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2. À procura de uma definição de contrato

2.1 O contrato: algumas características deste negócio jurídico

2.1.2 Negócios jurídicos solenes e não solenes

Assim, e de forma não muito exaustiva pelo motivo anteriormente invocado, dizemos que - atentando ao facto de o contrato ser o mais importante dos negócios

jurídicos – podemos ter negócios solenes e negócios não solenes.

O nosso ordenamento jurídico consagra o princípio da liberdade de forma ou

consensualista(26). Ora, quer isto dizer, que a validade do contrato fica na dependência

da observância de forma sempre que a lei assim o exija; se assim não acontecer – não se verificar esta exigência da lei – as partes possuem liberdade para adoptarem a forma que entenderem. Portanto, desde logo, verificamos que esta característica respeita ao modo de como a exteriorização da vontade das partes se deve revestir.

24 Ob. Cit. p., 30.

25 Teoria Geral do Direito Civil, Ob. Cit. p., 66 e ss. Sempre que no decorrer da explanação de tais

características apareçam citações – traduzidas pela colocação em ITÁLICO – sem qualquer referência expressa ao seu Autor em nota de rodapé, deve considerar-se tais citações pertencentes à obra do Autor LUÍS A. CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, Ob. Cit., págs., 56 à 105.

26 Para HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil, Ob. Cit., p., 430, o nosso CC

parte do princípio da liberdade de forma (arts. 217º, n.º 1, 219º), constituindo a exigência de forma uma – importante – excepção.

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CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(27) diz-nos que a exigência de forma resulta de estatuição legal, traduzindo-se, em regra, à redução do negócio a escrito (arts. 219º e 221º CC); pelo contrário, se o negócio não está dependente de forma especial, nem sujeito ao seu regime, a forma é imposta por vontade das partes (forma voluntária). Normalmente, a forma escrita traduz-se na exigência de uma escritura pública, admitindo a lei também documento particular autenticado.

Neste sentido vai também ARMANDO BRAGA(28), que nos diz que a forma do contrato de compra e venda pode ser exigida pela lei (forma legal ou obrigatória) ou

por convenção das partes (forma voluntária ou convencional). Sendo certo que a

estipulação convencional de forma não está sujeita a qualquer formalidade.

Também NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA(29), apresenta-nos uma distinção entre contratos consensuais e contratos formais ou solenes; a validade dos contratos formais ou solenes está subordinada a um requisito de forma enquanto que a validade dos contratos consensuais não está. Reforçando esta ideia temos ainda CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA(30), segundo o qual existe uma hierarquia formal, dividida em três escalões: No 1º escalão encontra-se a forma livre que como o próprio nome indica, é admissível qualquer forma, seja oral, gestual ou com suporte em documento escrito não assinado; no 2º escalão temos a forma escrita baseada em documento particular, o que por determinação do art. 373º, n.º 1, envolve usualmente um documento escrito e assinado; e no 3º escalão encontra-se a forma solene fundamentada em documento autêntico ou com outra forma de intervenção de oficial com funções públicas de autenticação.

Concluímos dizendo com ENZO ROPPO(31) que os contratos formais ou solenes são aqueles em que as declarações que lhes dão vida são revestidas de certas

modalidades expressivas e acompanhadas de um determinado ritual.

Esta distinção dos negócios jurídicos formais e não formais assume extrema importância porque nos negócios formais a observância da forma prescrita por lei é

condição da sua validade e a não observância da forma legal implica invalidade do acto. Nos termos do art. 220º, esta inobservância acarreta a nulidade. Além disso, com

27 Ob Cit. p., 88.

28 ARMANDO BRAGA, Contrato de Compra e Venda: Estudo Pático, Doutrina e Jurisprudência, Porto,

Porto Editora, 1994, p., 26.

29 NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, Contrato de Compra e Venda: Noções Fundamentais,

Coimbra, Almedina, 2007, p., 21.

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Ob. Cit. p., 88 e ss

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esta exigência de forma é também possível aferir da eficácia do conteúdo do acto jurídico. Podemos interpretá-lo, verificar a existência de certos vícios (erro na declaração, simulação), ou até, o seu aproveitamento quando inválido por razões de

forma ou outras (conversão).

No reforço do que ficou dito chama-se novamente ENZO ROPPO(32) referindo- nos que a forma é requerida ad substantiam, sendo que, continua o Autor, a forma

torna-se um verdadeiro requisito essencial do contrato, faltando este requisito o

contrato não pode formar-se validamente nem produzir os seus feitos(33).

Aqui chegados, surge-nos, forçosamente a pergunta: o que pretendeu o legislador com a imposição de formas legais, de contratos solenes?

A resposta é simples. Por um lado, o legislador pretendeu a defesa de certos interesses públicos, por ex., no sentido de uma optimização do sistema fiscal, é mais fácil e mais cómodo tributar determinados bens sujeitos a registo e tributar as riquezas operadas pela transferência desses bens; por outro lugar, o legislador atendeu aos interesses das partes, dizendo ENZO ROPPO(34) que o contrato solene leva a uma maior reflexão das partes impedindo-as de tomar decisões precipitadas(35) uma vez que

está em causa valores económicos muitas das vezes avultados, ou então, pretende-se minimizar acontecimentos que visem o enriquecimento ilícito, isto é sem correspectivo.

Além destes argumentos apontados, e como é da gíria comum, a forma escrita serve para que as partes conheçam o teor das cláusulas que formam o seu conteúdo, servindo também para esclarecer dúvidas e para evitar ou prevenir possíveis litígios.

Mas de todos os argumentos apontados acima, o que nos parece ser mais importante é mesmo a função de tornar determinados contratos cognoscíveis pelos

terceiros, isto é, pessoas alheias ao contrato mas que porventura possam ser afectadas

pelos seus efeitos, possam dele ter conhecimento. Por ex., a exigência de forma escrita na venda de imóveis, justifica-se pela importante tarefa que desempenha na tutela de terceiros, com o objectivo de ser dada publicidade às transcrições nos registos

32 Ob. Cit., p., 98.

33 A este propósito ver também CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Ob Cit., p., 89. 34 Ob. Cit. p., 100.

35 Acerca destas decisões precipitadas será importante chamar aqui MIGUEL VEIGA, Ob. Cit. p., 809 e

ss. Diz-nos o Autor que hoje, mais que nunca, estamos inseridos numa sociedade de consumidores em

massa, onde as pessoas são incitadas a comprar compulsivamente. Isto comporta sérios problemas como

o incumprimento, o sobreendividamento e, por conseguinte, por toda esta explosão de direitos e de

obrigações dos consumidores e do disparo da conflitualidade, temos os nossos tribunais a “rebentar pelas costuras”.

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imobiliários, sabendo o indivíduo, por isso, se adquire um imóvel já vendido a outra

pessoa ou se adquire um imóvel hipotecado.

Desta forma, e pelas razões acima apontadas só vemos vantagens nos contratos solenes que a lei exige, sendo muito natural, nos dias de hoje, de pura desconfiança social(36), que as partes queiram reduzir um contrato a escrito mesmo que a lei assim não o exija.