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I – A MORTALIDADE JUVENIL NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA – RESSONÂNCIAS NA FAMÍLIA E CORRELAÇÕES ENTRE

2.1 ORIENTAÇÃO METODOLÓGICA

O método científico clássico nos ensinou que só é possível conhecer uma realidade que for decomposta, olhada aos pedaços. Surgiu como uma tentativa de encontrar a "realidade escondida por trás das aparências", a partir dos pressupostos de simplicidade (relações causais lineares), estabilidade (previsibilidade e controlabilidade) e objetividade (conhecer o mundo tal como é) (Vasconcellos, 2002). A partir desta visão, antecipa-se que a realidade seja governada por leis simples e, portanto, é preciso simplificá-la ao máximo, no intuito de chegar a uma verdade única e invariável. Criou- se, assim, um cenário de especialização e separação sujeito-objeto. Na busca de uma validade homogênea, a psicologia também incorporou estes modelos de pesquisa, sem considerar que seu objeto de estudo é um ser complexo, em contexto.

Neste modelo, cria-se uma rigorosa separação: de um lado, o sujeito que investiga e, de outro, o objeto do conhecimento. Esta cisão faz com que se perca exatamente a riqueza do processo, ou seja, o encontro e o confronto entre seres que possuem histórias e trajetórias diferentes, leia-se, suas próprias complexidades.

As mudanças paradigmáticas na ciência pós-moderna, abriram um novo leque de possibilidades teóricas e metodológicas, que têm contribuído para as ciências humanas como um todo. Encontramos uma nova alternativa de relacionamento com a realidade, pois, mesmo que explicar seja também simplificar, não podemos eliminar a tessitura complexa do mundo (Demo, 2000). Surge neste cenário, a necessidade de um princípio de explicação mais rico que o da simplificação (disjunção-redução), estabelecendo a comunicação entre o objeto e o ambiente, o que é observado e o seu observador, as várias disciplinas. Esta pluralidade é a proposta da Complexidade e seu método. Para Morin (1991), é preciso olhar o indivíduo inteiro, em seu contexto:

"Por toda parte o sujeito se reintroduz no objeto, por toda a parte o espírito e a matéria chamam um pelo outro em vez de se excluírem, por toda a parte cada coisa, cada ser reclama a sua reinserção no ambiente." (Morin, 1991; p.207)

Uma das marcas mais fortes dessa mudança de paradigma é a busca de um conhecimento não rígido, optando pela discutibilidade infinita da ciência: "só pode ser aceito por científico, o que for discutível formal e politicamente." (Demo, 1997, p. 10). Para Demo, o etos do conhecimento pós-moderno é tipicamente desconstrutivo, pois, ao invés de produzir certezas, tornou-se marcadamente uma estratégia de as desmontar. Neste sentido, cada teoria é feita, não para atingirmos algum porto seguro, mas para navegar em frente: "se existe alguma coisa permanente em ciência, é a provisoriedade de seus resultados, ou a perenidade do questionamento" (Demo, 1997, p. 14).

Os novos métodos qualitativos propõem um diálogo crítico com a realidade, buscando compreender o comportamento das pessoas em contextos sociais específicos, conseguindo responder melhor a uma realidade complexa em sua essência (Demo, 2000). Sendo assim, o aprofundamento particular e pontual em determinadas histórias e contextos também pode trazer contribuições científicas. Para González Rey (2002), toda pesquisa qualitativa deve implicar o desenvolvimento de um diálogo progressivo e organicamente constituído. O pesquisador converte-se em sujeito intelectual ativo durante o curso da pesquisa, participando das relações, produzindo idéias, confrontando-as com os sujeitos pesquisados, em um processo que o conduz a novos níveis de produção teórica. O relacionamento com o sujeito pesquisado é o principal protagonista da pesquisa e os instrumentos ganham papel secundário.

É claro que necessitamos sempre de um ponto de partida, pois, "não é viável combater o método sem método". Porém, para Demo (1997), o uso do método tradicionalmente se torna tão forte, que dificilmente a ciência consegue evitar a sua "ditadura", ou seja, privilegiar mais o método do que a realidade. Neste sentido, Morin (1991, 1996) nos alerta para aqueles momentos em que as teorias viram doutrinas e ideologias, perdendo seu caráter provisório e de auto-reflexão. Se esse fator já é complicado nas práticas científicas em geral, imaginemos o quanto isto se torna claudicante na pesquisa em psicologia clínica, área de acolhimento das singularidades e relacionamentos. Sendo assim, a pesquisa qualitativa deve formalizar o conhecimento, mas, sempre procurando preservar a realidade e sua complexidade inerente.

Demo (2001) prefere falar em "intensidade" do que em qualidade, pois, a noção de intensidade volta-se para dimensões marcadas pela profundidade, pelo envolvimento e pela participação, sendo própria de fenômenos complexos. São complexos não só

porque estão dotados de componentes múltiplos, mas sobretudo porque são ambíguos: "A realidade está mais próxima da metáfora do caldeirão, onde tudo ferve e se transforma, do que do texto analítico sistemático que, por força do próprio destino, só retrata o que é sistemático." (Demo, 2001, p. 16).

Segundo Minayo (1994), os objetos das ciências sociais são históricos: “vivem o presente marcado pelo passado e projetado para o futuro, num embate constante entre o que está dado e o que está sendo construído.” (p.13). A realidade social possui dinamismo, transbordando riqueza de significados, pois, é mais rica do que qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela.

Sendo assim, na consecução desta pesquisa, também optamos por uma metodologia qualitativa, por privilegiar um olhar focal sobre os fenômenos, destacando processos construtivos e dialéticos. Segundo Minayo (1994), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações. A pluralidade de métodos é fundamental ao abordarmos temas como exclusão social, delinqüência, violência. Para Neubern (2004), a psicologia clínica possui um apelo que é interdisciplinar e nas pesquisas desta área, deve-se considerar as trajetórias sociais dos sujeitos.

A partir do tema amplo e complexo como se configura o estudo das ressonâncias da violência contra adolescentes e jovens nas redes sociais, procuramos, neste estudo, fazer um recorte, aprofundando sofrimentos vividos pela família em contexto de vulnerabilidade social, a partir de uma das facetas da violência: aquela que extermina a cada ano, silenciosamente, milhares de jovens de nosso país. Optamos, assim, por trabalhar com Estudos de Caso familiares (6 casos), privilegiando o reconhecimento da singularidade das histórias das famílias, ao mergulhar com profundidade nas mesmas, a partir do entendimento dos próprios sujeitos acerca de sua história (González Rey, 1997). Nesse processo, estamos cientes de que esta pesquisa é uma tentativa de aproximação da realidade, e que nenhum método conseguiria apreender um processo complexo e contraditório como é a trajetória desses adolescentes e jovens vítimas de violência, em sua totalidade.