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ESTABANADOS NA DESDITA – OS TIPOS TRAPALHÕES

93 THE OXFORD ILUSTRATED HISTORY OF THEATRE, 1995.

2.8.4 Favela e forévis

Nascido num barraco do morro da Cachoeirinha, subúrbio carioca, em 1941, Antônio Carlos Bernardes Gomes passou sua infância entre o quintal de dona Neuma, no morro da Mangueira, e as mansões de Copacabana, onde a mãe era cozinheira. As aulas de disciplina tomou no colégio interno, a Fundação Abrigo Cristo Redentor, de onde saiu com um diploma de ajustador mecânico. Foi sua habilidade no traquejo dos metais e ferramentas que o permitiu construir seus próprios

instrumentos musicais, notadamente, o reco-reco. Na adoles- cência, mudou-se para a rua São Francisco Xavier, na altura da Mangueira, quando foi apelidado de Carlinhos da São Francisco. Na quadra da favela verde e rosa, ele teria as primeiras lições de samba. Jovem, viu na Força Aérea Brasileira um dos poucos espaços de ascensão social e estabilidade financeira. Durante oito anos ali aprendeu teoria musical e tornou-se cabo. Nos intervalos e nas festas do quartel, não perdia oportunidade para destilar suas habilidades de percussionista em vários instrumentos.

A partir de 1960, já militar, passou a frequentar o Clube dos Baianos, um bar na Praça Tiradentes utilizado por sambistas das escolas de samba e dos morros para encontros, ensaios, rodas de samba e trocas de saberes. Foi ali que Carlinhos conheceu Zé Luís, tamborinista e animador cultural da União da Piedade. Ao saber que o diretor de revistas e produtor de shows, Carlos Machado (1908-1992), considerado o “rei da noite”, abrira uma audição para selecionar artistas para seu novo show, Zé Luís quis participar. E convidou seus amigos do Clube dos Baianos para formarem um conjunto e concorrerem ao teste. Batizou o coletivo de Os Modernos do Samba. Antônio Carlos via ali uma oportunidade para fazer o que gostava, se divertir com os amigos e ainda levantar uns trocados para ajudar em casa. Machado aprovou o grupo, que tinha “uma química diferente e somava a qualidade rítmica aprendida nas baterias de suas escolas de samba com números ousados só feitos pelos passistas mais renomados” (BARRETO, 2014, p. 35). Sua estreia foi em Rio

de 400 Janeiros, no Golden Room do Copacabana Palace, com

roteiro de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto, 1923-1968). Passaram a se apresentar nos shows de Carlos Machado em boates, clubes, até integrarem sua turnê, a Caravana Cultural

revista Joãozinho Boa Pinta, escrita por Luiz Peixoto e Chianca de Garcia, dois baluartes do Teatro de Revista. O protagonista do espetáculo era outro veterano das revistas, Grande Otelo, que dividia a cena, entre outras, com a novata Elza Soares (1937). Os sambistas “Seriam parte da atração fixa em uma casa bada- lada, dentro de um espetáculo elogiadíssimo pela imprensa e assistido pela elite carioca” (BARRETO, p. 40).

Dadas as habilidades de execução musical e corporal dos

Modernos do Samba, participaram de outras revistas, como, por

exemplo, O Teu Cabelo não Nega, escrita pelo próprio Machado,

Elas Atacam pelo Telefone, com Otelo novamente, e Chica da Silva 63, estrelada por Wanda Moreno. Os primeiros anos de show business do Carlinhos do Reco-Reco, portanto, que duraram de

1960 a 1964, se deram, no palco e no camarim, cercado pela experiência de artistas veteranos da Revista.

No Teatro Opinião do Rio de Janeiro e sob a direção de Mariozinho Rocha, Os Sete Modernos do Samba musicaram o

Samba do Crioulo Doido. Mesmo levando vida dupla como militar,

Antônio Carlos cantava sambas de protesto ao regime com os amigos. Rumaram para o México, onde permaneceram por um ano se apresentando como Los Sete Diablos de la Batucada. Na terra de Montezuma, tomaram alguns calotes, passaram fome e enfrentaram um terremoto (BARRETO, 2014).

De volta ao Brasil, foram rebatizados de Os Originais do

Samba95. Nessa época, Bernardes Gomes já se destacava diante do sexteto, contando piadas nos intervalos das canções e indo

95 A primeira formação dos Originais era composta, além de Antônio Carlos, no reco-reco, por: Rubão (1933-1977), surdo; Bigode (1942), pandeiro; Bidi (1932), cuíca; Chiquinho (1943), ganzá; e Lelei (1946), tamborim (ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: POPULAR, ERUDITA E FOLCLÓRICA, 1998).

à frente do palco para improvisar – mais ou menos como fazia a figura do compère que costurava os enredos das revistas nos números de cortina. Combinando o figurino padronizado, o canto uníssono e o humor (a cargo de Antônio Carlos), os

Originais passam a acompanhar cantores famosos da época,

como Elza Soares, Chico Buarque e Jorge Benjor. O grupo amplia sua notabilidade depois de tocar com Elis Regina na I Bienal do Samba, em São Paulo, em 1968. O mangueirense tenta então fixar-se na capital paulista, onde estavam os meios de comuni- cação mais importantes da época e onde aconteciam os festivais e a maior parte de seus shows; pede então ajuda ao cantor Jair Rodrigues (1940-2014). O cantor d’O Fino da Bossa os apresentou a seus empresários e, em pouco tempo, os sambistas já estavam marcando o ritmo a seu lado. Sozinha, a banda excursiona pelo México, Porto Rico, EUA e Europa e torna-se o primeiro grupo de samba a tocar no Olympia de Paris. Gravando seu primeiro disco em 1969, eles conquistam as paradas de sucesso com canções como Cadê Tereza?, A Dona do Primeiro Andar, Se Gritar Pega Ladrão e E Lá Se vão meus Anéis (ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: POPULAR, ERUDITA E FOLCLÓRICA, 1998).

Além de esmerilhar o reco-reco e de ser parceiro nas composições de algumas músicas do sexteto, Bernardes Gomes era exímio passista e o elemento que mais chamava a atenção do público. Foram essas as virtudes que o tornaram uma figura hilária e abriram-lhe a oportunidade de compor um tipo para programas televisivos de humor.

2.8.5 O nascimento do mussum,