valores expressivos e pragmáticos próprias das interjeições, torna-se difícil a tarefa de dicionarização delas. Para ilustrar, tem-se a seguir a posição de dois dicionaristas

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acerca do que é interjeição e suas leituras da manifestação interjetiva “oh” — a escolha dessa manifestação deve-se ao fato de ela estar presente, como exemplo de interjeição, em quase todas as gramáticas da língua portuguesa do Brasil.

Em Ferreira (1986), tem-se:

Interjeição. [Do lat. Interjectione.] S.f. Gram. Palavra ou locução com que se

exprime um sentimento de dor, de alegria, de admiração, de aplauso, de irritação, etc. (FERREIRA, 1986, p. 958).

Oh. [Do lat. o.] Interj. Exprime espanto, surpresa, alegria, tristeza, admiração,

lástima, repugnância e outras impressões vivas ou súbitas: Oh! você por

aqui?; “Oh! que saudades que tenho / Da aurora da minha vida. / Da minha

infância querida / Que os anos não trazem mais!” (Casimiro de Abreu, As

Primaveras, p. 33); Oh!, excelentíssima! Poupe-me... o dissabor de vir trazer o

sono a uma sociedade tão divertida.” (Artur Azevedo, Contos Efêmeros, p.

83). (FERREIRA, 1986, p. 1257).

Em Houaiss (2001), tem-se:

Interjeição s.f. GRAM palavra invariável ou sintagma que, com entonação

peculiar, ger. sem combinar-se gramaticalmente com elementos de oração, formam, por si sós, frases que exprimem uma emoção, uma ordem, um apelo ou descrevem um ruído (p. ex.: psiu!, oh!, coragem!, meu Deus!). [O verbete continua, mostrando vários tipos de interjeição. No final, evidencia a

etimologia: “interjectĭo, ǒnis ‘inserção, interposição’”]. (HOUAISS, 2001, p.

1634).

oh /ó/ Interj. expressa surpresa, desejo, repugnância, tristeza, dor, repreensão.

ETM lat. ō ou ōh exprime ‘espanto, admiração, alegria, dor, repreensão’.

(HOUAISS, 2001, p.2054).

Tanto em Ferreira (1986) quanto em Houaiss (2001) parece haver uma dificuldade de descrever, lexicograficamente, itens de natureza expressiva, já que inexiste, epistemologicamente, uma metalinguagem apropriada para mostrar a abundante diversidade pragmática desses itens. A proposta de Gonçalves (2002) quanto ao fato de as interjeições

comporem um microssistema, em que se representariam os estados afetivos do sujeito falante, os quais se ligam à função expressiva da linguagem, não tem nos estudos gramaticais e lexicográficos uma penetração tranquila e palpável.

Devido à escassez de tratamento que caracteriza a descrição das interjeições, pode-se dizer que a lexicologia e a filologia ainda se encontram numa posição cheia de oscilações. O princípio de economia do método lexicográfico impõe aos dicionaristas algumas barreiras na construção de verbetes, principalmente os de natureza interjetiva e expressiva. Uma questão a se considerar é a ausência de relações sinonímicas das interjeições, ao contrário dos substantivos, como casa, lar, residência, domicílio. A interjeição “oh!” concentra uma grande possibilidade significativa. Se se considerar a pronúncia de “oh!” em uma determinada situação sociocomunicativa como manifestação de espanto ou surpresa, seria menos expressiva uma descrição pronunciada metalinguisticamente como <eu estou surpreso com isso que você me contou>. As interjeições concentram, de modo expressivo, carga informativa de natureza emocional e emotiva. Nas definições de “oh!” por Ferreira (1986) e por Houaiss (2001), não se alinham descrição lexicográfica, função pragmática e metalinguagem.

Ao se considerar as interjeições pelo viés pragmático, tem-se um problema para a atividade da lexicografia: elas são formadas de enunciados autônomos e expressivos do ponto de vista da comunicação. Propriedades fonético-fonológicas muito peculiares, entonação enfática, instabilidade semântica e formal, ausência de relações sinonímicas (ao contrário de classes como a dos substantivos e a dos verbos), extensão interjetiva (de manifestação monossilábica a enunciados longos) e indefinição de conteúdo proposicional são alguns dos empecilhos para que uma interjeição seja transformada em um verbete de dicionários gerais. Decorrente disso, apontam-se, sucintamente, alguns problemas acerca das definições lexicográficas, sobretudo quanto às formas interjetivas: apagamento do locutor;

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desconhecimento do caráter enunciativo do item; ênfase à enumeração das qualidades enunciativas do item em relação às funções pragmáticas e assimetria entre as funções enunciadas e as ilustradas.