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CAPÍTULO 1: QUADRO TEÓRICO

1.2 Enredando o paradigma da complexidade

1.2.2 Compreensão da motivação como sistema complexo

1.2.2.2 Fase sociodinâmica

Nesse outro momento de investigação da motivação, sua dimensão processual continua sendo valorizada. Além disso, ela permanece compreendida como um fenômeno que “move pessoas para fazer certas escolhas, a se engajar em uma ação, a despender esforço e a persistir nela [...]”27 (DÖRNYEI; USHIODA, 2011, p.3), requerendo o estabelecimento de objetivos e o emprego de planejamento e de esforço para alcançá-los (BROWN, 2007); que é inconsciente e consciente, autorregulável pelo sujeito e sensível a influências internas e externas (DÖRNYEI, 2000); bem como que é entendido por meio do diálogo entre teorias novas e antigas como buscou-se fazer para a elaboração do MPM.

Este tipo de diálogo aconteceu em nossa pesquisa, uma vez que recorremos a teorias motivacionais anteriores à fase sociodinâmica, interligando-as ao nosso leque de possibilidades para lidar com a motivação no aconselhamento linguageiro enquanto um sistema complexo. Estas foram a Teoria da Autodeterminação, a Teoria da Atribuição e a Teoria do Sistema Mo- tivacional do Self 28 na aprendizagem de Língua Estrangeira.

A Teoria da Autodeterminação (DECI; RYAN, 1996), advinda do campo da psicolo- gia motivacional, é voltada à verificação dos efeitos da motivação intrínseca e extrínseca no contexto escolar e a relação desses com o comportamento autodeterminado dos alunos. De acordo com Matos (2011), essas “investigações serviram para se entender melhor as razões que levam alunos a agir de modo engajado nas suas atividades”. Nesse estudo, seus autores estabe- leceram a ligação entre motivação intrínseca e autodeterminação, chegando a afirmar que em situações de aprendizagem, os alunos têm uma inclinação natural para se comprometerem com atividades de ensino que escolhem para si por vontade própria e esse envolvimento funciona para torná-los autodeterminados em buscar objetivos. Porém, com o prosseguimento das inves- tigações, Deci e Ryan argumentaram que a motivação intrínseca não é o único fator determi- nante do sucesso da aprendizagem, posto que as recompensas externas (motivação extrínseca) também podem gerar interesses e serem determinantes a esse sucesso. Nesse caso, se as re- compensas externas forem suficientemente desejadas, elas podem ser combinadas com a moti- vação intrínseca, ou até mesmo, levar a ela.

27 “What moves a person to make certain choices, to engage in action, to expend effort and persist in action [...]”. 28 Outras possibilidades para se referir a este modelo são: Modelo de Auto Sistema Motivacional na Segunda Língua e Teoria do Sistema Autoidentitário para a Aprendizagem de Língua Adicional.

A Teoria da Atribuição (WEINER 1996, apud WILLIAMS; BURDEN, 1999), tam- bém é do campo da psicologia motivacional. Nela, “os sucessos e fracassos pessoais de expe- riências de aprendizagem passadas são explorados, pois são compreendidos como pré-deter- minantes na motivação de ações atuais e futuras” (MATOS, 2011, p. 27). Neste caso, as atri- buições a eles podem advir da combinação dos seguintes tipos de fatores: internos, externos, estáveis ou instáveis. Para que o processo motivacional seja favorecido é preferível que o aluno atribua bons resultados a fatores internos e estáveis, como a suas habilidades pessoais, e seus fracassos, a fatores externos e não permanentes, tais como uma sala de aula barulhenta, ou um mal estar físico por ocasião de uma prova, por exemplo (USHIODA, 1996; MATOS, 2011). Sob esse ponto de vista, o desejo de obter boas notas no histórico escolar, de receber recom- pensas materiais, privilégios, prêmios ou outros reconhecimentos – todas formas de motivação extrínseca – contribuiriam para que o aluno se interessasse genuinamente pela aprendizagem, tornando-o intrinsecamente motivado (DÖRNYEI, 2001; DANTAS; MAGNO e SILVA, 2008; MATOS, 2011).

A Teoria do Sistema Motivacional do Self na aprendizagem de Língua Estrangeira (DÖRNYEI, 2005; DÖRNYEI; USHIODA, 2011), é baseada, por um lado, em Markus e Nu- rius (1986) que exploram os “eus possíveis”, e, por outro, nos estudos a respeito do impacto das experiências de aprendizagem de LA na motivação dos alunos desenvolvidos na área de Linguística Aplicada (USHIODA, 1996; DÖRNYEI, 2000). De acordo com Matos, Cruz e Ra- mos (2015, p. 2), nele são exploradas “as projeções da identidade de indivíduos por meio de seus sonhos e temores em relação ao seu futuro”, considerando o eu ideal, o eu que devo ser, o eu temido e as experiências de aprendizagem influenciando o eu real, aquele do presente. De- talhamos a seguir esses componentes do modelo.

O eu ideal é o eu no futuro. Corresponde à autoimagem do aluno quanto ao que ele gostaria de se tornar no futuro. Segundo Dörnyei (2005), é importante que ao menos em uma das facetas dessa projeção esteja a vontade de se tornar um falante de LAd e que esse desejo esteja internalizado de modo detalhado e vívido no presente para que tenha potencial para ener- gizar as ações necessárias para tornar realidade o que no momento atual é virtual. Ushioda (2010) coaduna com este pensamento, afirmando que este é um aspecto essencial à manutenção da motivação ao desenvolver uma identidade como usuário da LAd, sabendo cada vez mais do que se deseja ser envolvendo-a.

O eu que devo ser considera tanto os atributos que o aluno constrói como necessários para si a fim de alcançar o seu eu ideal, como também as atitudes que ele percebe que os outros

esperam dele para o mesmo fim. Dessa forma, sua elaboração é fomentada por motivos extrín- secos, elaborados principalmente por pressões sociais que impõem certos padrões comporta- mentais indispensáveis para que o aluno satisfaça as suas ambições e que o levem a lidar com o medo de se tornar algo indesejado tanto para si quanto para os outros (MATOS; CRUZ, RA- MOS, 2015).

O eu temido, é aquele que o aluno não gostaria de se tornar no futuro, e que, portanto, representa uma projeção que contribui para regular suas atitudes de modo que ela são se torne uma realidade para si.

Além destes possíveis eus, esse modelo considera a influência de experiências de aprendizagem. Estas envolvem, como colocam Matos, Cruz e Ramos (2015, p.3), “o impacto do professor, dos colegas, da família, do currículo, das outras disciplinas, dos outros processos de aprendizagem e de experiências” que sejam positivos ou negativos, servindo para aproximar ou distanciar o alcance do eu ideal. Por meio da reflexão acerca dessas experiências mais a projeção dos eus do referido modelo, espera-se, como mencionam os mesmos autores, contri- buir para autorregular as atitudes do eu real, para que o eu projetado para o futuro fique cada vez mais próximo de se tornar realidade, ao contrário do eu temido.

Mas então o que há de novo na fase sociodinâmica? Pelo que conhecemos, ela é uma proposta para lidar com o processo motivacional mais próximo de como ele se desenvolve. Para tanto, inova ao buscar a contribuição de preceitos do paradigma da complexidade, alinhando o estudo da motivação humana realizado pelas ciências sociais à descrição de fenômenos mundi- ais desenvolvidas pelas ciências naturais, cujas características já abordamos neste capítulo (DÖRNYEI; MUIR; IBRAHIM, 2014, p. 24).

Nessa condição, coloca-se de lado a linearidade que articula causa e feito e assume-se o primado das inter-relações. Assim, a motivação é vista como um sistema complexo que se re- laciona com outros sistemas, bem como, é vista como um subsistema presente em sistemas maiores, todos eles tecendo diversas interligações e por conta disso, com capacidade de afetar uns aos outros. Além disso, conforme mencionam os mesmos autores, o comportamento desses sistemas “[...] emerge da interação dinâmica de seus múltiplos componentes, os quais eles mes- mos estão mudando constantemente”29.

29 “The behavior of a system emerges out of the dynamic interaction of its multiple componentes, which are them- selves also constanly chaning”.

Nessa perspectiva, é examinada a relação existente entre a motivação e o indivíduo em contexto que implica em ver o processo motivacional interligando-o a diversos aspectos do cotidiano e da identidade dos participantes do nosso estudo, assim como aos processos que ocorrem ao mesmo tempo em que o aconselhamento se desenvolve. Dessa forma, pensamos que, para saber das influências externas na motivação, interessará conhecer de cada aconselhado os seus gostos, as suas amizades, a sua família, a sua saúde, as disciplinas em curso, as demais línguas que aprende, dentre outras informações que ele se sinta à vontade para compartilhar. Com isso, esse exercício se molda em acontecimentos do dia-a-dia, integrando aspectos sociais e culturais. Tudo isso compõe um conglomerado dinâmico a ser acompanhado continua- mente de modo a gerar informações atualizadas.

Em se tratando do aconselhamento linguageiro, muitos desses dados emergem natural- mente, principalmente em narrativas escritas pelos aconselhados. Porém, em primeiro lugar, conversas precisam ser tecidas nesses encontros. Logo, eles se tornam espaços privilegiados para que o aluno possa “falar por si mesmo” 30 compartilhando e engajando suas múltiplas identidades no processo de aprendizagem de uma LAd. Ushioda (2010; 2011) entende ações dessa natureza como lidar com identidades transportáveis, termo que doravante adotaremos. Para a autora, isso significa que a sala de aula também é um ambiente que pode valorizá-las nos momentos de aprendizagem visando favorecer a motivação. Essa é uma possibilidade, já que por serem significativas aos alunos, há chances de suscitarem um maior envolvimento seu nas atividades a que elas se encontram atreladas.

Isto nos leva à relação entre a motivação e a identidade do indivíduo. Esta realção pode funcionar como de ponto de partida para traçar metas e como ponto de referência para monitorar as tentativas de se alcançá-las. Para isso, há a opção de se lançar mão do Sistema Motivacional do Self na aprendizagem de Língua Estrangeira (DÖRNYEI, 2005; DÖRNYEI; USHIODA, 2011), o qual já nos referimos anteriormente. Ao incorporar essa teoria à fase so- ciodinâmica de estudos da motivação, o termo sistema em sua denominação pressupõe que seu funcionamento engloba interligações entre seus componentes. Assim, as interações atuam para diminuir ou acentuar as discrepâncias entre os “eus possíveis”, afetados pelas experiências li- gadas à sala de sala, mas também por aquelas que as transcendem.

Sob essas considerações, investiga-se o que, entre outros autores, Dörnyei, Ushioda (2010; 2011) e Paiva (2011) compreendem como motivação dinâmica e complexa. Para nós,

30 “speak as themselves”

termo dinâmico tem ligações com o entendimento prévio de que a motivação é um fenômeno processual, estando em constante mudança. Já o termo complexo, ao que tudo indica, sinaliza a integração de um novo alinhamento voltado a investigar a motivação também sob princípios do paradigma da complexidade. Assim, ela é vista como um sistema aberto, que influencia outros sistemas e subsistemas e é influenciada de diversas maneiras por eles também. Além disso, é não linear, não redutível a componentes individuais, não previsível, estando sujeito a todos os movimentos de um sistema à beira do caos. Para nós, estas características correspon- dem ao que já entendemos neste estudo como sendo um sistema complexo.

Há ainda autores que vêem a motivação como um sistema complexo ressaltando seu potencial enquanto um parâmetro de controle. Para Escudero (2013, p. 468), parâmetros de controle “são elementos de um sistema complexo que influenciam fortemente o comportamento de seus componentes”31 em sua ação, reação e retroação (ESCUDERO, 2013, p. 468). Para Larsen-Freeman e Cameron (2008, p. 54), parâmetros de controle levam ao entendimento de mudanças, como já sabemos. outro ponto-chave para a compreensão de sistemas com- plexos. Dessa forma, eles propiciam a identificação do que move um sistema e nos ajudam a saber como nele intervir. Neste sentido, as autoras defendem que, em sendo a motivação um parâmetro de controle, ela pode contribuir, por exemplo, para “manter o sistema de aprendiza- gem se movendo em seu espaço de fase, afastando atratores, tais como a preferência por assistir televisão no lugar de fazer o dever de casa”32 (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008, p. 54).

Além desses aspectos, Larsen-Freeman e Cameron (2008) ainda frisam o caráter de interdependência entre os componentes de um sistema complexo. Nele, o processo motiva- cional energiza-se de experiências muitas vezes decorrentes do que vivenciamos na coletivi- dade por meio das relações que tecemos. Porém, são as repercussões imprevisíveis desses encontros que tornam os processos motivacionais de fato individuais.

Um exemplo disto em sala de aula ocorre quando um professor propõe uma atividade a um grupo de alunos, visando lidar com a motivação da turma. Todos os presentes experimentam a mesma atividade, mas o seu impacto é singular a cada um. Para um professor atento ao pro- cesso motivacional na aprendizagem, este é um fenômeno corriqueiro que, pelas lentes da com- plexidade, não causa estranheza. Isto porque, cada aluno é um sistema complexo interligado a

31 “[...] elements of a complex system that strongly influence the system’s behavior”.

32 “[...] it will help keep the learning system moving across its state space, avoiding attactors such as preference for watching television over doing homework”.

outros subsistemas e sistemas complexos nos quais as redes de relações são compostas por “ingredientes” comuns a todos naquela sala (como o fato de compartilharem o mesmo livro e o mesmo professor), mas também específicos (como a relação passada e presente de cada um com a sua aprendizagem e as emoções ligadas a ela em cada momento). Assim, a integração de diversos componentes influencia a motivação para desempenhar uma atividade, sendo os seus resultados variados e nem sempre, ou, nem para todos os alunos, os desejados. Com isso, torna- se ainda mais relevante o fato de que lidar com a motivação na perspectiva da complexidade é também caminhar por terrenos de incertezas que exigem um pensamento diferente. Nesse caso, é preciso deixar de lado a preferência por certezas, aquelas “que tanto queremos” e que “não existem no mundo real na mesma medida em que as idealizamos” (MARIOTTI, 2010, p. 84).

Nesta seção, mostramos duas das fases mais recentes do entendimento teórico da moti- vação voltada à aprendizagem de línguas adicionais para esclarecer o que consideramos para estudá-la enquanto um fenômeno abordado pelo paradigma da complexidade. Na próxima se- ção, tratamos de estratégias motivacionais e de como as vislumbramos à luz da complexidade ao expor o apoio que buscamos para abordar o conhecimento teórico que levantamos na prática do aconselhamento linguageiro.