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III – CICLOS DE VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA E OS PARADOXOS DO VIVER A PARTIR DA MORTE DE UM FILHO

3.5 – A FAMÍLIA UNIÃO

3.5.1 - APRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA: História e Contextualização

A família foi indicada para participar da pesquisa pela assistente social do CDS, uma vez que, a mãe, dona Zara (62 anos, 2ª série) perdeu dois filhos por morte violenta: Simão (assassinado aos 20 anos) e Tomé (queimado vivo aos 25 anos, em 2002). Seu neto Judá (17 anos, 6ª série, filho de Simão), está em cumprimento de medida socioeducativa no CDS, porém, não tem cumprido o que a justiça determinou, não comparecendo para o acompanhamento necessário.

Zara possui muitos problemas de saúde e quando a família foi contatada para participar na pesquisa, sua filha Raquel (23 anos, 2º grau), responsável por Judá, foi quem se propôs a participar, alegando que a mãe não tem condições físicas, nem psicológicas de abordar o assunto. Sempre que se fala com Zara a respeito da morte dos filhos, sua pressão sobe, ela passa mal. Já teve três derrames e, por medo de que a mãe acabe no hospital, Raquel opta por comparecer sozinha à entrevista. A pesquisadora pretendia conversar também com Judá, que teve o pai assassinado, porém, seu paradeiro é desconhecido. A família vem tendo muitas dificuldades de impor-lhe limites.

Dona Zara veio da Bahia e nunca se casou oficialmente. Teve no total 08 filhos, quatro mulheres e quatro homens, frutos de três relacionamentos diferentes. Restam quatro mulheres e dois homens.Raquel nasceu da última união, mas, nem chegou a conhecer seu pai. Sua referência paterna é o padrasto, com o qual convive desde os quatro anos. Raquel não sabe dizer como foi a qualidade dos relacionamentos da mãe, apenas que ela acabou criando os filhos sozinha, sem a assistência paterna.

A família é humilde e vive em condições precárias. Moram em um lote dividido em vários barracos. Vivem atualmente em 12 pessoas, contando com as crianças. Cada família ocupa um barraco e o sobrinho Judá também tem um quarto separado. Raquel descreve a família como muito unida. Zara está vivendo em outra cidade há um ano, na tentativa de afastar o neto Judá do meio em que andava e de ter mais controle sobre ele. O neto chegou a ir com a avó, mas em seguida voltou.

Zara sempre trabalhou como diarista mas, atualmente, ela e Raquel estão desempregadas. A filha Cloé, que vive no mesmo lote, trabalha e ajuda no sustento. A família já participou de vários programas assistenciais do governo, entre eles, a bolsa Criança-Cidadã, o Pão-leite (pró-família) e o PETI, na época em que Judá (aos 13 anos) e o primo Jessé (aos 10 anos) trabalhavam como guardadores de carro.

Judá foi criado por Zara e Raquel porque “a mãe dele não prestava”. Betânia era viciada em álcool e drogas (cocaína e merla). Simão, seu pai, foi assassinado a pauladas e sua mãe morreu de Aids, há menos de um ano. Judá nunca morou com a mãe. Antes de Simão falecer, ele pediu a Zara que cuidasse do menino. Betânia teve ainda mais quatro filhos, abandonou dois e criou dois. Seu terceiro marido também era portador do vírus HIV e viciado em drogas. Em 2003, o casal foi internado numa instituição para recuperação, porém, fugiram, ficando nas ruas e voltando a utilizar drogas, usando os filhos para esmolar. Judá dizia que a mãe não gostava dele e evitava o contato. Quando Betânia morreu, Zara ficou com os dois irmãos de Judá (3 e 5 anos) por um tempo, pois as crianças não têm família.

3.5.1.1 - Linha do Tempo

198? – Tomé leva um tiro na cabeça e fica com uma bala alojada no crânio. Isso o deixa sempre muito nervoso

1988 – Simão ameaça a própria mãe de morte por intrigas da esposa. Nasce seu filho Judá.

1989 – Simão morre assassinado. Deixa o filho Judá, com um ano de idade. A mãe o abandona e a avó Zara passa a criar o menino.

199? – Betânia, mãe de Judá, passa a utilizar muitas drogas.

199? – Tomé bebe demais.

1996 – Judá começa a “dar trabalho”, aos 8 anos de idade.

199? – Betânia contrai o vírus HIV.

2002 – Tomé morre assassinado numa briga. Betânia utiliza os filhos pequenos para esmolar.

2003 – A mãe de Judá é internada numa clínica, para desintoxicação. Judá só fica na rua, pouco aparece em casa. Sai da escola. Torna-se agressivo e passa a falar palavrões para a avó. Trafica drogas. É baleado após uma brigar com outro rapaz em uma festa. É preso por assalto, passando 43 dias internado no CAJE. É encaminhado para a Liberdade Assistida, pelo prazo de um ano. Judá é detido com dois pacotes de cocaína. Vai para o Caje novamente.

2004 – Mãe de Judá morre em decorrência da AIDS. Seus dois irmãos vão para uma instituição. Judá envolve-se com gangues. Muda com a avó para outra cidade, mas acaba retornando. Judá está em Liberdade Assistida mas não comparece às audiências.

2005 – Judá trafica drogas. A avó quer denunciá-lo, mas tem medo. Judá está agressivo e rebelde. Vai novamente para o CAJE por tentativa de roubo. Ameaça um rapaz de morte.

2006 – Judá está preso no Núcleo de Custódia, pois foi pego reincidindo (assalto) e já se tornou maior de idade.

3.5.1.2 - Genograma da Família União 1 6 2 Z a r a 1 ª u n i ã o 4 ª u n i ã o R a q u e l 6 2 3 1 ª u n i ã o 2 ª u n i ã o B e t â n i a 3 2 S i m ã o 2 0 4 1 7 J u d á ? 3 ª u n i ã o 7 G a b r i e l 1 5 6 4 2 ª u n i ã o 5 To m é 2 5

LEGENDA DO GENOGRAMA

1 – Após a morte dos filhos, tornou-se uma pessoa nervosa. Já teve três derrames e não consegue falar sobre o assunto. Pensa em denunciar o neto Judá, mas tem medo.

2 – Violento, chegou a ameaçar a própria mãe de morte, por intrigas da esposa. Morreu assassinado, mas a família não sabe o motivo.

3 – Alcoolista e viciada em drogas (cocaína, merla). Entregou Judá para a avó criar. Teve mais dois filhos, que doou para adoção. De sua terceira união, teve mais dois filhos. O casal os usava para esmolar. Seu marido era viciado e portador do HIV. Betânia foi internada numa clínica, mas fugiu e voltou para a rua. Em 2004, faleceu de AIDS.

4 – Diz que sua mãe não gostava dele. Agressivo e rebelde, ameaça a todos que tentam ajudá-lo. Não freqüenta a escola. Cumprimento de várias medidas (internação no CAJE, semiliberdade e liberdade assistida). Atos infracionais: assalto, roubo de carro, porte de arma, tráfico de drogas. Envolveu-se com gangues e foi baleado (4 tiros). Já tentou matar outro rapaz. A família teme por sua vida. Enquanto estava na LA, foi pego praticando assalto e atualmente está detido no Núcleo de Custódia.

5 – Alcoolista e usuário de drogas. Tinha uma bala alojada no crânio, fruto de uma briga, que o deixava nervoso e perturbado. Arrumava confusão com todos, até com a família. Morreu queimado vivo, em uma briga por R$ 1,00.

6 - O assassino de Tomé, tentava intimidar Raquel na saída da escola. Em sua primeira união, engravidou, mas numa briga com o companheiro, perdeu a criança. Em sua segunda união, com um PM, por duas ocasiões quase atirou no marido, por ciúmes.

7 – Via as coisas erradas que Judá praticava, mas não falava nada por medo.