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O “Em-si” e o “Para-si” podem sugerir um dualismo?

Na conclusão de “O Ser e o Nada” Sartre faz um questionamento sobre sua própria ontologia. O “Em-si” e “Para-si” podem ser interpretados como uma dualidade? Um dualismo que Sartre em toda sua obra refutou? O ser “Em-si” é objeto da consciência, a consciência é um apelo ao ser. Se não há vínculo entre o “Em-si” e “Para-si”, então haveria uma dualidade. Se o “Em-si” é o que é, e o “Para-si” é o que não é e não é o que é, então é um dualismo? Os dois seres “Em-si” e “Para-si” seriam incomunicáveis?

O “Para-si” se constitui como nadificação do ser. Nadificação do ser singular e não de um ser em geral. Assim sendo, não cabe questionar como o “Para-si” pode estar unido ao “Em-si”, porque o “Para-si” não é uma substância autônoma do “Em-si”. A consciência não é nada, senão como subjetividade que se revela a alguma coisa do mundo, “[...] e só uma consciência pode constituir-se como negação interna” (SARTRE, 1997, p. 754). O “Para-si” não existe sem o “Em-si”, só pode ser concebido como relativo a um “Em-si”, que, afetado pela faticidade, é um absoluto. O “Para-si” se fundamenta perpetuamente como um nada de ser. É um absoluto não substancial, portanto, relativo a um “Em-si”. Sua realidade é puramente interrogativa, está sempre em questão e está sempre separado pelo seu nada como alteridade. Existe uma prioridade do ser sobre o nada.

“Há ser porque o “Para-si” é tal que faz com que haja ser. O caráter de fenômeno vem ao ser pelo “Para-si”” (SARTRE, 1997, p. 755).

Essa é uma questão que se coloca como ontológica, não metafísica. A ontologia não pode responder o porquê do próprio ser, mas observar que o nada é tendo sido pelo “Em-si” e não é um vazio sem significação (SARTRE, 1997). O sentido do nada é fundamentar o ser. O “Para-si” sem o “Em-si” seria uma espécie de abstração. O “Para-si” não pode existir sem o “Em-si”, assim como não se pode entender cor sem forma (SARTRE, 1997).

Para essa ontologia, o nada é tendo sido pelo “Em-si” e não constitui um vazio sem significações. O nada é tendo sido para fundamentar o ser. É pelo “Para-si” que acontece a possibilidade de um fundamento que vem ao mundo. A ontologia declara que tudo se passa como se o ser “Em-si”, como projeto de se fundamentar a si mesmo, se concedesse a nadificação do “Para-si”. O “Para-si” aparece como uma nadificação do “Em-si”, colocando-o em desordem. O “Para-si’ é capaz de colocar questões, pois ele mesmo está sempre em questão e seu ser jamais é dado, somente é interrogado. O problema ontológico é a prioridade do “Em-si” sobre o “Para-si”. O ser é sem causa e sem necessidade, ele é. A questão do ser está no terreno da ontologia, como “Em-si”, não cabe aqui um problema metafísico. Todas as interrogações são posteriores ao ser. A definição do ser está em sua contingência originária. Porém, como responder à pergunta sobre a origem do ser do “Para-si” e do mundo, suas existências como tal? Essa questão não pode ser respondida pela ontologia, nem o “Para-si” interrogar-se sobre sua própria origem. Mas o “Para-si” pode voltar-se para sua própria origem, afinal, ele é uma interrogação e um porquê. Diz Sartre que:

A esta questão a ontologia não poderia responder, pois se trata aqui de explicar um acontecimento e não de descrever as estruturas de um ser. Quando muito, a ontologia pode observar que o nada é tendo sido pelo “Em-si” não constitui um simples vazio desprovido de significação. O sentido do nada da nadificação consiste em ser tendo sido para fundamentar o ser (SARTRE, 1997, p. 756).

A ontologia nos diz que o ser ‘Em-si” não pode se fundamentar, a menos que se fizesse consciência. A consciência é projeto de se fundamentar, de chegar ao ser “Em-si-Para- si” ou “Em-si-causa-de-si”. A ontologia limita-se ao fato de que tudo se passa como se o “Em-si”, num projeto de se fundamentar, se concedesse a nadificação do “Para-si” (SARTRE, 1997). A temporalidade vem ao ser pelo “Para-si” e não faz sentido perguntar o que era o ser antes do surgimento do “Para-si”. A existência do “Em-si” é um acontecimento absoluto. O “Para-si” é nadificado em unidade a priori com o “Em-si”. O “Para-si” é um nada e nada há

fora do “Em-si”, salvo um reflexo desse nada. Para um existente ser uma totalidade é preciso que as partes de sua estrutura sejam mantidas como unitárias. Então, se considerarmos a consciência como separada do “Em-si”, ela é apenas uma abstração. O próprio “Em-si” não precisa da consciência para existir, ele é.

Tudo se passa, portanto, como se o “Em-si” e o “Para-si” se apresentassem em estado de desintegração em relação a uma síntese ideal. Não que a integração jamais tenha tido lugar algum dia, mas precisamente o contrário, porque é sempre indicada e sempre impossível. É o perpétuo fracasso que explica a indissolubilidade do “Em- si” e do “Para-si” e, ao mesmo tempo, sua relativa independência (SARTRE, 1997, p. 759).

A consciência é pura aparência, no sentido que ela existe à medida que aparece, é um vazio total como mero existir. Nessa ontologia, o existencialismo explica os seres como fenômenos, com relação ao “Em-si” e “Para-si”, mas somente como fenômeno da objetividade concreta, no mundo. Diz Sartre que: “[...] compete a metafísica formar as hipóteses que irão permitir conceber esse processo como o acontecimento absoluto que vem coroar a aventura individual que é a existência do ser” (SARTRE, 1997, p. 757).