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2. O escopo da proibição e a sua conexão com o direito sucessório

2.10 A tutela da legítima

Preceitua o art. 2163º que o testador não pode impor encargos sobre a legítima, nem designar os bens que a devem preencher, contra a vontade do herdeiro. Portanto, como facilmente verificamos o direito sucessório estabelece mecanismos orientados para a protecção da legítima.

Assim do princípio da intangibilidade que deste artigo resulta vemos que os bens que cabem ao legitimário não podem ser onerados com encargos. Todavia, alerta LUÍS A. CARVALHO FERNANDES(363), este princípio não deve ser entendido com rigidez sendo aliás atenuado pelos artigos que o sucedem , no que concerne à chamada cautela

sociniana e ao legado em substituição da legítima.

Entendido ainda como mecanismo da tutela da legítima está o art. 2156º impondo que aos legitimários é asseverada uma quota da herança de que o testador não pode dispor.

E, ainda como mecanismo de tutela da legítima, atribui-se ao sucessor o direito de atacar as atribuições gratuitas realizadas pelo autor da sucessão, seja por acto inter

vivos seja mortis causa, sempre, que atendendo ao seu valor, ultrapassem a quota

disponível e atinjam a legítima. Ora sendo assim, falamos da redução por inoficiosidade que mais à frente iremos esclarecer.

Mas de extrema importância é ainda a questão da tutela da legítima conferida ao longo do Código Civil.

Como se sabe e, como é objecto desta tese, não é só o direito sucessório, no seu regime em particular, que prevê ou que estabelece a tutela da legítima dos herdeiros legitimários. Bem antes desta protecção conferida pelo direito sucessório, encontramos

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CRISTINA M. ARAÚJO DIAS, Ob. Cit., p., 185.

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o artigo objecto de estudo da presente tese. Falamos por isso do art. 887º cuja tutela da legítima dos herdeiros legitimários se faz através – e do já muito falado nas páginas anteriores desta obra – da necessidade do consentimento dos restantes descendentes na venda feita a um deles pelos pais, pretendendo-se que assim se façam verdadeiras doações que aparecendo como negócios onerosos se escapem à redução por inoficiosidade.

Este art. 877º nada mais faz que integrar a tutela da legítima e assegurar a protecção aos sucessíveis legitimários antes da abertura da secessão.

2.10.1 A cautela sociniana

A cautela sociniana vem referida no art. 2164º e diz-nos que, não obstante a proibição constante do artigo anterior, o testador pode deixar usufruto ou constituir pensão vitalícia que atinja a legítima, ainda que tenha sucessíveis legitimários. Mas tal art. 2164º não deixa os herdeiros legitimários sem protecção, pois na sua II parte estabelece que os herdeiros legitimários podem cumprir o legado ou então entregar tal legado tão-só à quota disponível. Deste modo, o herdeiro legitimário pode ou cumprir o legado, admitindo, consoante os casos, o usufruto ou pagar a pensão vitalícia; ou pode ainda, em vez de cumprir o legado, entregar ao legatário a quota disponível. O legitimário tomará a decisão atendo à circunstância que considere menos gravosa para si.

No entender de LUÍS A. CARVALHO FERNANDES(364) o art. 2164º não

tomou posição no debate doutrinal relativo ao modo de actuar a cautela, quando haja vários legitimários. Ora assim sendo, refere o Autor que perante tal silêncio do artigo e

perante uma situação de contitularidade será correcto lançar mão ao regime da

compropriedade, cuja aplicação, a título subsidiário, se mostra legitimada pelo art. 1404º.

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2.10.2 Legado em substituição e por conta da legítima

Para CRISTINA M. ARAÚJO DIAS(365) quer no legado por conta da legítima quer no legado em substituição da legítima o testador faz um legado a favor do(s) seu(s)

herdeiro(s) legitimário(s) atribuindo-lhe(s) os bens que ele(s)vai (vão) receber.

Na hipótese de legado por conta da legítima, temos que o testador fará uma atribuição de bens a determinado legitimário, para que estes sejam levados em conta, ou seja, imputados na sua quota legitimária. Portanto, atendendo ao disposto no art. 2163º o testador designa bens com o objectivo de preencher essa quota. O legado não pode ser imposto ao herdeiro legitimário, ele tem que o aceitar para que o mesmo seja eficaz e só o aceita se quiser. Se não o quiser aceitar, repudia-o e exige a sua legítima.

Declara LUÍS A. CARVALHO FERNANDES(366) trata-se, aqui de um herdeiro

ex re certa.

Assim, o legitimário dispõe da inteira faculdade de aceitar ou não aceitar o legado; aceitando-o não perde a qualidade de herdeiro legitimário, ficando com o direito de preencher a sua quota legitimária com os bens que, para além do legado, se considerem necessários para a integrar.

Já na hipótese de legado em substituição da legítima o autor da sucessão pode deixar um legado ao herdeiro legitimário em substituição da legítima, tal como determina o art. 2165º., n.º 1. O que aqui se verifica é que a vontade do autor da sucessão será a de deixar ao legitimário certos bens que substituirão a sua quota legitimária.

Ao herdeiro é-lhe concedida a faculdade de aceitar ou não aceitar o legado, estabelecendo o n.º 2 do artigo em causa que se o herdeiro aceitar o legado perde o direito à legítima, assim como a aceitação da legítima envolve a perda do direito ao legado; se o repudiar recebe a sua legítima nos termos gerais. Portanto, ou ele aceita o legado ou recebe a legítima.

CRISTINA M. ARAÚJO DIAS(367) diz-nos que a aceitação do legado faz com que o herdeiro não possa exigir quaisquer valores a fim do preenchimento da sua

365 Ob. Cit., p., 168. 366

Lições de Direito das Sucessões, Ob. Cit., p., 437.

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legítima, mesmo que o valor do legado seja inferior àquela (e a parte da legítima que

lhe caberia acresce à parte dos outros herdeiros legitimários, se os houver).

Demarca o n.º 4 do mesmo artigo que o legado deixado em substituição da

legítima é imputado na quota indisponível do autor da sucessão; mas, se exceder o valor da legítima do herdeiro, é imputado pelo excesso, na quota disponível.

Ultrapassando a legítima do beneficiário do legado e afectando a legítima dos outros herdeiros legitimários, o legado em substituição da legítima está sujeito a possível redução por inoficiosidade.