• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 QUADRO METODOLÓGICO

2.2 Contexto

2.2.2 Quadro de participação

Como ponto de partida, tratamos da seleção de um ou mais alunos da habilitação em língua inglesa, do curso de Letras da FALEM, que pudessem se beneficiar do aconselhamento linguageiro e ao mesmo tempo, contribuir para nossos objetivos de avançar na compreensão de como lidar com a motivação. Para isso, pedimos a outra conselheira pesquisadora, também professora do curso, que os indicasse, uma vez que naquele semestre, os calouros não eram alunos nossos.

2.2.2.1 Apresentação da aconselhada

A primeira aluna a ser acolhida foi AC4. Ela procurou o aconselhamento espontanea- mente a partir de uma atividade em sala na disciplina “Aprender a Aprender Línguas Estran- geiras”51, ministrada pela professora para a qual foram pedidas indicações de aconselhados. AC4 havia estado presente quando dois ex-aconselhados visitaram a sala, a convite da profes- sora, para falar de suas experiências, como forma de compartilhar as oportunidades que o acon- selhamento linguageiro pode oferecer, enquanto modalidade de apoio à aprendizagem de lín- guas estrangeiras. Depois desse encontro, segundo AC4 contou à professora, ela conversou com um desses ex-aconselhados que a incentivou a procurar ajuda.

51 Doravante Aprender a Aprender.

As primeiras informações a respeito de AC4 vieram por email em 23 de fevereiro do ano de 2016. Neste documento, a professora da disciplina de Aprender a Aprender enviou seu número de telefone e o resultado de seu teste de estilo e estratégias de aprendizagem. Além disso, foi anexada a primeira narrativa acerca da sua trajetória e de seus objetivos, escrita em janeiro de 2016, como uma das atividades das aulas de Aprender a Aprender.

Depois do recebimento desses dados, nos comunicamos por telefone e agendamos nosso primeiro encontro de aconselhamento. Esse momento serviu para explicações acerca da ativi- dade de aconselhamento, a leitura e a assinatura do termo de consentimento para participação na pesquisa (anexo A).

Desde nosso primeiro encontro, descrito no relato de aconselhamento de 29 de fevereiro de 2016, demos prosseguimento ao processo de nos conhecer melhor. Soube que AC4 está distante de sua família quilombola pela primeira vez, para estudar em Belém; que receberá bolsa permanência do Governo Federal para cursar graduação em Letras com habilitação em língua inglesa; que é a segunda de três irmãos; que seu irmão mais velho teve que interromper os estudos para trabalhar; que sua irmã caçula iria começar curso de graduação na UFPA no semestre seguinte); e que é tia de uma sobrinha querida. Começamos também a detalhar suas necessidades a partir da narrativa recebida por email. Ficou claro, naquele momento, que ela queria ganhar o mundo sabendo inglês, mas não sabia o que fazer profissionalmente envolvendo a língua que aprendia.

No meio da segunda sessão, a aconselhada recebeu um telefonema informando da morte de um tio e chorou bastante na frente da conselheira, que imediatamente se levantou para abraçá-la. Com isso, interpretamos o início de um outro processo, o da geração de empatia, imprescindível à atividade de aconselhamento linguageiro (MOZZON- McPHERSON, 2001; TASSINARI, 2016).

Também registramos, nos primeiros momentos de aconselhamento, a preocupação de AC4 com outras colegas de sala com pouco domínio de inglês, como ela classificava a sua própria proficiência. Ela manifestou interesse em chamar essas duas pessoas para serem acon- selhadas em sua companhia. Esta sugestão foi aceita e, em 14 de março de 2016, ocorreu a apresentação de AC552 e de AC653. Assim, em alguns encontros, o aconselhamento contou com mais de uma aconselhada presente. Mesmo nesse formato, o aconselhamento continuou

52 Nossa versão do código da aluna na pesquisa. 53 Nossa versão do código da aluna na pesquisa.

privilegiando a personalização da aprendizagem, ainda que com mais esforços para levá-la a todos os membros do grupo.

Durante o período de aconselhamento, a composição do grupo de aconselhadas se mo- dificou mais de uma vez. A participação de AC5 terminou logo após o final do primeiro semes- tre, quando teve que cursar a graduação no turno da noite para poder trabalhar. AC6 participou até o final da geração de dados, porém sua presença não foi constante nos encontros e em muitos deles ela não pode ficar até o término das sessões por ter mais restrições de tempo para estar na universidade após o horário das aulas. No período de 15 de setembro a de 15 de dezembro do ano de 2016, houve a entrada de mais uma aconselhada no grupo, AC754, mas depois disso, ela não demonstrou interesse em continuar o processo. O desejo de melhorar a proficiência em inglês e a ausência de uma identidade profissional envolvendo o domínio desta língua foram elos em comum entre as duas aconselhadas que permaneceram no grupo, AC4 e AC6. Como diferença, desde o início se fez percebida em AC4 maior abertura para buscar e aproveitar opor- tunidades que poderiam trazer benefícios para a aprendizagem de LAd. Baseando-nos no que comentamos em 2.1.1, a assimetria nas participações, em quantidade e qualidade, foi determi- nante para a nossa decisão em focar nosso estudo na trajetória de aconselhamento de AC4.

2.2.2.2 Apresentação da conselheira pesquisadora

Durante o primeiro encontro de aconselhamento com AC4, a conselheira linguageira se apresentou seguindo como roteiro o texto abaixo:

Enquanto pesquisadora em projetos que envolveram a prática de aconse- lhamento, recebi treinamento para exercer o papel de conselheira lingua- geira. Hoje, por meio desta prática, investigo meios para melhorá-la ao ten- tar contribuir para aprofundar a compreensão de como lidar com a trajetó- ria motivacional no aconselhamento. Além de conselheira pesquisadora, sou esposa há mais de vinte anos, sou mãe de um filho adolescente, estou trabalhando como professora na graduação da FALEM e estou cursando atividades do Doutorado em Linguística.

No aconselhamento, AC4 demorou para tomar iniciativas para saber mais sobre a con- selheira linguageira, muito embora quando isto começou a acontecer, ela tenha dado demons- trações de ter estado atenta a comentários feitos pela conselheira sobre si mesma em encontros anteriores. Ainda em 2016, a aconselhada passou também a nos conhecer ao ter acesso ao

facebook, tirando suas próprias conclusões, como pensar que sua conselheira era casada com

um americano, pela aparência de seu marido, e portanto, a sua fluência em língua inglesa se devia a isso, fato que ela aprendeu não ser verdadeiro em uma das conversas de aconselha- mento. Nós também passamos a conhecê-la melhor por meio desse espaço virtual, podendo logo confirmar o amor de AC4 por sua família e pela música, em especial, a de um cantor brasileiro. A partir de um dado ponto da sua trajetória, ao final de seu segundo semestre da graduação, a aconselhada assumiu sua conselheira linguageira como ‘mãe acadêmica’, tal qual um outro aconselhado já vinha fazendo.

Para nosso estudo, é importante deixar claro que enquanto pesquisadora autora desta tese, fomos responsáveis pela escolha do tema da investigação, atrelando-o às situações-pro- blema que investigamos e procuramos elucidar. Exercer o papel de conselheira concomitante- mente ao de pesquisadora significou ajudar as aconselhadas a alcançarem suas metas e fomentar a investigação em curso ao atuar em seu processo motivacional. Muito embora AC4 não tenha assumido a posição de pesquisadora, seu papel também foi duplo. Foi aconselhada com voz para traçar os rumos do aconselhamento, lidar com seus desafios e com seu desejo em vencê- los. Ao mesmo tempo, dialogou com a pesquisadora na jornada para saber lidar com a motiva- ção, sendo que a conscientização desses papeis ocorreu ao longo do aconselhamento.

Para concluir as subseções sobre o quadro participativo, frisamos que, nos sistemas que observamos, além de AC4 e da conselheira pesquisadora, consideramos agentes, todos os de- mais indivíduos interconectados que influenciaram no comportamento motivacional, nosso foco. Nisso, tivemos cuidados com suas participações no que se refere a uma conduta ética para realizar a pesquisa. Explicamos como isso se deu a seguir.

Conforme mostra o anexo A, o modelo de termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos participantes descreve os procedimentos envolvidos na investigação, garante o acesso aos dados, a escolha de permanecer ou não colaborando e o direito à confidencialidade. Todos esses itens encontram-se dentre as normas de conduta ética propostas no documento elaborado pela Comissão Europeia55 (2013).

Em relação à confidencialidade, nos deparamos com duas situações na nossa investiga- ção. Na primeira, ela pouco ocorreu, quando durante a fase da Pesquisa-ação, relacionamentos interpessoais foram sendo tecidos entre agentes que se interligavam dinamicamente ao aconse- lhamento. Com isso, nossas aconselhadas diminuíam seu anonimato, pois, dentre outras rela- ções, iam conhecendo outros aconselhados e conselheiros. Além disso, alunos iam percebendo

55 European Comission.

quem eram os aconselhados e professores tomavam conhecimento deles também. Fomos com- preendendo, todavia, que no lugar da visibilidade do aconselhamento gerar dificuldades, cons- trangimentos ou necessidade de ser coibida, ela poderia ser bem-vinda quando demonstrava favorecer o desenvolvimento da aprendizagem pretendida ao fomentar apoio proveniente de várias direções e contribuir para sustentá-lo, com agentes aprendendo com outros agentes de modo planejado ou não. No entanto, isso não afastou nossa sensibilidade para perceber quando poderíamos estar diante de situações diferentes que poderiam exigir uma prática menos com- partilhada do aconselhamento. Houve apenas um encontro no qual AC4 explicitou que gostaria que ocorresse apenas entre ela e a conselheira cuja demanda prontamente atendemos.

Na segunda situação, a questão da privacidade se mostrou evidente no respeito ao si- gilo do que era conversado apenas com as aconselhadas e com o grupo de pesquisa quando discutíamos o andamento dos demais aconselhamentos. Nesse sentido, outra conduta ocorreu enquanto escrevíamos os relatos de aconselhamento, identificando com um código os nomes das aconselhadas e não mencionando os nomes de outros agentes que de algum modo foram enredados à nossa pesquisa. Uma vez que suas participações foram numerosas e visando ao melhor acompanhamento do público leitor, tomamos a iniciativa de listar alguns de seus aspec- tos também em um folder56 (apêndice B), dentre os documentos que compõem esta tese.

Por fim, outros cuidados que tomamos em relação à ética na pesquisa começaram a se dar ao final da Pesquisa-ação, quando tomamos a iniciativa de compartilhar com as aconselha- das os relatos de aconselhamento que escrevíamos dando a elas acesso a esses documentos por

email e por versões impressas. Esse procedimento foi continuado durante o Estudo de Caso,

quando enfatizamos a adoção de um olhar retrospectivo à trajetória de aconselhamento. A partir de então, também mostramos à AC4 a escrita da tese. Daí, ela pode confirmar suas falas e contribuir para ajustar a evolução do texto. Além disso, quando apresentamos partes de sua história em comunicações a um público externo, ela e outros agentes envolvidos no aconselha- mento tiveram acesso prévio ao material que seria exposto. Nesses eventos, alguns deles foram parte da plateia. Com isso, dentre outros desdobramentos que mais adiante serão mostrados, ampliamos as oportunidades dos participantes conhecerem como tratávamos os dados e como se desenvolvia nosso estudo preservando o respeito à integridade dos participantes, e, inserindo mais transparência aos passos que tomamos para que pudessem ser acompanhados mais de perto por todos.

56 Nesse documento também copiamos outras informações com a mesma finalidade. Sugerimos que o leitor des- taque-o do corpo da tese para acompanhar sua leitura.