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No meio da manhã, depois de tomar um banho e me vestir, encontrei Dona Celestina esperando por mim no pátio, segurando um copo de chocolate quente. Seu

humor era entusiástico e severo quando ela me ofereceu uma xícara e fez menção para eu a seguir até seu altar.

- O nagual Juan pediu que acelerássemos o passo com você, baseado no que ele Viu em suas manobras no sonhar na noite passada - ela disse enquanto caminhava pelo corredor. - Hoje nosso tópico será sobre a energia fálica. Nós veremos sua presença em ambos os seres masculinos e femininos. Eu antecipava ansiosamente a conversa. Ao entrar em seu quarto de trabalho, vi que ela tinha aberto as cortinas dos fundos, permitindo que a luz do sol iluminasse toda a poeira/bruma superficial. O quarto realmente resplandecia com a luz morna do sol. Os móveis pareciam estar curiosamente vivos e zumbiam, apesar de eu não me dar conta da percepção.

- Você está certa. Toda a energia está viva. - ela notou, como se sentisse meus pensamentos. Seu altar estava sem implementos, com exceção de um grande bastão de cristal transparente, brilhante quando tocado pelo raio de luz. Eu estava atraída pelo cristal, notando que sua superfície estava coberta de formas geométricas naturais, finamente cauterizadas pela formação na dureza de sua claridade luminosa. Sua finura era estupenda quando o peguei nas mãos, e seu diâmetro, aproximadamente da grossura de meu dedo indicador.

- O nagual o encontrou para você nas montanhas Kofa, a nordeste de Yuma, - Dona Celestina me disse, sugerindo com seu olhar para olhá-lo de perto.

- Ele é meu? - perguntei surpresa, fixada pelo radiante cristal.

- Sim. Sente-se, Merlina. Veja, - ela disse e se sentou apontando a fineza do cristal, - esta é a energia fálica

dentro da coluna central de energia. Na verdade, há três colunas internas dentro do corpo que levam energia. Uma nas costas é masculina, a coluna da frente é feminina e a coluna central é equilibrada. Ela é ambas, masculina e feminina, bem... é hermafrodita. - Nem todos possuem uma dessas dentro de seus corpos. Naturalmente, todos os homens acham que têm, - ela riu - mas muitos não têm, e muitas mulheres já não possuem esta energia dentro delas. A base da coluna cristalina começa na raiz da genitália. Ela permanece semi-ereta todo o tempo, e quando desperta, pode ascender longe acima da altura da cabeça. Perguntas?

- Sim. Como esta energia é perdida, ou melhor, por que existem em algumas e não em outras pessoas? Esta energia pode ser ganha ou reclamada? E, o que desperta esta energia, no que constitui este despertar? - eu estava entusiasmada e interessada.

- Boas perguntas, - ela aprovou concordando com a cabeça. - Primeiro, para uma criança nascer com esta energia no corpo, ambos pai e mãe têm de tê-las, desde que a coluna central é equilibrada de energia masculina e feminina. Inclusive, os pais têm de ser poderosos, a fim de prover a força necessária. Se a mulher emprestar sua energia fálica ao homem, se ela renegar a si mesma e permitir que sua energia seja brutalizada, então ela não será capaz de fazer uma contribuição necessária à concepção, que têm de, a propósito, ser acompanhada por um orgasmo poderoso. Sem a dinâmica do orgasmo, a concepção perderia a força. - O parceiro masculino, por outro lado, tem de ter recebido a energia de ambos pai e mãe. Se sua mãe for carente, ou se o pai de sua mãe for carente, então, ele não a herdará. Isso realmente começa e termina com a fêmea. As crianças femininas e masculinas têm de ser

herdeiras de pais completos energeticamente. Esta é a única forma de nascermos completos. De novo, eu digo que se a mãe ou o pai perderem o equilíbrio da energia fálica em qualquer dos lados da família, o filho não nascerá pleno. Isto pode voltar em gerações.

- A fim de ganhar ou reclamar esta energia, como você colocou, deve-se retraçar os passos e recapitular a memória da própria concepção e a contribuição dos pais e avós. Fazendo esta recapitulação, naturalmente, temos de estar num lugar isolado por longo tempo, longe de todo o estímulo sensorial e estar de modo puro, poderoso e alcançar profunda introspecção. Temos de sentir o vácuo, a entrega, como um vazio, o sentimento flácido dentro de nossa própria composição energética enquanto refletimos sobre que indivíduo iniciou a vazão da energia herdada. Ali é onde buscamos efetuar a mudança, começando e então retraçando adiante novamente no tempo.

- Devemos a parte, ou partes responsáveis. Se eles estiverem mortos, isso significa que temos de viajar em outros reinos onde vestígios destas energias ainda permanecem. Ali, podemos buscar ou não o que foi feito e legitimamente reclamar a energia que seja capaz de reavermos. Em virtude de ser herdeiro da energia, seremos naturalmente imbuídos depois de termos feito as medidas corretivas.

- O desafio pode vir em forma de uma busca, por exemplo, pelo sonhar desperto, como você sabe, podemos abrir portais em outros reinos e entrar com o corpo intacto, a fim de fazermos a batalha. Como você sabe, por haver feito isso com Juan e Chon em muitas ocasiões necessárias, você literalmente andou sobre um lago de energia a outro reino numa ocasião, e pôde permanecer ali, o que você escolheu fazer. Sua batalha, entretanto, é em outro lugar.

A experiência a que ela se referia foi tema de um capítulo no meu primeiro livro. Foi uma batalha de vida e morte para mim. Ela estava certa. Eu tive, de fato, em muitas ocasiões caminhado sobre uma ponte até outros reinos do sonhar desperto, abrindo um vórtice, separando um veio de energia, usando a prática. Don Juan mantinha que esta prática vincula reinos inteiros normalmente reservados para estados de morte e além- morte.

Como tal tinha sido considerada seriamente pelos xamãs, feiticeiros e curandeiros, uma vez que produzia uma “pequena morte” para o praticante. Eu pude presenciar batalhas de poder, vida e morte que aconteceram. Don Juan sempre me dizia para que somente entrarmos nestes reinos a fim de reaver algo perdido, saúde, poder, clareza de propósito e visão. Ele dizia que grande tentação e ilusão dormiam nesses reinos e que muitos praticantes tinham se tornado pesados, carregados, e perdido todo o senso de sobriedade.

- Você pode ver, devido à desalentadora tarefa de recuperar a energia, a maioria das pessoas não quer ser molestada. Não foram preparados para fazer a jornada, talvez eles sejam sábios. De qualquer modo, a energia é necessária. Um curandeiro como Chon, talvez, possa empreender qualquer batalha por alguém em circunstâncias de vida ou morte, mas lembre-se, em última instância, quem faz o trabalho recebe grandes bênçãos.

- Supondo que a energia está num lugar dentro do corpo, isso abre todas as possibilidades no intento verdadeiro da criação de si mesmo, e este é o princípio criativo que quando entendemos ou experimentamos, despertará e acordará a energia. Quando acordada, surgirá como um caule cristalino através da coluna

central e alcançará alturas incomensuráveis. O caule de luz zumbe. Ele canta. Ele sabe. Ele ressoa com pureza, verdade pura, amor puro, beleza pura, força pura, sabedoria... e isso tempera a si mesmo com trabalho e humildade.

- Somente alguém que está nessa possessão de força interna se moverá aos mais avançados caminhos de revelação. Muito disso envolve transformações de morte e além-morte. Ali é onde o nagual quer que a levemos. Ele irá nos deixar em breve, você vê, e ele quer que nós a preparemos porque ele te levará até parte do caminho.

Ela pegou o cristal e o entregou para mim. Colocando-o entre as palmas de minhas mãos, eu pude sentir a vibração dentro dele. Dona Celestina se levantou e entrou numa de suas cabines. Depois de procurar brevemente, trouxe um pequeno sino tubular. Pediu para eu segurar o cristal perto do ouvido, ela tocou o sino. A vibração foi registrada dentro do cristal simpaticamente ao suave tom baixo. O tom foi belo e ressoou longamente. Eu estava bem imóvel por ele. E estava ainda fervendo de perguntas.

- Estou muito preocupada pelo que você disse da partida iminente de Don Juan, Dona Celestina. - eu dei voz aos meus sentimentos. - Eu suspeito, pelo que ambos me disseram, que você está se referindo a sua partida iminente como ser humano, que ele está preparando alguma forma de deixar este mundo, como nós sabemos.

- Como sabemos em parte - ela respondeu - mas não como você e eu saberemos, e não como Chon sabe. Você está certa. Não precisa se preocupar. Nós a estamos preparando completamente. Ele não deixará este mundo da maneira como a maioria o faz, não da maneira como Carlo Castillo está fazendo para deixá-lo,

por exemplo. E ele não irá onde muitos se desintegram. Isso é porque ele a está preparando para fazer.

Ela me chocou trazendo à tona a morte iminente de Carlo Castillo de câncer. Eu diria que o tendo visto que não havia forma de ele o ter vencido. Ali sempre tinha tido um pouco 'sangue ruim' entre Carlo e Dona Celestina, e ainda o que ouvi dela não era vingança. Era apenas a voz da verdade. Eu imaginava que por a maioria das pessoas que conhecia Carlo, inclusive ele mesmo, estavam completamente despreparados para sua morte, que era inevitável. Este não era o caso de Dona Celestina. Ela, como eu mesma, viu a situação claramente e negou estar “cavando sua sepultura”. Sentindo minhas reflexões, ela se aproximou de mim e me olhou nos olhos, concordando gentilmente. - O velho nagual está indo caminhar fora deste mundo - Dona Celestina me disse sinceramente, e aquilo foi tudo o que ela disse sobre isso na ocasião.