• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: QUADRO TEÓRICO

1.1 Paradigmas científicos: abrangência, influências e evolução

1.1.2 A emergência de conceitos-chave para o paradigma da complexidade

1.1.2.2 Teoria Cibernética

Entrelaçada à Teoria Geral de Sistemas, a teoria cibernética se desenvolveu a partir da década de 1940, pensada Robert Wiener (1894-1964) como “arte da comunicação e do controle dos seres humanos, máquinas e animais” e como “[...] a ciência dos sistemas de controle” (MARIOTTI, 2010, p. 85), nos quais se autorregulam, se autoproduzem e se auto-organizam. Sob estas definições, ela também é conhecida como Cibernética de Primeira Ordem e surgiu com o objetivo de construir máquinas que reproduzissem os mecanismos de funcionamento dos sistemas vivos. Dentre seus achados, interessaram ao nosso trabalho:

- Noções de “circularidade (feedback)” como princípio da causalidade circular, entendida como

[...] retroação sistêmica ou retorno do efeito sobre a causa com a realimentação desta. [...] A retroalimentação é fator de melhoria dos sistemas, tende a rees- truturá-los e permite que se autorregulem e se auto-organizem num nível mais evoluído de complexidade (p. 85-86).

Desta forma, a Teoria Cibernética contesta a causalidade linear, defendida no paradigma da simplificação, e amplia percepções acerca dos processos de autorregulação característicos da vida (CAPRA; LUISI, 2015), associando-os à adaptação de sistemas vivos, sujeitos à constantes mudanças do ambiente em que estão, o que permite mantê-los estáveis diante dessas variações (MARIOTTI, 2010). Com este estudo, o ciclo de feedback é o mecanismo essencial de autorregulação e a predisposição tanto à estabilidade dinâmica quanto à mudança torna-as condições interdependentes e complementares, “indispensáveis à existência da vida” (OSORIO, 2013, p. 25). Assim, é compreendido que sua alternância é necessária para “o estado de ‘saúde evolutiva’ dos organismos (tanto biológicos quanto sociais) ” (p. 25).

Por este caminho, a visão simplista do mecanismo de regulação é transcendida, dando vez ao processo de retroação sistêmica, à medida em que este, conforme explica Santos (2005, p. 3), é visto como “[...] a espiral geradora na qual, os produtos e os efeitos são simultaneamente produtores e causadores daquilo que os produz” . Dessa forma, os fenômenos e os seres vivos são concebidos como “causas e causadores, modificados e modificantes, influenciando tanto a si, como aos outros e o meio”. Em sendo assim, “todos os seres (e suas ações) são importantes, não existindo contribuição desnecessária (especialmente nas relações humanas), pois uma ação individual pode reconfigurar um sistema (dependendo da ecologia das ações)” (p. 3). Este ponto de vista, de acordo com o mesmo autor, diz respeito ao princípio da recursividade, que o filósofo Edgar Morin (1921- ), em diálogo com o princípio da causalidade circular da Cibernética, assume como uma das bases para o paradigma da complexidade.

- A emergência de processos de auto-organização compreendida como padrão ordenado que emerge espontaneamente em qualquer estado inicial das redes (CAPRA; LUISI, 2015). Sobre isso Borgattti (2009, p. IX) diz que a

Auto-organização tem sido uma das questões mais exploradas em sistemas complexos. Trata da dinâmica organizacional que ocorre sem a necessidade de um organismo central de planejamento – seja externo ou interno – em que as interações simultâneas dos seus componentes individuais podem provocar uma organização não planejada do todo [...].

Para Capra e Luisi (2015), compreender padrões significa considerar “uma configuração de relações características de um sistema em particular” de modo que compreender a vida sob o pensamento sistêmico, começa com “a compreensão do padrão” (p. 129). Desse modo, “o que é destruído quando um organismo vivo é dissecado é o seu padrão. Os componentes ainda estão lá, mas a configuração de relações entre eles – o padrão – é destruída, e por isso o organismo morre (p. 130). Isso implica também em apreender propriedades de um padrão enredado, “sendo a mais óbvia delas, a sua não linearidade, estendida em todas as direções” (p. 131). Para os mesmos autores, no estudo da rede padrão de comunicação entre comunidades ativas em siste- mas sociais, trabalha-se com o pressuposto de que seus membros poderão aprender com seus erros, pois “ [...] as consequências de um erro se espalharão pela rede e retornarão à fonte por meio de ciclos de feedback” (p. 131). Assim, há possibilidades de correção, de regulação e de reorganização. Estes achados contribuíram para o desenvolvimento de modelos de sistemas auto-organizadores no final da década de 1970 e durante a de 1980.

- A inclusão do observador, como “parte indissociável do sistema observado” e que, portanto, “necessariamente o afeta” (OSORIO, 2013, p. 27). Esse aspecto vai ao encontro de ideias sistêmicas de outros campos, por exemplo, os princípios da incerteza e da imprevisibilidade da Física Quântica, e é um dos fundamentos que geram a Cibernética de Segunda Ordem, na qual o observador encontra-se atento “para sua própria participação no processo” sob estudo. (CAPRA; LUISI, 2015; OSORIO, 2013, p. 27).

Em geral, tanto a Teoria Geral de Sistemas, quanto a Teoria Cibernética, nos estados nos quais apresentamos, contribuíram significativamente para o desenvolvimento de conceitos sistêmicos que passaram a integrar a linguagem científica, levando a novas metodologias e aplicações em diferentes áreas do conhecimento.

Embora a Teoria Geral de Sistemas, pensada por Bertalanffy (2015), seja apenas uma das peças do mosaico que compõe o paradigma da complexidade, o que aprendemos a seu respeito esclareceu quais seriam as implicações de se considerar a abertura de sistemas complexos, algo com que tivemos que lidar ao longo de toda nossa pesquisa. Quanto às

diferentes fases da Cibernética, seu primeiro momento suscitou em nós, reflexões sobre o uso de simulações e do controle em abordagens à complexidade. Conseguimos compreender mais acerca desta questão por meio de Mariotti (2010, p. 86), quando este ressalta que, com o tempo, as formulações matematizadas de Wiener (seu fundador), foram associadas à ideia de controle às últimas consequências, criando a “ilusão” de que “seria possível exercer um domínio quase absoluto sobre coisas e pessoas”. Dessa forma, ela seria associada a modelagens, previsibilidade e quantificação. Isso, segundo Mariotti (2010, p. 86), pode até torná-la útil, porém, faz perder seu potencial estratégico e inovador, produzindo repetição, no lugar de diferença, funcionando como “mais uma ferramenta da razão mecânica” e criando a ilusão de que “podemos controlar uma infinidade de variáveis” (MARIOTTI, 2010, p. 86). Em outras palavras, estes procedimentos, o conhecimento advindo das máquinas cibernéticas, deixa de ser atrelado à abordagem complexa. Saber disso contribuiu como mais um norte para o nosso papel de pesquisadora de sistemas complexos.

Quanto à auto-organização, foi importante também saber por Capra e Luisi (2015) que os estudos em modelos cibernéticos consideravam que possíveis mudanças estruturais geradas por esse processo adviria de um conjunto de variedades de estruturas sendo que a sobrevivência de um sistema estaria associada à riqueza desse conjunto (ASHBY, 1952 apud CAPRA; LUISI, 2015 p. 132). Esta percepção só se alteraria posteriormente, com a continuação de discussões em torno da emergência e da auto-organização de fenômenos no campo da Matemática. Na próxima seção apresentamos mais alguns elementos a esse respeito.