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Capítulo 4. Do Rio de Janeiro à Maré Críticas à “cidade partida”

4.3 Fazendo cidade na Maré

Se o Projeto Rio significou, em termos gerais, uma melhoria considerável na qualidade de vida dos moradores da Maré, muitos problemas não foram solucionados e outros foram criados. A urbanização com baixos padrões de qualidade como solução para enfrentar a desigualdade urbana teve como consequência a renovação de muitos dos problemas que o

Estado queria solucionar (Rosa, 2009). Um dos mais graves prende-se à má qualidade das habitações construídas, o que obrigou a maioria das famílias a empreender reformas que tornassem as casas menos desconfortáveis. Como recorda Lourenço, morador da Vila do João desde os 12 anos, quando saiu de uma palafita na Baixa do Sapateiro:

“As casas eram péssimas. O telhado de amianto retinha muito calor. As paredes não tinham reboco, e a pintura era feita diretamente sobre o tijolo.” [Lourenço, Jornal O Globo, 11 de

Maio de 2011143]

A criatividade dos moradores ao modificar e expandir (para cima e para os lados) as residências serviu não só para aumentar o bem-estar da família (que estava a crescer), mas também para gerar renda. Em muitos casos, os anexos construídos abrigam comércios informais, podendo também ser vendidos ou arrendados a outros núcleos familiares. Sem projeto prévio, a ampliação das casas segue a lógica da autoconstrução, mesmo nos conjuntos habitacionais projetados pelo Estado. Daí a eterna mutação e a aparência inacabada da maioria das moradias144. Tais lógicas evidenciam a incapacidade de arquitetos e urbanistas em

incorporar a “cultura construtiva” dos habitantes das classes populares, acostumados a serem eles próprios a construir a sua casa. Alguns autores consideram ter havido um processo de “favelização” nos conjuntos habitacionais da Maré (tal como noutros realojamentos realizados na cidade), ao menos em termos de reconhecimento social. Afinal, as edificações, as dinâmicas locais e os problemas estruturais têm mais semelhanças com as favelas vizinhas do que com os ditos “bairros formais” (Silva, 2009; Jacques, 2002).

A falta de continuidade das políticas públicas, a sua precariedade e o abandono a que os moradores realojados foram sujeitos são os fatores principais que explicam a “favelização”. É essa a opinião de Marcelo, 34 anos, “nascido e criado” na Maré e morador da Vila do João:

Houve um conjunto de políticas equivocadas do Estado. A falta de continuidade de políticas públicas de qualidade, por exemplo, os projetos foram muito marcados pela descontinuidade. Você tem a Vila do João, que em 1982 era um projeto-modelo para o Brasil inteiro, que incluía acesso a serviços de qualidade, como água, luz, infraestrutura, ruas asfaltadas, escolas de qualidade. Foi construído um posto de polícia, postos de saúde, existia um projeto de desporto,

143 Para mais informações consultar o site: http://oglobo.globo.com/rio/moradores-enfrentam-condicoes-precarias

-em-conjuntos-do-bnh-dificuldades-para-pagar-prestacoes-2770721

144 Esse processo não foi tão forte nos conjuntos Esperança e Pinheiro, dada a construção em altura dificultar a

lazer, de oferta cultural, muito legal. Como não era um projeto de Estado, mas um projeto de governo, com a saída daquele governo as propostas e a política pública foram abandonadas.

(…) Você teve aqui a mão do Estado, mas o Estado abandona, e, quando ele sai, deixa em

aberto a entrada de outros grupos que querem dominar, e o grupo que vem com mais força nessa disputa pela dominação do território é o grupo armado, é o tráfico de drogas. A violência é o resultado da fragilidade das políticas públicas, mas também do abandono do Estado, de uma política de saúde ruim, de uma política de bem-estar social muito ruim, de uma política habitacional muito ruim, de um conjunto de políticas precárias que acaba resultando no que a gente vê hoje, uma grande quantidade de traficantes, de idades entre 15 a 25 anos, uma juventude negra que mora aqui, que muito mais por falta de oportunidades acaba achando no tráfico uma possibilidade de ascensão social. [Marcelo, 34 anos. Entrevista, 12 de janeiro de

2010]

A opção pela urbanização das favelas, favorecida pela democratização do sistema político, inaugurou um conjunto de ações, na década de 1980, destinadas a dotar as favelas de serviços básicos e equipamentos sociais. O culminar dessa mudança foi o Programa Favela-Bairro, inaugurado em 1994, que passa a dar uma resposta global às questões da urbanização das favelas, substituindo as intervenções pontuais e pouco articuladas (Burgos, 2006). Hoje em dia, grande parte das favelas do Rio de Janeiro foi alvo de algum tipo de investimento estatal e comunitário, e houve melhorias significativas na vida dos habitantes de favelas, o que é facilmente percetível no caso da Maré.

Embora a Maré seja indiscutivelmente um bairro popular, cuja população é formada por Figura 8: Maré nos dias de hoje

famílias com renda abaixo da média dos moradores da cidade do Rio de Janeiro145, aqueles

que ainda pensam as favelas enquanto locus exclusivo da pobreza e ausência do Estado surpreendem-se quando entram no bairro. A generalidade das suas casas é de alvenaria e provida de serviços básicos – água, eletricidade, esgoto –, são raras as ruas não pavimentadas e há um conjunto de equipamentos públicos à disposição dos moradores: 16 escolas (das quais 4 são de ensino médio), cinco creches, sete postos de saúde, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), um posto de atendimento da Companhia de Limpeza Urbana (CONLURB), um da Companhia de Águas e Esgoto (CEDAE), um Centro Comunitário de Defesa da Cidadania, a Vila Olímpica da Maré, a Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, o Centro de Artes da Maré, o Museu da Maré, o Piscinão de Ramos (praia artificial formada por uma piscina pública de água salgada), um Batalhão da Polícia Militar, inúmeras ONGs de apoio social e recreativo, etc. (Silva, 2009).

A existência de pequenos e médios comerciantes no bairro, ou mesmo de indivíduos que se tornaram proprietários de vários imóveis, muitos dos quais fizeram da verticalização das suas casas um bom negócio, nega as teorias que generalizam para todos os moradores das favelas o estatuto de pobreza. Há uma classe média baixa emergente na Maré. Basta entrar nalgumas residências e ver os eletrodomésticos novos, as grandes televisões (algumas de plasma) e a qualidade dos seus acabamentos internos. Muitos têm Internet e televisão por cabo (mais baratas por serem clandestinas), o que realça o importante mercado de bens e serviços que as favelas passaram a abrigar. A presença de muitos estudantes universitários na Maré é outro dado que ajuda a desmistificar as representações hegemónicas sobre as favelas146. Deste modo, já não se pode pensar nos moradores das favelas, designadamente na

Maré (conjunto de favelas com melhores equipamentos e infraestruturas que a maioria), como pertencentes, exclusivamente, às classes mais baixas da sociedade, sob pena de não compreender os inúmeros processos de mudança que a pobreza e a habitação atravessaram nas últimas décadas no Brasil. Apesar dos fortes investimentos na Maré (principalmente em

145 No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) municipal, realizado com mais de uma centena de bairros, a

Maré estava na quarta pior posição. Para mais informações consultar: http://portalgeo.rio.rj.gov.br/portalgeo /index.asp

146 O aumento significativo do número de estudantes universitários na Maré está associado à dinamização de

cursos pré-vestibular por algumas das ONGs que atuam no bairro, cuja presença cresceu vertiginosamente a partir da década de 1990, ajudando a ampliar as oportunidades oferecidas à sua população. Atualmente, entre 5 a 6% dos habitantes do bairro chegaram à universidade contra menos de 1% no fim da década de 1990, segundo Jailson Silva, um dos idealizadores desse cursos.

termos urbanísticos) foram poucas as políticas públicas voltadas para a geração de renda, para o estímulo da economia local ou que garanta um ensino de qualidade. A escola pública continua precária, o micro-crédito não é garantido pelo Estado, os cursos de formação profissional são reduzidos e as opções culturais limitadas. Como explica Jailson Silva, coordenador do Observatório de Favelas147, uma das instituições de referência da Maré:

Nós tivemos uma interferência muito forte, urbana, mas foi um investimento num lugar sem gente, não se investiu nas pessoas. Nós temos muitos equipamentos, temos 16 escolas, 4 escolas de ensino médio até agora. Mas você não faz um trabalho efetivo de qualidade e de investimento na população. Continua um trabalho muito precário, não tem estímulos para a economia local, não se tem mecanismos de melhoria de renda progressiva, você não tem projetos de desenvolvimentos que levem em conta esse trabalho. A qualidade da escola, os equipamentos culturais, de projetos, muito pouco investimento. Em relação à questão ambiental se fez três grandes conjuntos habitacionais na década de 1990 e não tem uma árvore plantada ali. Você ignora completamente a questão ambiental, e o grau de poluição aqui é assustador.

[Jailson Silva. Entrevista, 20 de setembro de 2011]

A porosidade entre as favelas da Maré e uma área industrial em notória decadência nas margens da Avenida Brasil é visível para todos os que visitam o bairro. Se algumas fábricas abandonadas foram ocupadas para abrigar novas moradias, outras foram adaptadas para servir de equipamentos culturais à sua população. O aproveitamento desse vazio urbano, decorrente da desindustrialização da região, para desenvolver atividades inovadoras e criativas denota um forte caráter de resistência, afirmando a Maré como um rico território cultural (Vaz, 2010). Neste* processo, as representações dominantes de ausência, homogeneidade, miséria e criminalidade vinculadas ao bairro são contrariadas, ressignificando-o como espaço heterogéneo, de resistência e potencialidades.

Na figura 9 podemos localizar as ONGs e os equipamentos culturais mais importantes, assim como a antiga zona industrial (mancha amarelo) comprimida entre a Maré e a Avenida Brasil.

147 O Observatório de Favelas é uma instituição com sede na Nova Holanda voltada para a pesquisa e elaboração

de políticas públicas dirigidas às favelas e outros espaços de origem popular. Para aceder a mais detalhes consultar a página: http://www.observatoriodefavelas.org.br

Antiga zona industrial Terreno do exército

EQUIPAMENTOS CULTURAIS E ONGs

Tecno Observatório de Favelas CEASM

Piscinão de Ramos Luta pela Paz Capoeira Ypiranga Pastinha

Redes Vila Olímpica da Maré Museu da Maré

Centro de Artes da Maré Lona Cultural Herbert Vianna Ação Comunitária do Brasil

A explosão de iniciativas culturais formais e informais na Maré, associadas aos múltiplos processos relacionais, políticos e culturais que as atravessam são exemplares das lógicas de “fazer cidade” denominada por Michel Agier (2011:41). A contestação aos discursos de não- civilizado, não-cidadão direcionados àqueles que viveriam numa não-cidade, as favelas, foi acompanhada de intensas lutas da sua população que melhoraram significativamente as condições urbanísticas daquela que já foi uma “cidade nua” (idem:12). Até a década de 1980, as lutas focavam-se nos direitos mais básicos de infraestrutura, dada a extrema precariedade do bairro. Era aquilo que Eliana Silva, diretora da Redes, chamou de 1º geração de direitos da Maré, cuja reivindicação era ter água, esgoto, pavimentação, escola pública, casa de alvenaria, etc. As conquistas nesse período foram tremendas, e levou a que nas décadas seguintes o Figura 9: Mapa dos Equipamentos Culturais da Maré. Fonte: CEASM

trabalho de organização e mobilização comunitária privilegiasse outras demandas de direitos. Instituições culturais e equipamentos urbanos foram criados, naquilo que se configurou a 2º geração de direitos: acesso à cultura, lazer, desporto, educação de qualidade, oficinas artísticas e profissionais. Para Eliana Silva e Jailson Silva, o que estaria em pauta na Maré atualmente seria uma 3º geração de direitos, mais ligada ao reconhecimento da diferença individual e da condição cidadã: direito a ser negro, homossexual, direito das mulheres, liberdade religiosa e, principalmente, a questão da segurança pública.

4.4 “Você está na Área do Vermelhão.” Fronteiras da Maré

Tinha pouco mais de dois meses de trabalho de campo na Maré quando cometi um erro grosseiro que por pouco não pôs em causa a realização desta pesquisa. Abordado por uma pessoa ligada ao tráfico de drogas, acabei por, involuntariamente, violar um dos códigos de conduta vigentes no bairro. A minha inabilidade para lidar com a disputa territorial entre diferentes fações do tráfico levantou suspeitas sobre os motivos da minha presença na Maré, o que, felizmente, foi solucionado com um rápido “desenrolo148”. Caso contrário, as minhas

sucessivas visitas ao bairro teriam de ser suspensas em função de uma desconfiança que poderia resultar, inclusive, em punições corporais. A seguir narro a minha desastrada experiência.

Após uma breve visita a uma quitinete (casa de pequenas proporções, geralmente um T0) onde pretendia morar, caminhava sozinho pela localidades da Nova Holanda e Parque Rubens Vaz para me familiarizar com as suas ruas e vielas. Nessa tarde também tinha intenções de visitar o CEASM e o Museu da Maré, instituições que funcionam no morro do Timbau. Esta favela localiza-se na outra extremidade do bairro, a meia hora de distância (a caminhar) de onde me encontrava. Subitamente, ouvi fogos de artifício próximos de mim. Este sinal de alerta invoca em qualquer favela controlada pelo tráfico duas situações possíveis: uma operação policial ou uma tentativa de invasão de quadrilhas rivais. Entrei a correr numa loja de artigos para animais de estimação para me proteger de possíveis confrontos armados, e a atendente explicou-me que um “olheiro149” teria visto um carro da polícia nas proximidades,

148 O “desenrolo” é o termo utilizado pelos moradores de favelas para resolver situações de conflito ou certas

conversas com os integrantes do tráfico de drogas com vista a evitar mal-entendidos e, consequentemente, punições corporais (Leite, 2008:131).

recomendando-me aguardar na loja. Cinco minutos depois resolvi sair pois o fluxo de pessoas nas ruas do bairro parecia ter retomado a normalidade. Mal dei os primeiros passos fora da loja, um rapaz coxo com a minha idade perguntou-me para onde ia. Embora não estivesse armado, percebi que estava ligado (direta ou indiretamente) ao tráfico de drogas, pois vinha de uma das bancas montadas para o efeito. Tentando não demonstrar qualquer tipo de medo, respondi que caminhava em direção à Nova Holanda, o que o fez retrucar que eu já me encontrava nesta localidade. Constrangido, perguntei se era “tranquilo150” seguir caminho. Ele

disse que sim para, em seguida, voltar a fazer a mesma pergunta. Respondi:

Estou indo para o Timbau, você sabe qual o melhor caminho para ir para lá?

Vai fazer o quê lá? Sabe que você está na área do “Vermelhão”? Vai fazer o quê lá?

Vou ao CEASM conhecer o trabalho que eles desenvolvem e visitar também o Museu da Maré, onde existe uma exposição sobre a história do bairro e...

Tá maluco dizer que vai para lá rapá! Aqui é Vermelhão e lá é Terceiro. Você é da onde?

Sou de Niterói.

Tá maluco em dizer que vai para lá! Eu te levo lá.

Tá tranquilo, eu chego lá. O melhor é ir pela Avenida Brasil né? É “sujeira” [perigoso] ir pela Rua Principal até a Baixa do Sapateiro?

[Diário de Campo, 4 de setembro de 2009]

O rapaz concordou comigo e referiu que pela Avenida Brasil era melhor, pois poderia ser perigoso atravessar áreas fronteiriças. Um jovem aproximou-se de nós a discordar, afirmando que era “na boa” ir “por dentro”. Despedi-me dos dois apressadamente e disse que iria em direção à Avenida Brasil. Antes disso o rapaz coxo me alertou:

Nunca diga que vai ao Timbau senão ainda percebem errado.

Tem razão sangue bom [companheiro]. Dei mole [errei].

[Diário de Campo, 4 de setembro de 2009]

Segui em direção à Avenida Brasil aborrecido pela minha falta de astúcia. Afinal, como carioca, deveria ter consciência de que é indispensável evitar qualquer referência aos grupos e territórios rivais em favelas onde existe tráfico de drogas, sob pena de haver uma má interpretação de consequências imprevisíveis.

quadrilha sobre as operações policiais e tentativas de invasão de grupos rivais.

150 Esta palavra é muito utilizada pelos moradores das favelas cariocas para referirem-se à inexistência de

A violência física (ou mesmo a morte) infligida a suspeitos de serem investigadores da polícia ou espiões de quadrilhas rivais não é rara, o que se coaduna com os confrontos sangrentos pelo monopólio da venda de drogas no bairro ou associados à repressão do Estado. Este contexto de perigo exige do pesquisador cuidados especiais que permitam o cálculo dos riscos envolvidos nas suas idas e vindas a campo, antecipando-se a possíveis imprevistos. Ser capaz de localizar as áreas fronteiriças das quadrilhas em disputa, tal como perceber quando há operações da polícia são conhecimentos valiosos que diminuem a exposição do pesquisador aos perigos. “Saber entrar e saber sair” são procedimentos metodológicos essenciais nas áreas dominadas pela criminalidade como bem explicou Alba Zaluar. (2009:566). A compreensão das hierarquias e rivalidades que compõem as “sinuosas” regras elaboradas pelo tráfico de drogas é outro elemento importante a reter, de modo a não perturbar ou levantar suspeitas desnecessárias a traficantes locais.

A Maré não é só dividida em diferentes favelas – com histórias de ocupação bastante originais –, mas também em áreas de influência das várias fações do tráfico de drogas. Basta entrar na Maré para notar a presença de bandos armados, sempre atentos à chegada da polícia e à presença de quadrilhas inimigas “em seu território”, e pressentir a conflitualidade a que estão submetidos os seus moradores. Mas os conflitos não podem ser atribuídos exclusivamente às quadrilhas criminosas, pois a polícia é um importante agente na promoção da violência e no sentimento de insegurança que daí advém. Na opinião de muitos moradores, a polícia realiza investidas sem qualquer planeamento, desencadeando tiroteios que não raras vezes provocam a morte de residentes que nada têm a ver com o tráfico. Roseny, vice- presidente da Associação de Moradores da Nova Holanda, aponta a polícia como a principal culpada pela insegurança dos moradores:

Quem promove a insegurança aqui é poder público, porque aqui só tem problemas quando a polícia invade, principalmente com o Caveirão [veículo blindado]. Aí tem problemas. Você está na rua e aí de repente vem o Caveirão, aí vem uma troca de tiros. É aquela coisa. Volta e meia há problemas entre as fações [do tráfico], mas é mais raro, mais esporádico. Agora o Caveirão a qualquer momento entra e pode rolar um tiroteio, e tem épocas que isso é muito frequente.

(…) O que o Caveirão promove na questão de dar segurança? O Caveirão vem, passa, atua, dá

tiro, aí tem o revide. O Caveirão não tem uma atuação específica, um planeamento: “eu vou lá para fazer isso”. Não tem esse papel, não tem um planeamento. O Caveirão é só uma forma repressora. [Roseny, 52 anos. Entrevista, 12 de janeiro de 2010]

buracos nas entradas da favela, pondo por cima estreitas placas de ferro para que apenas carros e motas possam circular151. A polícia, por sua vez, faz operações frequentes com o

objetivo de tapar esses enormes orifícios, abertos novamente assim que as forças de segurança pública abandonam o território.

Não só da droga vive o tráfico. Segundo funcionários de ONGs locais, os traficantes aproveitam o seu poder para controlar o mercado de ligações clandestinas de TV a cabo e Internet (chamados pelos moradores de TVGato e GatoNet, respetivamente), que proporcionam importantes somas financeiras. Também cobram taxas ilegais aos comerciantes locais, impõem um tributo à venda de botijas de gás e participam nos lucros da venda de imóveis na favela e do transporte alternativo realizado através de carrinhas de dez lugares (chamadas de vans ou kombis) e do serviço de moto-táxi.

Quando iniciei o trabalho de campo, havia três fações do tráfico de drogas a dominar distintas localidades da Maré, além da presença de uma milícia (grupo paramilitar composto por polícias, bombeiros e militares que também exerce um controlo violento e territorial). Para marcar simbolicamente esse controlo, inúmeros graffitis com as abreviaturas das respetivas fações podiam ser vistos nas paredes do bairro – CV (Comando Vermelho), TCP (Terceiro Comando Puro) e ADA (Amigos dos Amigos) –, geralmente acompanhadas das alcunhas de traficantes locais.

Na figura 11 podemos ver as múltiplas localidades da Maré com a indicação de alguns dos seus equipamentos mais importantes. Ao lado, na figura 10, é possível perceber a disposição dos grupos armados nas favelas do bairro, em julho de 2009152.

151 Muitos moradores acabam por sofrer as consequências do uso dessa “tática de guerra”, pois um leve descuido

faz com que as rodas dos carros caiam num desses buracos.

Em verde estão as áreas dominada pelas milícias: Conjunto Marcílio Dias, Parque Roquete Pinto e praia de Ramos. As favelas controladas pela fação Comando Vermelho estão em tom