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2.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

I – A MORTALIDADE JUVENIL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA – RESSONÂNCIAS NA FAMÍLIA E CORRELAÇÕES ENTRE

2.4 PROCEDIMENTO DE ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A sistematização do material foi realizada a partir de Estudos de Caso. D’Allonnes (1989), diz que o Estudo de Caso visa extrair a lógica de uma história de vida singular, às voltas com situações complexas, trazendo leituras em diferentes níveis. Sua força está na referência à experiência pessoal, ao “vivido”, colocando uma realidade específica em cena. Com o intuito de atingir o objetivo da pesquisa, de valorizar a trajetória, a riqueza e a singularidade da história de cada família, os dados obtidos foram organizados, agrupados e sistematizados na forma de Estudos de Caso. Cada caso, fica assim definido: famílias que sofreram a perda de um filho na condição de morte violenta ou cujo filho tenha sofrido um atentado. Para fins deste estudo, considera-se a morte violenta como sendo o homicídio. Preferimos falar em “morte violenta” do que “violência”, no sentido de focalizar o sofrimento gerado por essa experiência.

Com o intuito de realizar o primeiro nível de análise, organizando temporalmente a história, foram elaborados o genograma e a linha do tempo familiar de cada caso. Na linha do tempo, salientamos eventos significativos vividos ao longo da história da família, bem como a cronologia das violências; no genograma, foram destacadas as violências vividas ou atuadas por cada membro, mortes e uso de drogas, incluindo comentários acerca de cada um. Assim, foi possível obter uma visão global da violência encontrada em cada família, localizando no ciclo vital o momento da morte

dos adolescentes e jovens. Obteve-se, assim, uma melhor compreensão da repetição e recursividade dos fatos violentos em cada estudo de caso realizado.

Segundo Walsh & McGoldrick (1998), os genogramas e as cronologias familiares são sobremaneira úteis para revelar seqüências e coincidências de eventos nodais ao longo do tempo na família multigeracional, permitindo que o profissional organize as informações reunidas em uma entrevista. Pode-se observar todas as perdas e eventos de maior estresse, reconstituindo seu momento, suas circunstâncias e seu impacto, tornando mais fácil a investigação de padrões relevantes para os problemas manifestos, além das estratégias de enfrentamento que vão influenciar a adaptação dos membros da família a estes problemas.

A fim de preservar a identidade das famílias e, ao mesmo tempo identificá-las, optamos por utilizar substantivos no lugar dos sobrenomes. Esta escolha, não foi aleatória, sendo parte da ressonância que a história da cada família gerou na própria pesquisadora. Num primeiro momento, as palavras que surgiram tinham conotação negativa, tais como: medo, tristeza, paralisia, dor. Inconformada com essa sensação, a pesquisadora buscou palavras que trouxessem conotações mais positivas, rompendo com o ciclo negativo, a partir do que se preservava de movimento de vida em meio a tantas mortes e perdas. Para tal, foram escolhidas palavras que pudessem simbolizar cada família, a partir das características mais marcantes de cada uma:

1 – Família Sobrevivência: incontáveis situações de violência diferentes já afetaram esta família. Apesar das inúmeras crueldades pelas quais já passaram, continuam firmes. O nome é inspirado principalmente pela figura da mãe, que já foi moradora de rua. 2 – Família Esperança: apesar da família ter perdido dois filhos e da crise que se abateu sobre todos, a família consegue fazer planos para uma vida melhor: estudo, trabalho, crescimento pessoal.

3 – Família Superação: foi difícil encontrar uma conotação positiva para esta família, dada a cronicidade do sofrimento. Mas a mãe disse que sempre lutou pelos filhos e torce para que tudo flua na vida da filha que lhe resta. Há um esforço de superação da situação traumática.

4 – Família Sonho:apesar da grave crise sócio-econômica que recai sobre a família, é possível perceber que ainda conservam a capacidade de sonhar, de imaginar uma vida melhor para todos, valorizando o pouco que já conseguiram conquistar.

5 – Família União:uma família que não se deixa abater, apesar das perdas e violências. Parece que os irmãos sobreviventes são bastante unidos em torno da figura central da mãe, apoiando-se mutuamente.

6 - Família Fé: o nome foi escolhido pela relação forte que a família mantém com a religião. A família associa que a fé é a única forma dos jovens não cometerem atos infracionais. Filho Jó refere que foi através da fé que parou de usar drogas e não reincidiu mais em atos infracionais.

Pode-se considerar que este já é um primeiro nível de análise dos casos, a partir das impressões e sentimentos mobilizados na luta contra o sofrimento vivido. Segundo Turato (2003), o cientista na pesquisa clínico-qualitativa possui como força motora a sua atitude existencialista. Ou seja, percebe angústias e ansiedades de âmbito pessoal, deixa-se mover por elas, para buscar a compreensão das questões humanas. Identificando-se com o outro, é capaz de acolher as angústias e ansiedades deste. A atitude clínica visa acolher os sofrimentos existenciais e emocionais do indivíduo alvo do estudo, inclinando-lhe a escuta, o olhar e as múltiplas sensibilidades.

Num primeiro momento, foi realizado um nível de análise descritivo, dividido em: apresentação da família (incluindo a linha do tempo e o genograma); o contexto da morte do jovem; ciclo de violência; ressonâncias da perda; atos infracionais, drogas, tráfico e visão das instituições. O texto ficou diversificado a partir das temáticas recorrentes em cada caso. Na seqüência, realizamos uma análise interpretativa, procurando contemplar, na singularidade de cada família, os objetivos específicos iniciais da pesquisa, que foram conhecer, a partir da dinâmica familiar, os seguintes itens: significações em torno da experiência da morte violenta; como a violência se situa no ciclo de vida; as ressonâncias na família; a natureza do sofrimento e recursos para a superação do mesmo.

Na trajetória do tratamento dos dados, à medida em que mergulhamos profundamente em cada história, percebemos que surgiam alguns temas comuns. Por isso, em uma segunda etapa de análise, as histórias foram exploradas em nível transversal. Utilizou-se a perspectiva da análise temática, destacando aspectos recorrentes da trama vivenciada, reagrupando-os em temas comuns, possibilitando destaque a pontos chave. Essas temáticas destacadas foram apresentadas, desenvolvidas e sustentadas através de vinhetas das entrevistas dos familiares.

Segundo Demo (2000), os casos talvez não sejam “representativos”, mas sim, “exemplares”. Pode-se buscar os traços mais comuns que os casos exemplificam, apontando relevos recorrentes. Por isso, nessa análise transversal, privilegiou-se o tema

das ressonâncias nas redes sociais dos jovens, a partir de dois grandes temas: família e grupo de pares

Segundo Turato (2003), “ao querermos conhecer sentidos e significações, buscamos interpretá-los, voarmos com nossa criatividade para compreender os fenômenos” (p. 249). Os temas foram identificados através de várias leituras minuciosas de todos os dados transcritos e o critério foi a sua relevância.

III – CICLOS DE VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA E OS PARADOXOS