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2. O escopo da proibição e a sua conexão com o direito sucessório

2.1 A família – breve história

No século XII o casamento era o pilar fundamental para a formação de uma família. Acreditava-se que Deus havia instituído o sacramento do casamento para que o pai e a mãe pudessem de forma harmoniosa criar a sua prol. O objectivo era que a família, fundada no casamento cristão, espelhasse a Sagrada Família.

Deste modo, a Igreja Católica toma para si todos os assuntos correspondentes ao Direito da Família, considerando que as relações familiares não são privadas mas pertencentes à ordem social, isto é, são determinadas pela vontade de Deus.

Assim, esquecendo-se a qualidade de indivíduos livres e iguais, o Direito da Família de inspiração católica estabelecia que a direcção da família pertence ao homem, sendo que a mulher e os filhos lhe deviam obediência. Por conseguinte, o homem era a

verdadeira fonte de criação das normas internas de cada família(267). Por isso, eram

conferidos ao chefe da família amplos poderes no que concerne à orientação da vida familiar estabelecendo, a título de exemplo, o casamento dos filhos, dotando as raparigas e determinando antecipadamente a sua herança aos seus descendentes.

Uma das características fundamentais do Direito da Família nesta época era a perpetuidade que o casamento deveria assumir. Só com a morte de um dos cônjuges se poderia colocar um fim ao casamento, sendo que no campo das sucessões abandonou-se

a tradição romana de sucessão testamentária e o papel do testamento foi reduzido; a

favor da transmissão «mortis causa» dos bens aos parentes próximos(268).

A partir do século XVIII a família, tal como era concebida, foi aos poucos perdendo os seus valores dando origem a um crescente individualismo. Parafraseando

267 DIOGO LEITE DE CAMPOS, “A Família como Grupo: As duas agonias do Direito da Família”,

ROA, 1994, n.º 54, Vol. III, p., 919.

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DIOGO LEITE DE CAMPOS(269) o individualismo contemporâneo encontrará o seu

tronco nas seitas cristãs reformadas do Renascimento – antepassadas próximas do utilitarismo anglo-saxónico. Nesta óptica, homem e Deus estavam em contacto directo,

sendo a Igreja tão-só uma intermediária. Entendia-se que a alma de cada homem percorre sozinha o caminho até Deus não necessitando dos outros (entenda-se aqui, não necessitando dos outros membros do grupo familiar).

O individualismo vem, por isso, por em questão o papel de supremacia assumido pelo pai em cada família, bem como questionar se serão de facto os interesses do grupo familiar superiores aos interesses individuais de cada ser que compõe a família.

DIOGO LEITE DE CAMPOS(270) não tem dúvidas que o advento do individualismo trouxe consigo a agonia do Direito da Família.

Não obstante, os indivíduos hoje possuírem a consciência de serem indivíduos livres e responsáveis e, como tal, saberem que o casamento deve assentar fundamentalmente no amor, na fidelidade e na tendencial indissolubilidade, encarando cada descendente como fruto do seu amor, a verdade é que nem sempre isto acontece. E, hoje em dia, verificamos uma cada vez mais crescente crise da família.

O Autor supra citado, afirma que esta crise da família se traduz na crise

contemporânea da «morte» do indivíduo e do Direito. O primeiro, que se descobre «sem qualidades» para cônjuge e pai; o direito, que se descobre sem sentido enquanto ordem(271).

Além disto, continua o Autor, nas nossas actuais famílias cada ser assume papéis diferenciados, sendo que uns rejeitam a autoridade, outros a solidariedade, a

convivência, a cedência. Portanto, cria-se um cenário de guerra tendo sempre cada

membro da família o desejo fugaz da sua total liberdade(272).

2.1.1 O casamento na nossa actual sociedade

Já no ponto anterior – Família – Breve história – deixámos claro que o casamento católico afirmava o início da família, devendo esta ser um reflexo de todos os valores morais e cristãos. Assim a Igreja determinava as regras no que a esta matéria respeita.

269 “A Família Como Grupo…” Ob. Cit., p., 924. 270 “A Família como Grupo…” Ob. Cit., p., 925. 271

DIOGO LEITE DE CAMPOS, “A Família como Grupo…” Ob. Cit., p., 927.

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Apresentamos também que como característica principal do casamento estava a sua indissociabilidade e como finalidade principal do mesmo estava a procriação.

Quer queiramos quer não, o certo é que, embora com contornos diversos do da época referenciada, o casamento chegou à nossa actual sociedade assumindo-se como o principal meio de transmissão de bens e, através da sua finalidade principal, tem-se conseguido assegurar a preservação das gerações; pelo parentesco, derivado do casamento, as pessoas estabelecem hábitos que assentam na forma e modo de transmissão de propriedades, de bens e de cultura.

No entender de CARLA PATRÍCIA PEREIRA OLIVEIRA(273) o casamento nos dias de hoje acaba por ser contraditório; segundo a Autora já não é possível, na nossa moderna sociedade ver aquele quadro pintado nas páginas da história de uma mulher dedicada às tarefas domésticas, esposa extremosa e fada do lar, deixando o marido de ser o único sustento da casa. A progressiva entrada da mulher no mundo do trabalho e a mudança de mentalidade social e cultural faz com que a mulher adie o casamento e a maternidade por forma a assegurar um futuro profissional.

Deste modo, o casamento instaurado no séc. VII não se coaduna com a nossa realidade, em que à família tradicional fundada no casamento, se edificam, paralelamente, famílias construídas em uniões de facto, famílias monoparentais, famílias reconstituídas, etc.

Não obstante, é sabido que a família desempenha funções fulcrais, quer a nível pessoal quer a nível social que ajudam os seus membros a crescer de forma completa,

sob a égide das orientações jurídicas estabelecidas(274).

É importante notar que no nosso Código Civil a noção de família consta do art. 1576º, sendo que as fontes das relações jurídicas familiares são o casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção. CARLA PATRÍCIA PEREIRA OLIVEIRA(275) diz-nos que o nosso Código Civil tem um conceito lato de família integrando não só o

seu cônjuge, como ainda os seus parentes, afins, adoptantes e adoptados.

Cada vez mais temos consciência que devido ao contínuo melhoramento das condições e qualidade de vida a durabilidade das pessoas é muito maior do que há uns anos atrás. Por este motivo, a herança já não assume entre nós a mesma função social.

273 CARLA PATRÍCIA PEREIRA OLIVEIRA, Entre a Mística do Sangue e a Ascensão dos Afectos: O

Conhecimento das Origens Biológicas, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p., 30 e ss.

274

CARLA PATRÍCIA PEREIRA OLIVEIRA, Ob. Cit., p., 31.

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Para DIOGO LEITE DE CAMPOS(276) temos agora duas gerações de adultos,

pais e filhos, assumindo-se a herança como uma espécie de subsídio complementar de aposentação dos filhos.