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Uma vez que a pretensão é viabilizar o acesso à justiça, faz-se necessária a pontuação dos obstáculos encontrados no Judiciário, os quais serão demonstrados a partir das conclusões do “Projeto de Florença”. Este, em linhas gerais, elenca como elementos desfavoráveis ao Judiciário e ao acesso à justiça as custas judiciais, a possibilidade das partes e os problemas especialmente ligados aos interesses difusos.134

5.1 CUSTAS JUDICIAIS

Na atualidade, os litígios são solucionados por intermédio da interferência do Estado, representado pelo Poder Judiciário. Para se ter acesso ao aparelho estatal solucionador das demandas existem custos e despesas de grande monta. Tais valores são destinados ao custeio do próprio Tribunal e das demais “ferramentas” necessárias para acessá-lo. E o advogado constitui, sem sombra de dúvida, na maioria dos casos, parcela significativa das despesas para o indivíduo que resolve litigar.

O custo envolvido na maioria dos sistemas judiciários mundiais é bastante dispendioso, representando o maior obstáculo do acesso à justiça. Necessário se faz observar, inclusive, que nos países que adotam o sistema da sucumbência, o problema cresce em demasia, vez que o litigante vencido arcará com todos os custos processuais, inclusive com os da parte contrária.

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Um estudo brasileiro coordenado por Maria Tereza Sadek aponta como obstáculos à ampliação e democratização do acesso à justiça a falta de informação, os altos custos do processo, a lentidão burocrática, o excesso de “formalismo” e as diferenças entre as partes. SADEK, Maria Tereza. Acesso à Justiça. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001. Série de pesquisas nº 23, p. 94.

A problemática do custo processual agiganta-se ainda quando tratamos especialmente das causas de pequena monta, já que em muitos casos, o valor despendido na demanda será superior ao direito pretendido.

Outro fator que contribui com a “inflação” do custo judicial é o tempo gasto para a solução do litígio. É imperioso declarar que tal questão aprofunda, sobremaneira, a dita supremacia dos economicamente mais fortes sobre os menos favorecidos, sendo certo que por diversas vezes estes últimos acabam invariavelmente por desistir da demanda ou aceitam acordos inferiores ao direito pleiteado.

5.2 POSSIBILIDADE DAS PARTES

Quando tratamos dos obstáculos do acesso à justiça, é preciso mencionar que a possibilidade das partes certamente pode variar de acordo com os recursos financeiros disponíveis, o grau de informação (educação, cultura, cidadania) e a habitualidade em litigar no Poder Judiciário.

O desequilíbrio econômico entre as partes pode representar uma arma poderosa a favor de um dos pólos processuais, vez que o mais favorecido terá plena condição de exercer o seu direito ao custo e tempo necessários.

Outro ponto no qual a condição financeira determina a diferença é no tocante ao reconhecimento de um direito juridicamente exigível. Os mais abastados são melhor instruídos e têm acesso aos meios de informação atualizados. Vale ressaltar ainda o fato de que, nesse caso, a contratação de um profissional da advocacia para assessoria certamente não constituirá um obstáculo.

A barreira psicológica enfrentada pelos indivíduos, no sentido de temer a busca do Judiciário e de um advogado, é outro elemento ligado à condição financeira do indivíduo. Pessoas “simples”, de menor poder aquisitivo, sentem-se intimidadas em ambientes formais, postadas diante de autoridades judiciárias.

Necessário se faz ainda apontar a desconfiança latente contra a classe dos advogados, como condição que certamente tem o condão de afastar os indivíduos do uso dos serviços dos profissionais que operam o direito.

Infelizmente, os profissionais do foro não gozam, no momento, de uma boa percepção moral da opinião pública. Fato é que existem pessoas que muitas vezes preferem abster-se de exigir um direito a ter que assinar uma procuração e constituir um advogado, pois acham que serão ludibriadas a começar pelo seu patrono.

A capacidade financeira possibilita ainda a condição do indivíduo tornar- se um “litigante organizacional”135. Aquele que tem habitualidade em litigar terá alguns diferenciais sobre a parte contrária. Entre essas vantagens, podemos citar a habitualidade com o ambiente do Poder Judiciário, a economia de escala, a oportunidade de desenvolver relações informais com o funcionalismo público, a diluição do risco, o teste de algumas “estratégias jurídicas” e o melhor planejamento do desenvolvimento do litígio em razão das experiências pretéritas, dentre outras mais.

Lamentavelmente, o melhor exemplo que podemos trazer do “litigante organizacional” é o próprio Estado brasileiro, sendo certo que este é, estatisticamente, o que mais consome o tempo do Poder Judiciário com demandas em que se vê envolvido.

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Aqui é preciso trazer a baila lição dos brilhantes professores Capelletti e Garth, em seu livro “Acesso à Justiça”, obra aqui já citada, que, ao conceituar “litigantes organizacionais”, assim nos dizem: “O professor Galanter desenvolveu distinção entre o que ele chama de litigantes eventuais e habituais, baseado na freqüência de encontros com o sistema judicial. Ele sugeriu que esta distinção corresponde, em larga escala, à que se verifica entre os indivíduos que costumam ter contatos isolados e pouco freqüentes com o sistema judicial e entidades desenvolvidas, com experiência judicial mais extensa. (...) os litigantes organizacionais são, sem dúvida, mais eficientes que os indivíduos. Há menos problemas em mobilizar empresas no sentido de se tirarem vantagens de seus direitos, o que, com freqüência, se dá exatamente contra aquelas pessoas comuns que, em sua condição de consumidores, por exemplo, são as mais relutantes em buscar o amparo do sistema judicial.” CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 25/26.

5.3 COMPLEXIDADE DA DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS

A chamada “terceira geração de direitos”136 que contém em seu bojo os direitos de solidariedade, carece de acessibilidade perante à Justiça em razão da dificuldade de organizar a coletividade para exigi-los.

Acerca desses direitos, necessário se faz mencionar brilhante passagem da extensa obra do Professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que assim nos ensina, in verbis:

“Esses direitos são difusos, na medida que não têm como titular pessoa singularizada, mas “todos” indivisamente. São direitos pertencentes a uma coletividade enquanto tal.”137

O ilustre mestre Mauro Cappelletti fundamenta tal dificuldade de forma clara e explícita, como bem podemos ver:

“(...) é que, ou ninguém tem direito à corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar uma ação.”138

É de se concluir, portanto, que esses direitos dificilmente são deduzidos na Justiça, pois o Poder Judiciário, para agir, depende, em consagração a princípio de nosso direito processual, de provocação. Desse modo, o direito que é da

136 Como conceituação de direitos de terceira geração, assim nos socorre o professor Ricardo Cunha Chimenti,

em sua obra Curso de Direito Constitucional, in literis: “A fraternidade ou a solidariedade é o fundamento dos denominados direitos de terceira geração. Acima da proteção individual, encaram a necessidade de proteção do corpo social, do gênero humano. Neles se incluem a proteção ao meio ambiente, ao progresso, ao patrimônio comum da humanidade, à paz, à autodeterminação dos povos, à defesa do consumidor, à infância e juventude, à comunicação. A moderna doutrina os agrupa entre os direitos difusos e coletivos, cuja concretização só é possível se houver cooperação entre os povos, o que comprova que seu fundamento é a fraternidade ou a solidariedade.” CHIMENTI, Ricardo Cunha; CAPEZ, Fernando, ROSA, Marcio F. Elias; SANTOS, Marisa F. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 47.

137 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 29ª ed. rev. e atual. São Paulo:

Saraiva, 2002, p. 306.

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CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 26.

responsabilidade de todos e, ao mesmo tempo, de ninguém, por vezes acaba sem os cuidados necessários para abarcar sua correta pretensão.

O Estado, embora tenha o poder-dever de resguardar esses direitos, em muitas ocasiões é falho. Por vezes, é, inclusive, o próprio violador deles. Dessa maneira, na maioria das oportunidades, cabe à sociedade civil a incumbência de organizar-se para promover a proteção dos direitos coletivos aqui tratados. Não seria necessário sublinhar que tal fato constitui, em nossa opinião, enorme obstáculo ao efetivo acesso à justiça.

6 TÉCNICAS DE EFETIVAÇÃO DO EXERCÍCIO DO DIREITO À TUTELA