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4. A EXPANSÃO URBANA DE SÃO CARLOS E A EMERGÊNCIA DOS CONDOMÍNIOS

4.2 Indústria e expansão urbana (1930-1959)

Com a crise internacional de 1929, a economia agroexportadora pautada pelo café esgota-se. Embora haja a tentativa do governo federal, com a compra e a queima dos grãos, de frear ou minimizar tal processo, a partir dos anos de 1930 a produção de café foi cada vez mais irreversível. No contexto de crise do café, a cidade de São Carlos, assentada sob essa organização econômica, experimentou mudanças significativas.

Como aponta Devescovi (1985), a desestruturação da economia cafeeira no munícipio foi cedendo lugar às novas atividades. De fato, sob o regime econômico assentado no café, o espaço urbano da cidade de São Carlos já possuía pequenas industriais voltadas para esse produto, como fábricas de sacos para a armazenagem dos grãos, a produção de pequenas peças para as máquinas de beneficiamento do café, assim como fábricas de móveis e de processamento de alimentos. Com a crise do café, em meados dos anos de 1930 e 1940 houve a desativação de numerosas dessas pequenas unidades produtivas, geralmente desenvolvidas por imigrantes. E,

concomitantemente ao fechamento dessas pequenas unidades produtivas, houve o fortalecimento de indústrias maiores, com maiores aportes de capitais, indicadoras da reorganização das atividades econômicas do município. Dentre essas empresas, podemos citar a Companhia Fiação e Tecidos São Carlos e a Lápis Johann Faber

Ltda. Acerca do impacto das duas importantes indústrias locais, Devescovi (1985)

escreve que:

A Companhia Fiação e Tecidos São Carlos, montada em 1911 com a denominação Fiação e Tecidos Magdalena, foi fundada pelos imigrantes Silvério Ignarra Sobrinho (italiano) e Germano Fehr (suíço). Localizada no “bairro industrial de São Carlos”, próximo a estação ferroviária, essa indústria empregava, em 1936, 1090 operários. A Lápis Johann Faber Ltda, por sua vez, resultou da compra da indústria de lápis H. Fehr Ltda, a qual foi fundada em 1925 por um grupo e imigrantes residentes em São Carlos, com capital exclusivamente local, e cujo principal acionista era Germano Fehr. No ano de sua fundação – em 1925 – essa indústria empregava 80 operários e vários constramestres alemães e dinamarqueses. Em 1930, com Germano Fehr à frente, ela se associou à indústria alemã Bleisftbabrik Vorm Johann Faber A. G. e, reorganizada, passou a se denominar Lapis Johann Faber Ltda. Contudo, por volta de 1950, empregando 500 operários e funcionários, ela passou a pertencer exclusivamente, “às firmas brasileiras Indústria e Comércio Germano Fehr S/A; Indústria e Compercio Daco do Brasil S/A e Sociedade Civil L. Faber Ltda.” ( p. 69-70)

Outra empresa importante para o período estudado, e que desempenhou um papel crucial no momento de transição entre a economia cafeeira para a atividade industrial e mesmo após os anos 60 na cidade de São Carlos, foi a indústria Pereira

Lopes Ltda. Como explica Truzzi (2000), a instalação em São Carlos das Indústrias

Pereira Lopes Ltda data de 1945. Inicialmente, essa empresa fabricava e comercializava pequenos motores elétricos. Terminada a Segunda Guerra Mundial, ela passa a fabricar fogões elétricos e a gás, e geladeiras para uso doméstico com a marca Climax, sendo essa uma das líderes do setor no mercado nacional. Assim, a empresa também criou uma rede local de abastecimento de peças, ampliando seu significado e importância para o desenvolvimento industrial do município. Como coloca Truzzi (2000):

Da década de 1950 em diante, fica impossível minimizar a decisiva influência, econômica e política, do grupo Pereira Lopes sobre a cidade. À medida que se desenvolveu, o grupo verticalizou a

produção da empresa matriz, criando localmente uma série de outras firmas produtoras dos componentes utilizados nas geladeiras. A mais importante delas foi, sem dúvida, a linha de compressores herméticos utilizados nas próprias geladeiras, a maior e a pioneira do país. Lã de vidro, plásticos, fundidos, equipamento elétrico, termostatos, trocadores de calor, evaporadores, condicionadores de ar, gráfica e uma frota própria de veículos transportadores são outros exemplos de artigos e serviços que passaram com o tempo a ser explorados por empresas ligadas ao próprio grupo. Enfim, no início da década de 1960, outra enorme empresa também pioneira, foi construída pelo grupo Pereira Lopes: a CBT, Companhia Brasileira de Tratores18 (p. 138-139)

Assim, se com a economia cafeeira o espaço da produção era efetuada no campo, com a crise do café, o espaço da produção passou a ser a cidade. Somando-se a isso, e consequentemente, houve um intenso êxodo rural em direção ao espaço urbano e uma ligeira queda na taxa total de habitantes do munícipio entre os anos 1930 e 1950, uma vez que São Carlos ainda estava se acomodando ao novo processo econômico assentado sob a indústria. Os processos combinados entre êxodo rural, pouco crescimento populacional e reestruturação econômica resultou em mudanças significativas ante o processo de expansão urbana até então verificado.

De 1930 até 1950, a cidade de São Carlos experimentou uma expansão urbana lenta, tendo sido registrado a abertura de apenas 10 dez parcelamentos, porém com alterações substantivas. Até 1930, podemos dizer que havia um rígido controle sobre o crescimento urbano, realizado pelas diretrizes contidas nos Códigos de Posturas do munícipio, como normas para o traçado das ruas, recuo dos terrenos e largura das calçadas (LIMA, 2008). Predominava no pensamento urbanístico do período a identificação com as cidades europeias, principalmente Paris, e assim, as elites dominantes da época, por meio do controle sobre a Câmara, ditava a construção do espaço, ensejando uma cidade, predominantemente, bela, elegante e limpa. Mas, na medida em que o espaço urbano foi se tornando mais complexo, social e culturalmente, as diretrizes antes formuladas pelas elites agrárias foram caindo em desuso ante as necessidades recém-surgidas. Assim, como aponta Lima (2008), com a vinda dos trabalhadores rurais e com o crescimento da população operária, e consequentemente, da demanda por moradias, a expansão urbana

18

A Companhia Brasileira de Tratores (CBT) foi desativada em 1994, com uma dívida de 400 milhões com bancos e financiadores. Por isso, a empresa e boa parte do patrimônio da família Pereira Lopes foi a leilão público.

rigidamente controlada do período anterior cede lugar a uma expansão marcada pela ausência de um planejamento que levasse em consideração a dimensão pública e ambiental da cidade. Pelo contrário, a expansão urbana que se inicia em São Carlos a partir de 1930, e que se intensifica a partir de 1950, é marcada, sobretudo, pela especulação e pelo lucro imobiliário:

As mudanças no controle de expansão trazidas pelo Código de Posturas de 1929 e pela lei de habitação de 1948 tornaram flexíveis os parâmetros urbanos para novos parcelamentos e acabaram abrindo caminho para uma atuação cada vez mais autônoma dos loteadores. O problema é que muitos empreendedores passaram a atuar sem a mínima responsabilidade com o espaço público urbano, e a vontade de ganhos cada vez maiores levava esse perfil de empreendedor a evitar a realização das áreas públicas de forma adequada. Em muitos casos, não eram reservadas áreas para a construção de praças, escolas ou postos de saúde. Com isso, apesar da grande área loteada no período de 1930-1959, a quantidade de área pública foi muito reduzida. (p. 121, grifos nossos)

Dessa forma, a cidade bela, elegante e limpa do período anterior, marcado por lotes amplos, traçado regular, calçadas generosas, arborização e praças bem cuidadas, assim como uma rede de infraestrutura de água potável e esgoto, foi dando lugar a parcelamentos de solo precários, em direção a Rodovia Washington Luís (construída em 1923), sem infraestrutura de saneamento básico, sem continuação com o sistema viário consolidado, com um traçado irregular, em áreas isoladas, com lotes menores e casas autoconstruídas, e praticamente, total ausência de espaços públicos, como parques e praças. Um exemplo emblemático é o caso do Jardim Jockey Clube, parcelado em 1955, que atravessou a Rodovia Washington Luís em uma área rural isolada e desprovido de qualquer infraestrutura.

Desenhava assim os primeiros contornos da segregação socioespacial da cidade de São Carlos. De um lado, a região central e o entorno próximo, bem servidos de equipamentos públicos e infraestrutura, ocupados pelas classes altas e médias. De outro, os bairros mais periféricos, com pouca infraestrutura e equipamentos coletivos, ocupados pelos operários e migrantes rurais pobres. Quanto maior era à distância do bairro em relação ao centro, menor a renda do seu morador.