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I – A MORTALIDADE JUVENIL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA – RESSONÂNCIAS NA FAMÍLIA E CORRELAÇÕES ENTRE

2.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA

Para a coleta de dados, optou-se por utilizar como fonte principal a entrevista clínica reflexiva e, como fontes secundárias, a observação participante e a consulta ao prontuário do adolescente na instituição, conforme será descrito abaixo. Segundo Bauer & Gaskell (2003), a pesquisa social apóia-se nos dados construídos a partir de textos, imagens e materiais sonoros, reconstruindo a maneira pela qual um determinado grupo social vê a realidade. A partir dessa contextualização, o pesquisador se torna capaz de ver "através dos olhos daqueles que estão sendo pesquisados". Mas antes de entrar em campo, é necessário estar equipado com materiais adequados para que se possa compreender e dar sentido às histórias coletadas. Para Demo (2001), os instrumentos de captação da realidade não são escolhidos inocentemente, estão repletos de compromissos teóricos e ideológicos implícitos.

A coleta de dados teve início após o projeto ter sido autorizado pela Vara da Infância e da Juventude e as entrevistas foram agendadas com o familiar que se dispusesse a participar. Tendo em vista as características das famílias, a maioria dos entrevistados foram mães, pois, em todos os casos, o pai não estava presente, por motivo de separação, morte ou descomprometimento. No decorrer de nossa participação nos grupos multifamiliares, percebeu-se que seria interessante conversar também com adolescentes da família, investigando como o tema da pesquisa afeta os irmãos. Por isso, três adolescentes que estão engajados no cumprimento da medida de LA, também foram ouvidos: dois que perderam irmãos e um que teve a mãe gravemente ferida em um atentado contra a sua vida.

Todas as famílias contatadas foram receptivas à participação na pesquisa, com exceção de uma mãe, que desmarcou a entrevista dizendo não estar “preparada para

remexer neste assunto”. Sua decisão foi respeitada. A realização das entrevistas teve

lugar no próprio CDS ou na casa da família, de acordo com a disponibilidade. Foi fornecido o valor relativo ao transporte para todas as famílias que se dispuseram a comparecer ao CDS. A pesquisadora identificava-se como aluna de pós-graduação da Universidade de Brasília e como observadora do Projeto Fênix. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 1) era inicialmente apresentado como uma medida ética e, depois de discutido e confirmado, dava-se início à entrevista. Era referido também um contrato de sigilo, em que os dados que pudessem vir a identificar os participantes seriam omitidos. Todas as entrevistas foram gravadas em fitas cassete e posteriormente transcritas pela própria pesquisadora. A título de exemplificação, incluímos no ANEXO 2 deste relatório, uma entrevista transcrita na íntegra.

Os aspectos sociodemográficos foram coletados nos prontuários dos adolescentes ou diretamente durante as entrevistas. O material produzido através das observações participantes foi anotado em um diário de campo. Todos os procedimentos de coleta de dados utilizados em cada caso, estão descritos no quadro abaixo:

Quadro V - Procedimentos Utilizados

Tipos Família

Número de

Entrevistas Quem foi entrevistado Acesso aos Prontuários

Observação Participante 01 Família Sobrevivência 02

1 entrevista com a mãe e 1 entrevista com o irmão Davi,

ambas realizadas no CDS

Acesso ao prontuário de Davi, que cumpre LA no CDS.

Contato direto com adolescente e mãe nos grupos multifamiliares 02 Família Esperança 02

1 entrevista com a mãe e 1 entrevista com o irmão Jeremias, ambas realizadas

no CDS

Acesso ao prontuário de Jeremias, que cumpre LA no

CDS.

---

03 Família Superação

01 1 entrevista com a mãe,

realizada em sua residência

Apesar de um dos filhos mortos ter cumprido LA, não

foi possível localizar o prontuário.

---

04 Família

Sonho

01 1 entrevista com a mãe,

realizada em sua residência

Mãe possui um neto na LA e um filho que já cumpriu medida no CDS, mas não foi

possível localizar os prontuários --- 05 Família União 01

1 entrevista com a irmã, realizada no CDS. Mãe não teve condições de saúde para

participar

Acesso ao prontuário do neto

Judá, que cumpre LA no CDS. ---

06 Família Fé

01 Entrevista realizada no CDS

em conjunto com a mãe e um filho

Acesso ao prontuário do filho Jó, que cumpre LA no CDS.

Contato direto com adolescente e mãe

nos grupos multifamiliares

2.3.1 – A Entrevista

A entrevista clínica possibilita que o sujeito aborde livremente o tema proposto, adequando-se bem ao objetivo de dar voz às pessoas vulneráveis. Para Bauer e Gaskell (2003), o emprego da entrevista é o ponto de entrada para mapear e compreender o mundo particular do sujeito da pesquisa. As construções estabelecidas pelas pessoas constituem a sua realidade essencial, seu mundo vivencial e são importantes para que se possa conhecer seu contexto específico.

De acordo com Cruz Neto (1994), na entrevista em profundidade há um diálogo intensamente correspondido entre entrevistador e entrevistado, porém, isto não significa uma conversa despretensiosa e neutra. O foco está na realidade que se quer estudar.

Através desse procedimento, é possível acessar dados mais subjetivos, permitindo que apareça um olhar cuidadoso sobre a própria vivência ou sobre determinado fato. Este relato fornece um material extremamente rico para análises do vivido e, segundo o autor, “nele podemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual” (p. 59)

Para Turato (2003), a entrevista clínica torna possível a obtenção de dados de duas naturezas: objetivos (fatos concretos) e subjetivos, que se referem à pessoa do entrevistado (opiniões, valores e atitudes). É um instrumento precioso de conhecimento interpessoal, facilitando, no encontro face a face, a apreensão de uma série de fenômenos. É interativa e responsiva à linguagem e aos conceitos usados pelo entrevistado e valoriza também o processo de auto-observação do entrevistador.

A entrevista procurou focar algumas áreas de investigação previamente estabelecidas a partir da literatura especializada (Oliveira, Pavez & Schilling, 2002), tendo a violência e/ou a perda como tema central. O roteiro (ANEXO 3) serviu apenas como um ponto de partida, pois, cada entrevista teve suas próprias particularidades, com novas questões sendo abordadas e algumas sendo mais aprofundadas que outras, de acordo com a história de cada família. De acordo com Turato (2003), a entrevista com questões abertas (tópicos e perguntas disparadoras) é um grande instrumento. Há flexibilidade na direção da entrevista, os temas são abordados em ordem livre, com possíveis aprofundamentos em temas que naquele momento parecerem relevantes.

2.3.2 – Fontes Secundárias

Como fontes complementares de obtenção de dados, utilizamos a observação participante e a análise documental dos prontuários dos adolescentes em cumprimento de medida no CDS, que contêm a trajetória das famílias na instituição. Como não foi possível reproduzir o prontuário, descrevemos o formato do documento analisado, no qual constam dados da família, tais como: nome, idade, escolaridade, profissão; programas que participam; resumo das visitas domiciliares; antecedentes como morte, doenças, alcoolismo; envolvimento com a Justiça. O contato com os prontuários complementou os dados obtidos nas entrevistas e a consulta foi feita a posteriori.

A partir das observações participantes no projeto Fênix, foi utilizado também um diário de campo (ANEXO 4), no qual eram feitas anotações após cada visita ao CDS, pois, o contato com alguns sujeitos de nossa pesquisa também foi estabelecido nos grupos multifamiliares. Segundo Cruz Neto (1994), a observação participante é o contato direto do pesquisador com o fenômeno observado, para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos. Nesse processo, o pesquisador pode, ao mesmo tempo, modificar e ser modificado. O diário de campo aparece como o “amigo silencioso” e não pode ser subestimado quanto à sua importância. Nele aparecem percepções, angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através de outras técnicas.