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O “Para-si” não é o que é e o que é não é, pelo fato de ser uma constante mutação, de ser um ser e nadificação. O ser é fundamento para o nada, embora o ser não seja seu próprio fundamento. Um ser que fosse o seu próprio fundamento não poderia sofrer mudanças, não

poderia ser o que é e o que concebe. Assim, o “Para-si” é, não sendo seu próprio fundamento, mas é fundamento de seu próprio nada. O ser tem suas possibilidades para fora de si, é o próprio ser que conjectura suas próprias possibilidades diante do mundo e de si mesmo. Suas possibilidades fazem parte da contingência.

O ser da consciência, na medida em que se nadifica em “Para-si”, é contingente. O ser se fundamenta como consciência no ato que nadifica, a consciência se fundamenta como “Para-si”, que nadificado, fundamenta a si mesmo. O nada, ou a nadificação, é o fundamento da consciência e do “Para-si”, e o “Para-si” é contingente em seu próprio ser: “Assim, o Para-si acha-se sustentado por uma perpétua contingência que ele retorna por sua conta e assimila sem poder suprimi-la jamais” (SARTRE, 1997, p.132).

É a faticidade do “Para-si” que mostra que ele é, embora só possa alcançá-la pelo próprio “Para-si”. O “Para-si”, como consciência de estar aí, é constantemente remetido a si mesmo diante da sua faticidade, é consciência de sua faticidade. O “Para-si” se fundamenta como ser consciência e existência, mas não se fundamenta como presença. A consciência é, não pode não ser e é responsável pelo seu ser.

De todas as negações internas, a que mais profundamente atinge o ser é a falta. A falta não atinge o ser que é positividade, como o “Em-si”, atinge o “Para-si”, a realidade humana. A falta pressupõe uma desagregação do ser em relação à falta, e designa uma realidade que o ser transcende, é uma alteração de projeto, ou seja, aquilo que o sujeito não é, mas busca sê- lo, se conduzindo para fora de si para alcançá-lo. É preciso desagregar o todo para mudá-lo, para buscar o que falta. A falta só é presente porque o ser está em curso, em processo. Se o projetar-se é constante é porque a falta também é constante. A dinâmica do “Para-si” é a dinâmica do ser e da falta de ser, é do ser e do nada, é do ser e do constante vir-a-ser.

O desejo, na realidade humana, é uma prova da falta. Se o ser fosse o que é, não haveria porque desejar. O desejo é a falta de completude. Somente o projeto transcende o ser para o que ele não é. O não é, é falta do que deseja ser. Em Sartre, o desejo é falta de ser. Nas suas próprias palavras:

Se aquilo que falta, em sua essência mesmo, acha-se tão profundamente presente no âmago do existente, é porque o existente e o faltante são ao mesmo tempo captados e transcendidos na unidade de uma só totalidade (SARTRE, 1997, p.138).

O “Para-si” fundamenta um ser em processo, com uma certa maneira de ser. Nega o ser que é em busca do que não é, no processo contínuo do existente.

A origem do “Para-si” é transcendência e fundamenta-se apenas como nada. A realidade humana transcende ao que falta. É como se o ser da realidade humana viesse ao mundo incompleto e permanecesse incompleto por toda trajetória do existir. A realidade humana se apresenta como ser e como falta, como ser e como nada: “A realidade humana é perpétuo transcender para uma coincidência consigo mesma que jamais se dá” (SARTRE, 1997, p. 140).

A realidade humana é uma consciência infeliz no sentido que não alcança seu ser “Em-si” como consciência, pois sempre se perde no ser “Para-si” como infinito processo de transcendência, de vir-a-ser do ser. O ser é ser e falta, é ser e nada, é ser e nadificação, ser e nadificação, ininterruptamente. E esse ser é um projeto de fracasso no sentido que não pode ser realizado, é sempre processo, porque a consciência só pode existir comprometida nesse ser em situação.

A consciência concreta acontece em situação e é consciência singular da situação. O “Para-si” é singular, é experiência diferenciada para cada consciência. O valor singular é o que Sartre chama “o ser do si”, o caráter singular de cada experiência, a vivência singular do sujeito, consciência racional e emocional que faz cada experiência ser única.

O valor é incondicional e não é ser. É pela realidade humana que o valor acontece no mundo. Porém, o valor é aquilo pelo qual um ser transcende seu ser. Todo ato valorizado traz em si a vivência de um ser. O valor é uma unidade incondicionada dos transcenderes do ser. Do ser e da falta, de modo muito particular do ser e de seu nada de ser.

A consciência é “revelação-revelada” do sujeito que é próprio do ser. O ser é fundamento do sujeito e não se pode despojá-lo de seu ser. No entanto, a consciência sempre ultrapassa o existente. É no fenônemo de ser que a consciência se revela, mas existe um ser que fundamenta aquilo que se manifesta. O fenômeno de ser não é o ser, mas indica o ser. O fenômeno de ser é o que se revela imediatamente à consciência. É o ser “Em-si” do fenômeno e o ser “Para-si” da consciência. O ser é “Em-si”, a consciência é “Para-si”. O ser é o que é. O ser da consciência, o que não é e não sendo o que é.

O “Em-si” não pode derivar de um possível, o possível serve a estrutura do “Para-si”. O “Em-si” não é possível nem impossível, ele é.

A realidade humana é falta, e o que falta no “Para-si” é coincidência consigo mesmo. E a falta surge no processo de transcendência. O possível, por sua vez, surge como fundo de nadificação do “Para-si”, mas não diz respeito somente à subjetividade. O possível é uma propriedade dos seres. Quando penso: será que meu amigo virá a este bar? Estou me referindo a um fato, a existência do amigo. O possível poderá vir, ainda não é, mas a existência do amigo que sustenta a possibilidade em termos de estado possível é.

Os seres “Em-si” são, mas a compreensão de um possível acontece por uma consciência da estrutura objetiva do ser que compreende os possíveis. A relação entre o “Para- si” e seus possíveis acontece pela transcendência que determina a falta, o que o “Para-si” não é. Ou seja, o “Para-si” faltante é o possível: “Assim, o Para-si, na medida em que não é si mesmo, é uma presença a si à qual falta certa presença a si, e, precisamente, é a falta desta presença que constitui o Para- si” (SARTRE, 1997, p. 153).

Importante dizer que o “Para-si” alcançado na realização do possível se constitui em “Para-si” um outro horizonte de possíveis. E isto é a estrutura do “Para-si”: se constitui no movimento, no transcender, está separado pelo que lhe falta que é seu possível próprio, e se constitui em uma presença a certo estado do mundo. O mundo é onde o “Para-si” projeta sua busca, ou sua coincidência com o si. O possível é o que falta ao “Para-si” para ser ele próprio.