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III – CICLOS DE VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA E OS PARADOXOS DO VIVER A PARTIR DA MORTE DE UM FILHO

3.4 – A FAMÍLIA SONHO

3.4.1 – APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA: História e Contextualização

A vinculação atual de dona Ester (59 anos) com o CDS é através do neto Micael (16 anos) que está em cumprimento de medida socioeducativa de LA. O neto não tem comparecido ao CDS como exige a medida e, por isso, a avó foi chamada. A assistente social achou-a muito deprimida e soube que ela já havia perdido um filho por morte violenta, Samuel, assassinado aos 19 anos por uma “rixinha”. Por este motivo, Ester foi indicada para participar da pesquisa.

A entrevista foi realizada na residência de Ester. A pesquisadora gostaria de ter conversado também com Micael, mas não foi possível, pois, nos últimos tempos ele pouco tem aparecido em casa. A família vive em uma residência muito simples, de poucos cômodos e com aspecto de abandonada. Conversamos na sala pequena, um ambiente escuro e com paredes cheias de mofo, muito mal conservado.

Dona Ester aparenta ser mais velha do que realmente é. Está com 59 anos, mas se dissesse que tem 80, a pesquisadora teria acreditado. Vivem atualmente no lugar, Ester, seu marido João (65 anos), seu filho Ezequiel (18 anos; já cumpriu medida socioeducativa), e dois netos (Micael, 16 anos, que cumpre a LA e Mirian, 10 anos), filhos de sua filha (Dalila, 32 anos, 4ª série). Ester conta que cuida de mais um neto, Tiago (13 anos), mas ele está passando alguns dias na casa da outra avó. São em seis pessoas no total.

A mãe conta que foi criada na roça, “mas todo mundo era direito, era pobre só”. Segundo ela, violência e morte não existiam lá. Ela e o marido casaram-se ainda na Bahia, passando muita necessidade até migrarem para o DF com os filhos. Depois de alguns anos, conseguiram comprar a casa em que moram até hoje. Na época, Ester também trabalhava e “as coisas eram melhores”, pois, “pensa, um dia não ter um pão”. Refere também que um dos motivos de terem vindo para a cidade foi pensando na oportunidade dos filhos estudarem, serem alguém na vida e trabalharem. A família enfrenta hoje um difícil momento financeiro. Sobrevivem dos “bicos” que o marido faz, transportando pessoas para

Goiânia. Apesar da lotação ser ilegal, é a única opção que têm, mas o carro foi apreendido pela polícia e a família está desesperada tentando conseguir dinheiro para reavê-lo.

João não se aposentou e não consegue mais emprego devido à sua idade. Ester, apesar de ser analfabeta, trabalhou com carteira assinada durante 15 anos na lavanderia de um hotel, mas os filhos começaram a dar problemas e teve que parar. Em função de ter deixado de trabalhar, há cerca de 15 anos também, agora não consegue aposentar-se. Está com sérios problemas na coluna, e já passou por vários médicos. Para ela, se a vida financeira está ruim, tudo vai mal, pois sem dinheiro, “a gente não faz mais nada hoje em

dia”, tem que pagar as contas, tem que comer. Por isso, diz que sua vida é mais dentro de

casa, cuidando dos netos e só saindo para ir à Igreja. Acha que o governo deveria ajudar mais. A família já recebeu cesta básica do governo, mas, após a última eleição, foi cortada. Refere que precisam de ajuda pois estão velhos e, um jovem ainda pode “batalhar, vender

alguma coisa na rua, correr de rapa, andar com uma trouxa”. Segundo ela, não é por

querer, mas existem pessoas que necessitam de ajuda, pelo menos para o arroz e o feijão, porque “você olha para cima, para baixo e não tem nada”. Acredita que muitos jovens não querem trabalhar, mas alguns precisam de uma oportunidade e não têm. O governo deveria ajudar, pois a pessoa tem filhos, quer dar comida e não pode: “Tem uma casa caindo aos

pedaços desse jeito aqui, a gente não dá conta. Fica sem luz, sem água, sem comer”.

Ester teve seis filhos, frutos do casamento que dura 43 anos. Um dos filhos morreu ainda criança, e Samuel foi assassinado aos 19. Restaram três homens e uma mulher. Seu filho mais velho Mateus (42 anos), já esteve preso; depois vem Dalila que, por ser mãe solteira, deixou que Ester criasse seus três filhos para poder trabalhar; Paulo (24 anos), que é “uma pessoa direita” e o caçula Ezequiel (18 anos), que já foi pego com um revólver, mas já “pagou tudo direitinho”. O neto Micael está em cumprimento de LA, mas não tem se comprometido, mal pára em casa e parou de freqüentar a escola. Chegou a iniciar um curso no CDS, mas desistiu em seguida. Relata que na época em que seu marido bebia brigava muito, mandando todos saírem de casa porque ela era sua. Com bêbado, não dá para discutir, então calava. Em sua visão, quando os filhos dão problema, quem deve chamar para conversar é o pai ou o avô. Tenta fazer com que o marido se dê conta disso.

3.4.1.1 - Linha do Tempo

1962 – Ester e João se casam, ainda na Bahia. 1963 – Nasce o primeiro filho, Mateus. 1965 – Nasce o segundo filho.

1968 – o segundo filho morre. 1973 – Nasce a filha Dalila 1980 – Nasce o filho Samuel 1981- Nasce o filho Paulo 1985 – Família migra para o DF 1987 – Nasce o filho Ezequiel

1990 – Ester pára de trabalhar, pois os filhos começam a dar problema. Nesta época, o marido bebe muito e briga com todos. Mateus é preso, mas não fica claro o motivo.

1998 – Nasce a filha de Samuel, que vai para o Rio de Janeiro com a mãe. Samuel ameaça seqüestrá-la e a polícia o prende, mas em seguida o libera.

1999 – Samuel é assassinado por causa de uma rixa com colegas do futebol. Quem assiste à morte não quer testemunhar.

2003 (?) – Ezequiel sofre violência policial. Ester intervém. Acredita que o filho poderia ter sido morto se não tivesse intervindo.

2004 (?) – O filho Ezequiel cumpre medida de LA, pois é pego com uma arma.

2005 – O neto Micael (16 anos) está em cumprimento de LA no CDS, mas não se compromete com a medida. Mateus ainda está em Liberdade Condicional. Ezequiel já está liberado da LA, mas Ester diz que ele é o “mais nervosinho”.

3.4.1.2 - Genograma da Família Sonho

E s t e r 2 5 9 6 5 1 J o ã o 4 3 a n o s S a m u e l 5 1 9 E z e q u i e l 6 1 8 3 M a t e u s 4 2 3 2 4 P a u l o 4 D a l i l a 3 2 8 M i c a e l 7 1 6 1 3 1 0 Ti a g o M i r i a n