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“Faz parte do sonho da libertação, da busca permanente da liberdade,

da vida, a superação processual de

todas as formas de discriminação.

A educação crítica, desocultadora, joga

um papel indiscutível neste processo.

E será tanto mais eficaz quanto na

experiência cotidiana da sociedade

diminua a força dos processos

discriminatórios”

(p. 228)

.

Mas, não é possível educar para promover a mudança social sem que essa mudança ocorra primeiro em quem educa. Depois, há que ter presente que não é fácil pôr em causa as crenças sexistas das sociedades e de grupos particulares, pois elas fazem parte de uma herança cultural fortemente arreigada, historicamente construída e promotora de um certo status quo, o qual é dificilmente criticável por quem nele se sente confortável. Este ‘espólio’ de conhecimentos,

valores e convicções tende a assumir um papel normativo na modelação dos comportamentos individuais de rapazes e de raparigas, e de mulheres e homens, turvando inclusive as lentes com que as pessoas em todos os momentos se avaliam, decidem sobre si próprias e ajuízam quem as rodeia em prol do bem comum.

O papel silencioso e a atuação subliminar – falamos apenas desta forma velada, pois a discriminação explícita é proibida pela Constituição da Repú- blica Portuguesa – de discursos e narrativas veiculadores de diferentes formas de tratamento desigual de mulheres e homens – quer estejamos a falar das questões de género, de outras formas de estereotipia ou do cruzamento das primeiras com a diversidade de pertenças individuais – contamina a capacidade de decisão individual, a autonomia crítica e a própria racionalidade. Tal como Ana Vicente defendeu em 1998, “em Portugal, as representações de género e os relacionamentos entre mulheres e homens são vividos de uma forma não reflexiva nem problematizada, ou seja, são sentidos como ‘naturais’, seja qual for essa ‘naturalidade’. Muito poucas/poucos os questionam ou os trabalham” (p. 65). Os indicadores estatísticos disponíveis no nosso país14, em diferentes áreas,

Conclusão

14 Para uma análise dos dados desagregada por sexo, ver, por exemplo, o Relatório do Banco Mundial, relativo a 2014, disponível em: http://reports.weforum.org/global-gender-gap-report-2014/ ; ver ainda o I Relatório sobre as diferenciações salariais por ra- mos de atividade em Portugal, 2014, disponível em: http://www.cite.gov.pt/pt/destaques/complementosDestqs/I_Rel_Dif_Sal. pdf ; ver também o Relatório da Comissão Europeia sobre o progresso dos países na promoção da Igualdade entre Mulheres e Homens 2015, disponível em http://ec.europa.eu/justice/gender-equality/files/annual_reports/2016_annual_report_2015_web_ en.pdf (consultado a 15 de abril de 2015).

e uma atenta análise qualitativa das vidas da grande maioria das mulheres e dos homens portuguesas/es fazem-nos conferir ainda atualidade a tal afirmação, apesar das quase três décadas que nos separam da publicação da referida autora. A educação continua a ter, pois, a responsabilidade de alavancar as mudanças necessárias à alteração de crenças e de atitudes nas pessoas de todas as idades, devendo começar-se desde os primeiros anos de escolaridade a debater-se estas problemáticas no sistema educativo, de forma a gerar-se conhecimento com valor emancipatório.

O conhecimento emancipatório decorre do interesse que visa, essen- cialmente, a liberdade e autonomia do ser humano (António Simões, 2000), estando directamente relacionado com a necessidade de nos transcendermos e desenvolvermos. Este desenvolvimento requer a libertação de diversos constrangimentos, sejam eles auto ou hetero- impostos, pelas diversas condições e factores sociais em que se inscre- veu a nossa vida. Parte-se do princípio de que as pessoas têm potencial para agirem, racionalmente, para se autodeterminarem e para serem auto-reflexivas, sendo a liberdade alcançada, na medida em que esse potencial se realiza.

Adaptado de Albertina L. Oliveira, 2005: 94

15 Disponível em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr2014_pt_web.pdf (consultado a 07 de setembro de 2015).

16 Disponível em: http://www.coe.int/t/DGHL/STANDARDSETTING/EQUALITY/03themes/gender%20stereotypes%20and%20 sexism/Report%202%20NFP%20Conference%20Helsinki%20-%20Education.pdf (consultado a 10 de abril de 2015).

No caso das raparigas adolescentes é urgente promover o seu empoderamento, para que as gerações futuras possam usufruir de um maior equilíbrio na representatividade de ambos os sexos na tomada de decisão, por exemplo, ou ainda na sua presença em profissões melhor remuneradas e diretamente ligadas ao desenvolvimento científico e tecnológico, nas quais elas continuam a estar em clara minoria. No caso dos rapazes da mesma idade torna-se imperioso o desenvolvimento neles da dimensão do cuidado: cuidar de si e das outras pessoas. Esta capacidade de cuidar terá certamente

implicações positivas não só na respetiva autonomia individual, mas também na possível escolha não estereotipada de profissões ou ainda na gestão de eventuais dilemas ‘família versus carreira’, neles incluindo as questões da conciliação e dos usos do tempo. A valorização do cuidado – de si e de outros – é ainda fundamental para a existência humana e para um desenvolvimento sustentável, como nos lembra o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2014, publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a População (PNUD, 2014)15, onde é defendida uma abordagem centrada na pessoa e uma política do cuidado, para que se possam reverter as disparidades entre países e no interior dos mesmos.

Estas foram também algumas das

recomendações expressas numa publicação de 2015 do Conselho da Europa, com o título:

Combating gender stereotypes and sexism

in and through education16. Os 47 países

É importante conhecer para ousar pensar. Disse-se atrás que a apresentação de modelos, de dilemas, de dados contraditórios em relação ao que se sabe podem ser boas estratégias de atuação, tendo em vista promover em alunos e alunas adolescentes o questionamento dos seus saberes relativos ao que mulheres e homens são capazes de ser e de fazer. Este procedimento alarga o leque de possibilidades de escolha que cada uma e cada um tem ao seu dispor, quer para o ensaio de comportamentos individuais, quer para a idealização de projetos de vida futuros, seja a nível pessoal, profissional ou social.

membros, 28 dos quais compõem a União Europeia, chegaram ao entendimento de que o alcance da igualdade social entre mulheres e homens é central para a proteção dos direitos humanos, para o funcionamento da democracia,

para o respeito pela lei, e para o crescimento e competitividade das nações, detendo a educação um papel central na erradicação de todas as formas de estereotipia e da consequente discriminação de pessoas e grupos17.

A responsabilidade de educar as gerações futuras sem visões sexistas da realidade é de todos/as, sejam pais ou mães, professores ou professoras,

ou ainda agentes com responsabilidades políticas ou governativas. Cidadãos e cidadãs menos flexíveis, do ponto de vista das suas competências para lidar de maneira reflexiva com crenças e convicções, eventualmente erradas e passíveis de mudança, serão certamente pessoas menos competentes no exercício da sua cidadania. Tenderão a ser, por isso, menos felizes.

Educação é aprender a crescer, aprender em que sentido crescer, apren- der o que é bom e o que é mau, aprender o que é desejável e indesejável, aprender o que escolher e o que não escolher.

Abraham Maslow, 1985: 172

17 Idem.

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CONHECIMENTO E

INTERVENÇÃO EDUCATIVA: