• Nenhum resultado encontrado

Em Sartre, primeiro se define a essência da condição humana para depois se pensar em psicologia. Já vimos em “A Transcendência do Ego” que, primeiro, se define a ontologia, e esta automaticamente mostra os rumos de entendimento do psíquico. As reações, as vivências do homem contra o mundo, fazem sua experiência e, para tratar dessas experiências, das emoções, é preciso partir da ontologia fenomenológica. A noção de projeto, de liberdade, estabelece, horizontes na compreensão da relação dialética do homem com o mundo.

Sartre questionou a forma como os psicólogos trabalhavam com a realidade humana. A psicologia trabalhava com a noção de objeto da física, mas isso parecia perder de vista a especificidade dos fatos humanos; portanto, era preciso partir da totalidade sintética que é o homem.

A emoção acontece como conseqüência da relação da consciência com o mundo, com um sujeito em situação, em choque com as adversidades. São a consciência e o corpo que produzem os comportamentos como um fenômeno humano. A consciência é um objeto transcendente, e, como transcendente, também sofre passividade. O homem está em choque com o mundo, com os outros. Sartre entendia as emoções como o resultado de dois fatos: a consciência como fato absoluto, como criação, como espontaneidade, e os objetos como fato absoluto, porém, de inércia. Assim sendo, a psicologia fenomenológica nos levou à ontologia fenomenológica. Sartre argumentava que a psicologia pretendia partir da experiência, porém, partia da noção empírica de homem. Devemos partir dos fatos, contudo, o significado dos fatos se busca numa investigação específica. A psicologia não pode partir de uma somatória de fatos heterogêneos, nem tampouco podemos dizer que parte dos fatos, porque o que são fatos? Que significação envolve o fato? Uma somatória de fatos não é suficiente para explicar uma essência. Então busquemos a essência, e não os fatos pelos fatos. Os fenômenos psíquicos devem ser estudados, compreendidos, a partir do homem, e não por construtos lógicos organizados previamente. Sartre argumentava que a psicologia empírica tratava da experiência humana de forma inadequada, partindo do modelo da física e fazendo que os fatos humanos perdessem sua especificidade:

Com efeito, os psicólogos não se dão conta que é tão impossível atingir a essência por simples acumulação de acidentes como chegar a unidade juntando indefinidamente algarismos à direita de 0,99 (SARTRE, 1972, p. 43).

Antes de explicar a emoção, devemos nos preocupar com a estrutura essencial da realidade humana. Para a fenomenologia, a idéia de homem não pode ser um conceito empírico, e a psicologia não pode ser o começo, porque os fatos psíquicos não são primeiros; temos que partir do homem e do mundo. Então, chegamos ao psíquico partindo da consciência do sujeito, da realidade humana como maneira de existir, como totalidade sintética que é o sujeito em essência. Para a fenomenologia, todo fato humano, incluindo a emoção, é significativo, por isso o fenomenólogo estuda o significado da consciência emocionada. A emoção não é efeito da realidade humana: “É antes a própria realidade humana, realizando-se sob a forma de emoção” (SARTRE, 1972, p. 52).

Partindo desse entendimento, a emoção passa a ter estrutura particular em essência e significado. A emoção é expressão de cada existência humana, como realidade humana. Assim, “[...] a psicologia fica subordinada à fenomenologia, visto que um estudo verdadeiramente positivo do homem situado deveria ter explicado em primeiro lugar as noções de homem, de mundo, de ser no mundo em situação” (SARTRE, 1972, p. 53).

A emoção não é um fenômeno corporal, não é produto do corpo, mas da experiência, pois o corpo não produz emoção por si só. O corpo apresenta a configuração da consciência. A alegria, por exemplo, se configura na expressão do corpo, é a consciência emocionada que se expressa no corpo em forma de emoção.

A fenomenologia não procura os fatos apenas, mas as significações, e os métodos de introspecção, de observação empírica, são deixados para trás para se concentrar na essência dos fenômenos.

Nas teorias clássicas, se entendiam as emoções fazendo do fenômeno secundário o fenômeno principal. Não se tratava da consciência dos fatos, mas da emoção em si. O caráter essencial das emoções tinha leis próprias, e a espontaneidade consciente pouco contava, ou não precisava muito dela, pois acreditava-se que as emoções eram produzidas empiricamente.

Na teoria fenomenológica da emoção, a consciência emocional é consciência do mundo: “Toda consciência é consciência de alguma coisa” (SARTRE, 1997, p. 33). Este é um dos princípios fundamentais de fenomenologia de Husserl. Portanto, quando se tem medo, se tem medo de alguma coisa, a emoção é desencadeada por uma percepção ou imaginação, diante dos fatos atuais e dos conteúdos psíquicos já existentes. Então, a emoção não pode ser entendida como uma atitude interna que se afasta do objeto percebido: “o indivíduo emocionado e o objeto causador desta emoção, estão unidos por uma síntese indissolúvel” (SARTRE, 1992, p. 81).

Constantemente, estamos atuando no mundo, e essa relação com o mundo nos torna consciências emocionadas diante dos fatos ou dos objetos. Temos fatos bons, alegres, ou

ruins, tristes, que nos fazem sentir ou nos emocionar. O mundo se transforma na ação sofrida pelo sujeito que atua ao mesmo tempo em que se emociona. Ele se emociona porque tem consciência dos fatos, do mundo. Diante do mundo, estamos diante de situações, de exigências novas: “Na emoção, é o corpo que, dirigido pela consciência, altera as suas relações com o mundo para que este mude as suas qualidades. Se a emoção é uma comédia, é uma comédia em que acreditamos” (SARTRE, 1972, p. 88).

Se temos medo de um objeto do mundo, nos apresentamos com a emoção do medo. Se estamos tristes pelos fatos do mundo, nos apresentamos com emoções de tristeza. Realizamos nossos desejos ou não, mas estamos sempre diante de um mundo como enfrentamento de nossa realidade, de nossas vivências.

A estrutura funcional da emoção nos mostra uma grande variedade de emoções, ou de consciências emocionadas. A consciência também pode simular emoções falsas, como por exemplo, o sujeito fingir que gostou de um presente recebido quando de fato o odiou. São qualidades intencionais que forjam uma emoção falsa, sendo que a expressão fisiológica apresenta uma contradição entre emoção e consciência.

A origem da emoção é uma degradação espontânea e vivida da consciência em face do mundo. Aquilo que ela não pode suportar duma certa maneira, tenta apreender doutra, adormecendo, aproximando-se das consciências típicas do sono, do sonho e da histeria. A perturbação do corpo não é mais do que a crença vivida, da consciência, enquanto vista do exterior (SARTRE, 1972, p. 101).

A função da emoção na vida do sujeito é poder fazê-lo mover-se, transformar-se para transformar o objeto. Mas a consciência só pode alcançar a si mesma e, então, move-se num mundo mágico: “Todas as emoções possuem em comum a característica de fazerem aparecer um mesmo mundo, cruel, terrível, sombrio, alegre, etc., mas no qual a relação entre as coisas e a consciência é sempre e

exclusivamente mágica” (SARTRE, 1972, p. 103). A consciência na sua relação com o mundo só

pode alcançar a si mesma, não pode transformar o objeto. Por meio do corpo, altera suas relações com o mundo para que o mundo altere suas qualidades. A perturbação do corpo não é mais do que a crença vivida pela consciência.

A consciência não tem teticamente consciência de si própria, diante da degradação de escapar à pressão do mundo: “Só tem consciência da degradação do mundo, que passa para um nível

mágico” (SARTRE, 1972, p.101). A finalidade da emoção é um ato de consciência no seio da

própria emoção, pois a consciência emociona-se com sua emoção. A consciência movida pela emoção do medo fica aprisionada. Somente uma atitude de reflexão, ou o afastar-se da situação que levou a emoção do medo, por exemplo, pode mudar os rumos da emoção.

A emoção de horror ou de alegria decorre da passagem de uma apreensão racional do mundo para uma apreensão mágica desse mesmo mundo e depende da motivação que a levou acontecer: “A magia primária e a significação da emoção surgem do mundo e não de nós” (SARTRE,1972, p. 109). Porém, uma cena de horror não pode vir do mundo determinista dos instrumentos, só é possível se os seus existentes forem mágicos por natureza contra recursos também mágicos.

A consciência como ato espontâneo é uma consciência posicional da degradação do mundo, e uma consciência como ato espontâneo produz também uma emoção espontânea. Porém, espontânea não quer dizer inconsciente. A consciência só se reconhece no mundo. A emoção remete a um significado. O significado da emoção é explicado pelas reações entre a realidade humana e o mundo.

A psicologia fenomenológica deve partir de posições progressivas, e não de posições regressivas de entendimento psíquico. A faticidade da existência humana é o ponto de estudo mais seguro da emoção; assim partindo da faticidade da existência humana se pode garantir o entendimento de progressão da fenomenologia. A faticidade está no presente voltado para o futuro, pois compreende-se o sujeito como passado no presente, e não retornando ao passado.