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2 DEMOCRACIA E DIREITO DE AÇÃO

2.1 DA DEMOCRACIA

2.1.4 Liberdade e igualdade, pressupostos da democracia

O foco da discussão aqui empreendida de liberdade diz respeito à liberdade política, não envolvendo especulações sobre a natureza da liberdade de forma genérica e filosófica. Isso, entretanto, não significa que dispensaremos o recurso à filosofia política.

Hobbes afirma que o indivíduo ocidental quando reclama liberdade significa que clama pela ausência de impedimentos externos, pela eliminação de restrições externas, pelo abrandamento de relações de coerção. A liberdade política é tipicamente liberdade em relação a, não liberdade para (Leviathan, Capítulo 14 e 21).68

Giovanni Sartori traz como primeiro esclarecimento com relação ao assunto, que a liberdade política não é do tipo psicológico, intelectual, moral, social, econômico ou legal. Pressupõe estas liberdades e as promove, mas não é idêntica a elas.69

O pensador supracitado, a partir da frase “sou livre”, separa a liberdade em três estágios: 1) tenho a possibilidade de, que corresponde à liberdade de permissão, esfera interna da liberdade; 2) posso, liberdade que representa capacidade e corresponde à esfera externa da liberdade; 3) tenho o poder de, é a liberdade de condição.

“Certos tipos de liberdade destinam-se basicamente a criar

condições que permitam a liberdade. A liberdade política é deste

tipo e, muito frequentemente, também a liberdade jurídica e a liberdade econômica.”70

68 Apud SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução

Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 64.

69

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 60.

70 SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah

A liberdade política cria situações e condições para que a liberdade exista de fato. O efetivo acesso à justiça, enquanto liberdade política, que segundo a classificação de Giovanni Sartori, corresponderia à liberdade do posso, garantirá as demais liberdades do indivíduo.

Segundo Giovanni Sartori “temos liberdade política, isto é, temos um cidadão livre na medida em que são criadas condições que possibilitem ao seu poder menor resistir ao poder maior que, caso contrário, dominá-lo-ia ou, de qualquer forma, poderia dominá-lo com facilidade. (...) É liberdade em relação a porque é liberdade para o mais fraco.”71

Encontra-se nessa frase o espírito da democracia, governo do povo para o povo. O indivíduo goza de liberdade na medida em que tem capacidade de impor sua vontade ao Estado e o impede de tiranizá-lo.72

Giovanni Sartori, aproveitando as idéias de liberdade de Clinton Rossiter, afirma que a liberdade completa implica em cinco traços diferentes, nomeadamente, a independência, a privacidade, a capacidade, a oportunidade e o poder; representando as três últimas liberdades (capacidade, oportunidade e poder)

condições para se ter como conseqüência as duas primeiras (independência e

privacidade).73

71

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 65.

72

“Segundo a concepção liberal do Estado não pode existir Democracia senão onde forem reconhecidos alguns direitos fundamentais de liberdade que tornam possível uma participação política guiada por uma determinação da vontade autônoma de cada indivíduo.” BOBBIO, Norberto.; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução Carmem C. Varriale. et. al ; coord. trad. João Ferreira; rev geral João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Caçais. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 12ª ed., 2004, p. 324.

73

“Privacidade é escolher sem ser pressionado, voltando-se tranquilamente para si mesmo; capacidade é, entre outras coisas, uma ampliação das opções existentes; oportunidade é a entrada no leque de alternativas entre as quais escolher; e poder é, no contexto da liberdade, a condição equalizadora, a condição que contribui para uma

liberdade igual de escolha efetiva.” SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As

As liberdades “condicionantes” correspondem ao direito subjetivo de ação do indivíduo e o acesso efetivo à justiça garantirá, consequentemente, as demais liberdades.74

Giovanni Sartori alerta para o fato de que o problema da liberdade política está na existência de leis que contenham o poder, fato que explica a relação existente entre a liberdade política e a liberdade jurídica. A liberdade sob os auspícios da lei pode ser entendida de três formas: a forma grega, que já é uma interpretação legislativa, a forma romana, que se assemelha ao poder legal inglês e a forma liberal, que é o constitucionalismo.

Aliás, esse pensamento é detectado, ainda, no olhar de Locke. Afirmava esse filósofo que onde não há leis, não há liberdade. (Rights of man, parte II, cap 3, último parágrafo)75

“Nossas liberdades são asseguradas por uma noção de legalidade que constitui um limite e uma restrição aos princípios democráticos puros. Kelsen, entre outros, compreendeu isso muito claramente ao observar que uma democracia ‘sem a autolimitação representada pelo princípio da legalidade destrói a si mesma.’”76

Seguindo o pensamento de Giovanni Sartori, a liberdade em relação a advém do postulado da igualdade. “Ninguém tem o direito de mandar em mim” é a afirmação de que somos iguais em poder.

“É exatamente porque a força das circunstâncias sempre tende a destruir a igualdade que a força da legislação sempre deve tender a mantê-la” (Rousseau)77

74 “A capacidade de dirigir nossa própria vida tem muito pouca utilidade se formos impedidos de exercê-la.”

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 67.

75 Apud SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução

Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 70.

76

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 74.

77

Apud SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 107.

A igualdade é um dos pilares da democracia. Os indivíduos devem ser tratados de forma igualitária e a legislação é que assegurará este tratamento. A isonomia carrega consigo a idéia de justiça.

Ao longo da história a igualdade sofreu uma progressão. Giovanni Sartori classifica a igualdade em quatro tipos: a igualdade jurídico-política; a igualdade social; a igualdade de oportunidade e a igualdade econômica.78

A interpretação dessa igualdade, segundo critérios de justiça, é que igualdade jurídico-política representa os mesmos direitos legais e políticos para todos, isto é, o poder legalizado de resistir ao poder político. A igualdade social atribui a mesma importância social a todos e o poder de resistir à discriminação social. A igualdade de oportunidade nos proporciona as mesmas oportunidades de ascensão e o poder de fazer valer os próprios méritos. A igualdade econômica busca uma capacidade inicial adequada, para todos conquistarem a mesma qualificação e posição social dos demais. É a exclusão do poder econômico.79

O regime democrático assenta na igualdade a garantia do sufrágio universal, elemento indispensável a sua existência. A igualdade dá sustentação ao direito ao voto, ao direito de ser eleito e ao direito dos líderes políticos de competirem por apoio e votos.

A este ponto é oportuno citar a advertência de Giovanni Sartori de que a participação igual não significa participação livre. É necessário que além da igualdade de participação haja a liberdade de escolha, do contrário deixaremos de ter uma democracia.

A democracia, para apresentar-se completa, necessita de igualdade e liberdade.

78

SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. Volume II – As questões clássicas. Tradução Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Editora Ática, 1994, p. 117.

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