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utilização ainda mais inclusiva da terminologia

A

s sugestões a seguir apresentadas têm como objetivo promover a reflexão e a desconstrução de eventuais estereotipias no discurso e nas práticas pedagógicas, muitas delas usadas de forma não consciente ou intencional na abordagem de diferentes problemáticas, quer nas componentes de formação geral do currículo do ensino secundário, quer nas diversas áreas de formação específica, consoante as escolhas vocacionais de alunos e alunas:

Referindo-se o género a uma ordem social e •

não sendo sinónimo de pertenças biológicas, o termo deve ser usado apenas no singular. Isto clarifica a natureza socialmente construída do género e evita a permanência nos discursos de visões essencialistas do ser humano. Nascer de um sexo ou de outro não pressupõe maneiras de ser ou de estar específicas e não deve prescrever auto e heteroavaliações.

Falar de género sem explicar que os •

assuntos envolvidos têm a ver com a vida de raparigas/mulheres e de rapazes/homens é desaconselhável, pois o conceito banalizou-se e a tradução direta de documentos oficiais escritos noutras línguas levou a que se instalasse uma certa confusão no uso da terminologia, mesmo entre as pessoas que se têm dedicado à investigação e à intervenção. Tendo isto em mente, talvez seja preferível falar em igualdade entre homens e mulheres do que falar em igualdade de género.

Se, por exemplo, o objetivo for descrever •

um grupo de pessoas de ambos os sexos, referi-las enquanto seres ou grupos separados, ou analisar estatísticas desagregadas

correspondentes, deverá falar-se de “sexo masculino” e de “sexo feminino” ou apenas de “sexo” ou “sexos”, deixando claro que se trata de uma pertença a uma categoria sexual determinada pela biologia. Falar, por exemplo, do “género dos sujeitos” ou das diferenças entre os “géneros feminino e masculino” está conceptualmente errado e contribui negativamente para a tomada de consciência do que está realmente em causa. Reforça-se aqui mais uma vez a ideia de que o termo género não deve aparecer no plural.

Falando-se em mulheres e homens (em •

vez de homem e mulher) respeitam-se as diferentes maneiras de ser e de estar em cada um dos sexos e evita-se a ideia da existência de ‘modelos’ de masculinidade e de feminilidade, que se sabem pantanosos e penalizadores para uns e outras em diferentes áreas da vida. Há, pois, muitas formas de ser e de estar que são independentes do sexo biológico ou da sensação de pertença a um determinado grupo.

A diversidade de características individuais de •

homens e de mulheres autoriza a falar não só de diferenças entre os grupos, mas também de diferenças intragrupo, sendo que estas últimas são maiores do que as primeiras: as

mulheres são muito diferentes entre si, assim como o são os homens. Logo, aludir apenas a diferenças entre os sexos escamoteia claramente a ideia de que uns e outras são, em muitos aspetos, semelhantes entre si, embora socialmente tendam a formar grupos heterogéneos.

Os conceitos de sexo, •

género, identidade de género, papéis de género e orientação sexual (lista não exaustiva)8 são completamente independentes entre

si e somente uma

A questão central de que nos ocuparemos será a eliminação do uso do masculino genérico (o genérico androcêntrico ou, na designação cunhada por Maria Isabel Barreno, o falso neutro (…) [em 1985], e a sua substituição por formas não discriminatórias que respeitem o direito de homens e mulheres à representação linguística da sua identidade e impliquem o reconhecimento de que nenhum dos dois sexos tem o exclusivo da representação geral da humanidade ou da cidadania. Mais do que uma simples re-nomeação, uma substituição de umas formas por outras formas, o que está em causa é uma redefinição do universo de utentes – um universo composto por cidadãos e por cidadãs.

Graça Abranches, 2009: 13-14.

visão estereotipada e discriminatória da vida individual os faz aparecer como inevitavelmente correlacionados. Quer isto dizer, por exemplo, que o conhecimento da categoria sexual biológica a que uma dada pessoa pertence (se é macho ou fêmea) nada nos informa, seja na vida adulta ou antes, sobre a sua orientação sexual, o seu sentido de pertença psicológico a um grupo específico (homens ou mulheres), ou ainda os seus papéis enquanto membro de uma comunidade.

8 Ver o Glossário apresentado no final deste Guião.

9 Guia disponível em: https://www.cig.gov.pt/wp-content/uploads/2015/11/Guia_ling_mulhe_homens_Admin_Publica.pdf (consultado a 10 de abril de 2015).

Ver, a este propósito, o capítulo “Género e Cidadania” deste Guião. Para reforçar a importância do uso de uma linguagem inclusiva, que obrigue a uma reescrita dos textos e ao consequente questionamento de práticas discursivas instaladas e muitas vezes não debatidas, transcreve-se aqui um excerto do Guia para uma Linguagem

Promotora da Igualdade entre Mulheres e Homens na Administração Pública, da autoria

de Graça Abranches, e que foi publicado pela CIG em 20099:

Etimologicamente, aprender vem do verbo latino apprehendere, que significa agarrar, apoderar-se de. Derivados do mesmo verbo, que entra na composição de apprehendere, ou seja de prehendere (ad+prehendere), são os vocábulos apreender (também de apprehendere) e compreender (de com+prehendere = agarrar com, prender juntamente). Neste senti- do, aprender é agarrar um conteúdo proposto, por exemplo, uma infor- mação: aprender é apreender (ad+prehedere), ou seja, apoderar-se de alguma coisa, de um determinado conteúdo. Aprender, ainda segundo a etimologia, não implica, necessariamente, compreender, pois que, neste caso, se trata de ligar os elementos de uma atividade cognitiva, de estabelecer uma relação entre eles.

António Simões, 2007: 33.

A

ntes de avançarmos convém apenas clarificar aqui a utilização de alguns termos, que embora possam parecer sinónimos e, por vezes, sejam usados como tal, não o são, de facto. Possuir conhecimento e ter informações significam habitualmente coisas diferentes, pois o primeiro conceito implica uma intencionalidade, que vai para além da mera acumulação

mnésica de dados. Logo, possuir conhecimento significa que a pessoa foi capaz de lidar com uma série de dados e de informações e se apropriou deles, conferindo-lhes alguma utilidade. No conhecimento podemos distinguir a pessoa ‘cognoscente’ do objeto que é ‘cognoscível’. Falar de conhecimento implica também aludir a processos e a produtos. Os processos referem-se à aprendizagem em si e aos diferentes modos pela qual ela pode ser realizada. Os produtos

são as coisas aprendidas, que podem ser de natureza concreta ou abstrata, tangível ou não tangível. Sabe-se que as aprendizagens podem conduzir a mudanças mais ou menos permanentes do comportamento em resultado das experiências, segundo as palavras de Richard Lerner e colaboradores (1986). É também consensual que a pessoa que aprende,

independentemente da sua idade, não costuma ser uma mera recetora de informações, mas tende a transformá-las em conhecimentos, numa atitude pró-ativa de construção do seu mundo. Essa apropriação de parcelas de informação e a transformação delas em conhecimento são processos claramente influenciados pelos contextos de vida, desde os microssistemas, como as relações interpessoais e a esfera privada da família, aos macrossistemas, como a organização escolar, os regimes políticos vigentes e a própria sociedade enquanto detentora de um saber cultural. O conhecimento pode, por isso, ser ainda entendido como o conjunto das diferentes versões que cada pessoa constrói do mundo social em que vive, na linha do que afirmou Mieczyslaw Malewski (2010), nele incluindo a perceção dos seus direitos

Género e construção

do conhecimento

10 Ver a este respeito a obra de Maria Teresa Alvarez Nunes, publicada em 2009, com o título O feminino e o masculino nos materiais pedagógicos. (in)Visibilidades e (des)Equilíbrios. Disponível em versão integral no link: https://www.cig.gov.pt/siic/ pdf/2014/Miolo_Feminino_e_o_Masculino.pdf (consultado a 26 de abril de 2015).

e deveres, do seu lugar no mesmo e da sua capacidade para o questionar, criticar, ou mesmo tentar mudar. As mudanças nos papéis de género e as crescentes tensões que podem surgir com as políticas de género exigem tempo e reflexividade, mas também oferecem a possibilidade de ampliação da autoconsciência dos sujeitos de aprendizagem, levando-os – a eles e a elas – a criar o seu próprio

As representações sociais de género presentes nos ma- nuais escolares correspondem a todo o tipo de conteúdos que veiculam, de forma explícita ou implícita, conceções estereotipadas sobre a feminilidade e a masculinidade, sobre o ser mulher e o ser homem e que se fundamentam no facto de se nascer fêmea ou macho.

Estas crenças incluem:

- Características, aptidões e competências consideradas “inatas” nos homens e nas mulheres, porque entendidas como “naturais” em cada um dos sexos;

- Atitudes, comportamentos e (re)ações que se esperam de uns e de outras;

- Atividades, funções e papéis sociais aceites como apro- priados e adequados a cada um dos sexos.

A estereotipia de género está diretamente relacionada com o facto das conceções sobre o feminino e o masculi- no se construírem de forma dicotómica e oposta entre si, excluindo-se reciprocamente, à semelhança do que ocor- re nas diferenças sexuais entre mulheres e homens.

Teresa Alvarez Nunes, 2009: 13

percurso de vida, de acordo com as suas características individuais, e não prescrito por normas culturais dominantes (Adaptado de Joanna Ostrouch e Edmée Ollagnier, 2008: 8). Esta visão do conhecimento aplicada à forma como os e as adolescentes se apropriam da informação relativa às diferentes problemáticas relacionadas com o género, a compreendem e a usam para desocultar mensagens, muitas vezes penalizadoras para si

próprios/as e para as outras pessoas, parece-nos oferecer possibilidades concretas de trabalho docente nas diferentes áreas disciplinares e não só, sendo, por exemplo, os manuais escolares um recurso incontornável10 para o efeito (ver texto em caixa). De facto, os processos mentais subjacentes à aquisição dos estereótipos de género são de tal maneira robustos que as pessoas tendem a ser resistentes a mudanças, mesmo na presença de informação contrária, como nos alertou John Santrock (1998). Sair da norma do que está socialmente prescrito em função da ordem social de género, quer se trate de um homem ou de uma mulher, pode inclusive suscitar reações negativas nas outras pessoas, ou mesmo ser algo encarado como uma ameaça à ordem social instalada, sendo por isso de evitar. Além disso, tanto na escola como em outros contextos educativos, o poder das mensagens aprendidas é exercido sobre crianças, jovens e adultos de ambos os sexos, quer pela apresentação e análise de modelos de comportamento em diferentes áreas, quer pela sua ausência. “Cada vez que uma menina

A memória histórica veiculada pelos manuais escolares e pelo software educativo através da imagem de mulheres e de homens confere, pois, visibilidade a determinados tipos de poder, contendo e conduzindo a diferentes representações de cidadania para raparigas e para rapazes que vão ao encontro das representações sociais de género que fazem parte do senso comum, podendo reforçar alguns dos mitos em torno da feminilidade e da masculinidade.

Teresa Alvarez Nunes, 2007: 206.

11 De entre as alterações na vida das famílias associadas ao envelhecimento da população encontramos a mudança de uma estrutura vertical para uma estrutura mais horizontal, com mais gerações a coexistirem ao mesmo tempo (muitas vezes podem coexistir cinco gerações), mas com menos elementos em cada uma das gerações (em virtude da maior longevidade da população e da menor taxa de natalidade). Para uma consulta dos dados demográficos ver www.ine.pt ou www.pordata.pt.

abre um livro e aprende sobre uma história sem mulheres, ela descobre que vale menos” lembra-nos Juanita Johnson-Bailey (2005:266). O mesmo raciocínio pode aplicar-se a domínios em que os rapazes tendem a ser invisíveis na sua representação enquanto sujeitos não só de direitos, mas também de deveres. Aluda-se, por exemplo, à esfera do cuidado e às responsabilidades implicadas na gestão de tudo o que tem a ver com a vida doméstica. Se os adolescentes do sexo masculino forem sistematicamente confrontados com mensagens explícitas e subliminares que os afastam do papel de cuidadores (de si e de quem os rodeia), é provável que esta esfera continue a ser pautada por uma clara diferenciação sexista, com uma forte penalização das mulheres, fazendo uso das palavras de Luísa Pimentel (2011) (ver texto em caixa), que estão a tornar-se cada vez mais ‘cuidadoras em série’, dadas as alterações demográficas a que temos vindo a assistir11.

mas, de onde surgirá

o conhecimento

impregnado pelo

género?

Apesar das profundas e inelutáveis mudanças que se fizeram sen- tir nas últimas décadas, assistimos à continuidade de padrões de comportamentos que perpetuam iniquidades e alimentam a segregação de género em diversos domínios da vida em sociedade. Os resultados da nossa pesquisa permitiram-nos perceber que, quer do ponto de vista das práticas quotidianas, quer do ponto de vista das representações, os cuidados às pessoas idosas dependentes continuam a ser uma esfera em que os papéis de género são claramente diferenciados, com uma forte penalização das mulheres.

Se pensarmos que a inserção laboral, em igualdade de circunstâncias, tem sido uma das principais reivindicações das mulheres e um dos fac- tores que mais contribui para a diminuição das desigualdades de géne- ro, rapidamente percebemos que qualquer entrave ao bom desempe- nho profissional ou ao acesso ao mercado de trabalho, compromete os progressos alcançados nas últimas décadas.

Luísa Pimentel, 2011: 34-35.

Na verdade, “ainda nos nossos dias, parece