• Nenhum resultado encontrado

2. Maus-Tratos na Infância

2.2 Factores de vulnerabilidade e de protecção

2.2.3 Factores de protecção e resiliência

Enquanto algumas destas experiências deixam graves consequências que marcarão a vida dos indivíduos e a dos seus filhos, outras crianças há que recuperam das experiências de maus-tratos (Putman, 2006; Zielinski & Bradshaw, 2006).

Atendendo à questão anterior, a compreensão da resiliência e da adaptação da criança que enfrenta situações de adversidade, torna-se um componente importante do funcionamento da criança (Kinard, 1998). A investigação ao nível do risco e da resiliência tenta compreender os mecanismos através dos quais alguns indivíduos expostos a experiências de stress mostram pequenos sinais de trauma, ou mesmo a sua ausência, enquanto outros evidenciam disfunções significativas (Zielinski & Bradshaw, 2006).

Pode referir-se que a resiliência, enquanto processo ecológico, surge no âmbito da interacção entre os atributos do indivíduo, os apoios do sistema familiar e os que provêem da comunidade (Junqueira & Deslandes, 2003). Anaut (2005) aponta a

55

resiliência como o resultado de uma interacção dinâmica entre diversos factores de protecção presentes no próprio indivíduo, no ambiente familiar e/ou no social.

Já Haskett et al. (2006) referem que a resiliência consiste numa boa adaptação do indivíduo, tendo em consideração a perspectiva desenvolvimental. Assim, um indivíduo que sob circunstâncias nefastas consegue atingir marcos do desenvolvimento importantes e adequados à idade, em vez de sofrer sérios prejuízos, é considerado resiliente. Na opinião de Herrenkohl et al. (2008), pode definir-se resiliência, como um ponto na vida do indivíduo, em que se pode considerar que este ultrapassou as dificuldades devidas à exposição de riscos precoces, isto é, atingiu resultados positivos ou evitou resultados negativos. Kinard (1998), por sua vez, apresenta o conceito de resiliência, distinguindo três perspectivas, que se vão passar a referir, à laia de conclusão: (1) a manifestação de consequências positivas apesar da vivência de envolvimentos de risco; (2) a acção competente face a factores crónicos, de stress; (3) o restabelecimento da situação de trauma.

Usando uma perspectiva desenvolvimental, os factores de protecção ou compensatórios foram definidos como variáveis que modelam os efeitos das vulnerabilidades individuais ou das ameaças do envolvimento, permitindo a adaptação do indivíduo de uma forma mais positiva do que no caso de estes factores não estarem operacionais (Haskett et al., 2006). Por sua vez, Herrenkohl et al. (2008) identificam os factores de protecção como qualidades do indivíduo, experiências e aspectos do envolvimento social da criança que aumentam a probabilidade de resiliência relativamente aos riscos precoces a que são expostos.

Os factores de protecção perspectivam-se no âmbito das questões ecológicas que incluem os atributos da criança, as características do envolvimento familiar e os recursos comunitários, e reflectem ainda influências transaccionais e recíprocas atendendo a que as características da criança são fortemente influenciadas pelos factores do envolvimento. Assim, Haskett et al. (cf. 2006, p. 800,801) e Herrenkohl et al. (cf. 2008, p. 92) enunciam um conjunto de factores, com base em vários estudos, que poderão ser indicativos da capacidade de adaptação das crianças maltratadas ou negligenciadas:

56

de compreender e modular os sentimentos, a capacidade de ajustar as suas respostas emocionais e comportamentais em função das características de dada situação, o auto- controlo, locus de controlo interno, a capacidade de auto-estima e auto-imagem positiva, determinação de ser diferente do seu progenitor maltratante, a capacidade de resolução de problemas sociais e indicadores de sucesso escolar, tais como a capacidade cognitiva e o empenhamento académico.

Factores do envolvimento familiar, tais como: dimensões específicas da qualidade parental, referindo-se ao afecto, à sensibilidade e ao apoio para a autonomia, a monitorização, a disciplina e comportamentos de interacção, o funcionamento alargado da família, a percepção da criança relativamente à coerência da sua família e a múltiplos indicadores de estabilidade, o ter presente pelo menos um cuidador estável. Tajima (2002) refere ainda o estado de saúde mental parental como factor de protecção.

Relações extra-familiares e factores comunitários, em que se incluem os seguintes: as relações com indivíduos exteriores à família, tais como, relações de amizade com pares ou relações de apoio com outros adultos que desaprovam a violência, uma forte ligação à escola, o envolvimento em actividades extracurriculares estruturadas e em grupos religiosos que diminuem as hipóteses de envolvimento em comportamentos delinquentes.

Os estudos de Egeland et al. (1987; 1988) permitiram verificar que mães em risco de maltratarem os seus filhos, por terem histórias de maus-tratos na infância, poderiam experimentar outro tipo de factores que funcionam como condições de protecção contra os maus-tratos e a negligência. São exemplos as seguintes condições: a) o terem tido durante o seu crescimento o apoio e uma relação próxima com um dos cuidadores, b) o terem tido alguma forma de apoio social mais próximo ou o envolvimento com um companheiro que funcionava como elemento de suporte no casal, ou ainda c) uma experiência positiva de terapia (Azevedo & Maia, 2006; Belsky, 1993; Caliso & Milner, 1994; Levy & Orlans, 1998). Zielinski & Bradshaw (2006) apontam também a existência de factores de protecção, nomeadamente o apoio social de um familiar próximo, como um aspecto essencial para a demonstração da capacidade de resiliência, em crianças que foram maltratadas.

57

constitui o principal factor compensatório em termos de protecção, registado nos estudos apresentados.

Apesar da importância dos factores de protecção ou compensatórios no processo de adaptação da criança maltratada, Haskett et al. (2006) referem que nenhuma criança fica totalmente imune aos efeitos do maltrato, atendendo ao conjunto de adversidades e à acumulação de riscos a que o indivíduo é sujeito.