• Nenhum resultado encontrado

A família Damha: entre sírios e libaneses no estado de São Paulo

6. DA ENGENHARIA CIVIL PESADA AOS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS FECHADOS:

6.1 A família Damha: entre sírios e libaneses no estado de São Paulo

Em seus estudos sobre a imigração sírio libanesa no Estado de São Paulo, Oswaldo Truzzi (1991; 2009) informa que essas etnias chegaram ao Brasil em grandes quantidades em meados dos anos 70, do século XIX, até meados dos anos

20, do século seguinte, juntamente com italianos, espanhóis, portugueses e diversas outras etnias.

Inicialmente esses imigrantes se concentraram na capital paulista, posteriormente seguiram rumo ao interior paulista. O censo realizado em 1920 apontava grande quantidade de sírios e libaneses na região servida pela estrada de ferro araraquarense, em cidades como Campinas, Piracicaba, Olímpia, Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto, Barretos, Taquaritinga, Monte Alto, Catanduva e São José do Rio Preto. De acordo com Oswaldo Truzzi, a interiorização desse contingente populacional ocorreu devido a atividade econômica da mascateação, exercida por esses imigrantes em terra brasileira. Diferentemente de italianos, espanhóis e japoneses, que se estabeleceram no campo, dedicando-se as atividades agrícolas, os sírios e libaneses, desde sua chegada ao Brasil, dedicaram- se ao comércio, sendo a mascateação a primeira atividade exercida por essa etnia no interior paulista.

Passando pela mascateação, os sírios e libaneses dominaram o comércio varejista, especificamente com lojas de tecido a varejo ou com lojas de tecidos e armarinhos. Já nos anos 20 do século XX era notável a presença dessa etnia no setor têxtil, sendo essa a primeira forma de ascensão sócio econômica dessa população.

A segunda forma de ascensão sócio econômica dos sírios e libaneses no Estado de São Paulo ocorreu com o ingresso da segunda e terceira geração familiar nas faculdades de medicina, advocacia e engenharia civil. A trajetória de mascate, pequeno comerciante, comércio por atacado e industrial (TRUZZI, 1991, p. 84) seguiu a de doutor, em uma das três áreas citadas. Em 1950 era expressiva a presença de sírios e libaneses formados na Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito, Escola Politécnica e na Faculdade Mackenzie. A partir dessa inserção no mercado de profissões liberais, os sírios e libaneses no Brasil se constituíram enquanto grupo dotado de grande reconhecimento social, chegando a ocupar, posteriormente, cargos importantes na política municipal, estadual e federal31, como afirma Oswaldo Truzzi (2009):

31

Em reportagem publicada na Revista Veja, no ano 2000, fica patente a presença de sírios e libaneses ainda hoje na política nacional: “no Congresso Nacional, instância máxima da política, dos 513 deputados, 38 têm origem libanesa ou síria, entre eles o presidente da Câmara, Michel Temer; dos 81 senadores, Pedro Simon, Paulo Ganem Souto, Artur da Távola, Ramez Tebet e Romeu Tuma têm sangue árabe correndo nas veias. Na conta final, são quase 8% dos parlamentares. Na cidade

Nessa entrada vigorosa de descendentes de sírios e libaneses no mercado de profissões liberais, seja conquistando posições preexistentes, seja criando novos espaços legítimos de inserção, valorizados socialmente, como no caso do Hospital Sírio-Libanês, a colônia, antes conhecida somente por suas habilidades comerciais, passou a abrigar também um número crescente de “doutores”, oriundos da Medicina, do Direito ou da Engenharia. [...]. O comércio pode trazer muito dinheiro, mas o título de doutor traz um reconhecimento da sociedade dificilmente atribuível ao primeiro. [...] Sem esse passo prévio, conforme será exposto a seguir, a colônia jamais poderia, a partir de fins da década de 1940, colher parte dos dividendos desse investimento educacional no campo da política. (p.171)

A história da imigração e a trajetória sócio econômica síria libanesa descrita por Oswaldo Truzzi é aqui emblemática para a compreensão do percurso sócio econômico da família Damha, constituída em São Carlos.

De acordo com Truzzi (1991, p. 10), o censo realizado em 1920 apontava a presença de 212 sírios e libaneses em São Carlos. Segundo conversa com um morador antigo da região comercial central de São Carlos, o grupo de sírios presentes na cidade apresentava grande entrosamento entre si e redes de ajuda mútua. Eram frequentes as reuniões e as festas realizadas entre os integrantes da colônia. Dentre esses integrantes, está presente a família de Miguel Damha, um dos líderes do grupo, cuja ascensão sócia econômica ocorreu através de sua atuação no setor textil, com a Casa de Tecidos Bichara32.

Casado com Nadima Bagdad Damha, o casal teve cinco filhos: Bichara Damha, Brasilino, Rames, Awad e Anwar Odete Damha. Os filhos, seguindo a trajetória descrita por Truzzi, ingressaram no ensino superior. Bichara Damha, ao que consta, foi um contabilista influente na cidade33. Brasilino teria cuidado da Casa de Tecidos Bichara após a morte do seu pai. E Anwar formou-se em engenharia, em 1953, pela Faculdade Mackenzie, tendo recebido o prêmio Pandiá Calógeras,

de São Paulo, onde 20% dos vereadores são da colônia, dos cinco candidatos no pelotão de frente das pesquisas para a prefeitura, três têm sobrenome árabe: Paulo Maluf (libanês), Romeu Tuma (sírio) e Geraldo Alckmin (ascendência distante)” (VARELLA, 2014).

32

Atualmente, o endereço em que funcionou a Casa de Tecidos Bichara, na Rua General Osório, número 827, funciona a loja Universo da Moda Kids. Ainda é possível ver a casa em que a família de Miguel Damha morou, embora a mesma tenha passado por inúmeras reformas e hoje abrigue o estoque da loja.

33

Em 2010, a proposta de lei elaborada pelo vereador Edson Ferminiano (PR), que dava o nome de Bichara Damha ao centro olímpico construído as margens da rodovia Thales de Lorena Peixoto (SP- 318), em terras doadas pela Encalso, foi aprovada, o que atestada a popularidade de Bichara Damha na cidade de São Carlos. (PROPOSTA..., 2014)

conferido aos alunos aprovado em primeiro lugar em todas as disciplinas e em todos os anos.

Logo após a conclusão do curso de engenharia, Anwar Damha foi contratado como engenheiro pela prefeitura de Presidente Prudente, tendo assumido a Diretoria de Obras Municipal. Após, aproximadamente, dez anos de serviços prestados a prefeitura prudentina e de ter adquirido experiência na área da engenharia civil, assim como em todo o processo legal envolvido nas obras públicas, Anwar funda a Encalso Construções, uma empresa de construção civil, com infra estrutura bem modesta, em 1964, na cidade de Presidente Prudente. Assim, iniciaria uma trajetória de ascensão sócio econômica sem precedentes na família.

Cabe salientar que Anwar parece iniciar, com a abertura da Encalso, uma atividade profissionalizada no ramo da construção civil que já vinha sendo realizada por sua família em São Carlos, uma vez que a família Damha foi responsável pela abertura de três loteamentos de pequena proporção nessa cidade, entre os anos de 1950 e 1970, como podemos notar na tabela a seguir:

Tabela 3 - Loteamentos implantados na cidade de São Carlos pela família Damha

Ano de

implantação parcelamento Nome do Proprietário Área do Parcelamento (hectares)

1958 Jardim Bandeirantes Irmãos Damha 22,80 1969 Jardim Santa Maria II Bichara Damha 6,00 1971 Vila Vista Alegre Miguel Damha 5,00 Fonte: Lima (2008, p. 104, 162)

Atualmente, Anwar Damha reside com sua família na cidade de Presidente Prudente. Sua residência, localizada em um dos condomínios fechados Damha, foi destaque de uma reportagem na Revista Veja. A revista destacava em suas páginas a moradia dos novos ricos, marcadas, sobretudo, por metragens exorbitantes, uso de materiais nobres, como torneiras de ouro, e todo tipo de exotismo; o que assemelharia essas residências a palacetes ou castelos aristocráticos, movidos pelo desejo de diferenciação social e ostentação. A Revista referiu-se da seguinte forma a residência de Anwar Damha:

Em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, o empresário Anwar Dahma, dono da Encalso, uma empreiteira de obras públicas, ergueu uma casa que, vista de longe, parece um shopping center. Feita em estrutura metálica, ela tem cerca de 3.000 metros quadrados de construção empilhados em três andares, ligados por um elevador panorâmico. A réplica de um aqueduto romano, feito de tijolos, e atravessa a casa de uma ponta a outra, como se fosse sua espinha dorsal: "um enfeite que serve de corredor para os três andares", diz o arquiteto paulista Carlos Bratke, autor do projeto. Da piscina sai uma cascata que vai dar num espelho d'’agua que atravessa o salão de festas. A suíte do casal tem 90 metros quadrados, o tamanho de um apartamento de três dormitórios em São Paulo. O úlltimo andar foi reservado as filhas. Dahma imaginou que iriam continuar no palacete depois do casamento. Assim, fez para elas três suítes iguais, uma academia de ginástica e uma sala de costura. A residência, avaliada em 2,5 milhões de dólares, foi erguida num condomínio de propriedade de Dahma. (TEMPLOS..., 2014)

6.2 O Grupo Encalso Damha