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2.4. Articulação com conceitos próximos

2.4.1. Felicidade bem-estar subjetivo

A psicologia dedicou-se, ao longo dos tempos, ao estudo da saúde mental através do tratamento das doenças mentais, como depressão, ansiedade, fobias e outras (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000). A psicologia positiva trouxe um novo enfoque para o estudo da saúde mental, dedicando atenção ao estudo das emoções positivas, das virtudes e de todas as características e condições que contribuem para que as pessoas se sintam satisfeitas com a sua vida e lhe atribuam um sentido positivo. No essencial, o interesse com a felicidade das pessoas surge do mesmo paradigma que, no contexto organizacional, passa a conceder maior atenção ao bem-estar dos empregados. Em ambos os domínios, vida geral ou organizações, surge um interesse crescente sobre como podem as pessoas ser mais alegres, realizadas e felizes (Fisher, 2010). No essencial, “a maioria dos psicólogos positivos adotou a visão de que o objetivo final é criar uma vida repleta de muito frequentes emoções positivas, com poucas emoções negativas e uma avaliação satisfatória da vida em geral” (Schueller, 2013, p. 2661).

A felicidade é uma palavra presente nas várias culturas e sociedades, transversal ao passar dos tempos, enquanto desejo individual e coletivo que mobiliza a ação quotidiana dos indivíduos. É uma fonte de prazer, mas também um significado para a vida na terra dos humanos, o que os distingue dos animais (Punset, 2008). Segundo um provérbio chinês, a felicidade será alguém para amar, algo para fazer e algo para esperar/desejar (Kets de

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Vrie, 2000). A declaração da independência dos Estados Unidos, datada de 4 de julho de 1776, coloca o direito à felicidade, lado a lado, com o direito à vida ou à liberdade: “Consideramos estas verdades como autoevidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre estes vida, liberdade e busca da felicidade.” (NA, 1776).

A felicidade não é, portanto, algo menor, associado a sorriso e prazer momentâneo. É assunto sério, como a vida e a liberdade (Kets de Vrie, 2000). Embora sendo central na existência humana, a felicidade continua a ser avessa a definições objetivas e categóricas, sem, todavia, deixar de ser observável e identificável. A felicidade remete para uma vida bem vivida, repleta de boa disposição (Gavin & Mason, 2004), com a presença significativa de emoções positivas e a ausência significativa de emoções negativas (Wright & Cropanzano, 2004; Lyubomirsky et al., 2005) e pode manifestar-se de diversas formas, por exemplo através do sorriso de uma neta, quando se ajuda um turista a encontrar um museu ou quando se termina um livro (Gilbert, 2007). No âmbito académico, a felicidade surge apresentada como “bem-estar subjetivo”, com o intuito de escapar ao peso histórico, cultural e mesmo religioso que a palavra felicidade transporta desde há milhares de anos (Lyubomirsky, 2011). Para Luthans et al. (2007), bem-estar subjetivo é um conceito mais amplo do que felicidade porque inclui bem-estar emocional, bem-estar psicológico e bem-estar social. Todavia, todas estas componentes serão já parte integrante da felicidade, enquanto desejo de bem-estar total do indivíduo (Cunha et al., 2006) e avaliação global da vida como um todo (Wright & Cropanzano, 2004).

A felicidade individual será a que cada pessoa determinar, em resultado das ponderações parciais que entender adequadas (Lyubomirsky et al., 2005). Numa abordagem científica, as definições blindadas à subjetividade são entendidas como fonte de rigor e conhecimento, pelo que um conceito que se estrutura e se define como subjetivo poderia padecer de alguma menoridade. Ora, o que a investigação científica demonstra é que a subjetividade inerente à felicidade é a sua força, a sua identidade, e o único ponto de partida rigoroso para qualquer tentativa séria de compreender os seus mecanismos de funcionamento (Wright & Cropanzano, 2004; Gilbert, 2007). A felicidade é uma experiência subjetiva, tão real quanto cada pessoa a sente em si mesma (Wright & Cropanzano, 2004). Em consequência, a felicidade não é uma coisa só, igual para todos,

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antes é uma miríade de possibilidades, com importâncias diversas adquiridas em contextos específicos. Como refere Kets de Vrie (2000, p. 311), a busca da felicidade será sempre uma tarefa inacabada: “Encontrar felicidade não é como chegar a uma estação. Nós não chegamos a um determinado lugar onde estamos cheios de felicidade. Nenhum milagre acontece quando chegamos a um destino final. Não há destino final. Sempre haverá uma próxima paragem. Felicidade é o caminho pelo qual viajamos. É importante, então, que nos concentremos mais na rota, no cenário e em nossos companheiros de viagem do que no destino. Precisamos de compreender a felicidade no caminho, aproveitando o percurso, em vez de contar os quilómetros impacientemente.”

A psicologia da felicidade tem-se dividido em duas abordagens (Lyubomirsky et al., 2005): 1) abordagem Bottom-Up, as pessoas passaram por experiências emocionais positivas, e essa é a razão para se declararem felizes; 2) abordagem Top-Down, as pessoas sentem-se felizes o que lhes permite obter mais experiências emocionais positivas. Considerando que os mais recentes contributos da psicologia positiva demonstram uma importância maior do controlo próprio e da atividade intencional para o aumento de felicidade (e.g. Wright & Huang, 2012; Lyubomirsky, 2011), surge reforçada a abordagem Top-Down como paradigma para entendimento e promoção da felicidade. A frase famosa do rabino Schachtel (1954, p. 37) também aponta nesse sentido: “a felicidade não é ter o que quer, mas querer o que tem”, ou como indica Fisher (2010, p. 399), “não apenas porque o sucesso traz felicidade, mas porque a felicidade tem um efeito causal no sucesso”.

Fazendo a transferência desta constatação da psicologia para o âmbito organizacional, surge reforçado o modelo Top-Down (Rolland, 2000) que considera que o olhar subjetivo do empregado sobre as condições e conteúdo do trabalho é mais importante do que o enquadramento objetivo do trabalho. As pessoas que naturalmente se sentem mais felizes tenderão a experienciar maior bem-estar no trabalho perante circunstâncias idênticas do que pessoas naturalmente menos felizes. A investigação científica vem demonstrando que a felicidade tem uma componente natural, na medida em que uma grande parte do bem- estar subjetivo dos indivíduos é geneticamente determinada, é herdada dos pais e é uma linha base, um potencial para a felicidade que tende para a estabilidade após sucessos ou insucessos (Lyubomirsky et al.,2005). Esse nível crónico de felicidade determinado pelo

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material genético será semelhante ao referencial genético do peso que impõe o seu magnetismo após qualquer dieta mais arrojada (Lyubomirsky, 2011), ou seja, anuladas as ações extraordinárias serão obtidos os resultados ordinários. Os traços de personalidade também são invocados para caracterizar esse setpoint de felicidade de cada individuo, nomeadamente quanto à evidência de que há pessoas que são consistentemente mais felizes do que outras (Fisher, 2010). Lyubomirsky et al. (2005) consideram que cerca de metade do nível de felicidade de cada indivíduo é determinado através da hereditariedade genética (Braungart et al., 1992; Lykken & Tellegen, 1996; Tellegen et al., 1988), conforme indicado no gráfico seguinte:

Figura 3 Distribuição das fontes de felicidade (Lyubomirsky, 2011)

Na outra metade da felicidade, uma parte reduzida decorre das circunstâncias da vida, das ocorrências com que o indivíduo se depara na sua vida e sobre as quais não tem controlo (Argyle, 2001). Kesebir e Diener (2008) atribuem entre 8% a 15% à influência das circunstâncias da vida na felicidade individual, incluindo circunstâncias demográficas como a nacionalidade, a geografia, a cultura, a religião, a idade, o género, a etnia, assim como circunstâncias da vida pessoal, como enquadramento familiar ou profissional e momentos marcantes do percurso de vida (Lyubomirsky et al.,2005).

Os estudos sobre determinação genética ou traços de personalidade que mostram que as pessoas tendem a regressar ao seu estado-padrão de felicidade contribuíram para uma abordagem pessimista da ciência quanto à possibilidade de melhorar o nível de felicidade das pessoas (Lyubomirsky et al., 2005). Se é genético, nada há a fazer. Refira-se que a hereditariedade do nível de felicidade, tendo um valor elevado, é ainda assim muito

50% 40%

10%

O que Determina a Felicidade?

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inferior à altura, com determinação genética superior a 80% (Dauber et al., 2014). Se mesmo uma característica física com muito forte hereditariedade como a altura pode ser influenciada positiva ou negativamente por fatores ambientais externos (Dauber et al., 2014), também a felicidade pode ser aumentada ou diminuída em função do controlo próprio ou das circunstâncias externas. Sendo certo que alterar as ações individuais terá mais impacto potencial no nível de felicidade do que esperar a alteração das circunstâncias externas.

A diminuta capacidade de influência das circunstâncias no nível de bem-estar subjetivo deve-se ao facto de um acontecimento novo, mesmo que muito desejado e positivo, não ter um efeito constante ao longo do tempo. Se, no início, pode, realmente, aportar grande incremento de felicidade, a partir de determinado momento, e devido ao fenómeno de adaptação hedónica (Brickman & Campbell, 1971), esse efeito tende a ser anulado, em termos similares aos referidos na subdimensão hedónica do bem-estar psicológico. A teoria da felicidade autêntica, proposta por Martin Seligman (2012), e que surge na bibliografia como a teoria fundadora da psicologia positiva, indica que a felicidade é composta por três elementos diferentes:

 emoção positiva: o prazer que decorre da experiência vivida;

 envolvimento: estar em fluxo, totalmente envolvido no momento ou atividade;  significado: atribuir um significado que tenha valor à atividade ou ao seu efeito. Entende o autor que a emoção positiva e o envolvimento são “empreendimentos solidários e solipsistas” (Seligman, 2012, p. 26), enquanto o significado só existe quando analisado no contexto social de cada pessoa. Grant et al. (2007) e Fisher (2010) denominaram por felicidade a dimensão psicológica do bem-estar dos empregados, demonstrando que o conceito de felicidade também está presente na literatura de gestão organizacional. Outro ponto de convergência surge porque Grant et al. (2007) recorrerem ao conceito eudaimonia de Aristóteles para demonstrar que o bem-estar dos empregados não é só alegria no trabalho, do mesmo modo que, também, Martin Seligman (2012) recorre à dimensão “significado” para que a felicidade incorpore, mais do que o contentamento, a concretização de um objetivo maior. A felicidade pode ser um momento de grande euforia ou o culminar de momentos não alegres, mas cujo resultado está repleto

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de significado e era muito desejado (Seligman, 2012). As pessoas que se dedicam a objetivos com grande significado pessoal declaram maior felicidade (Snyder & Omoto, 2001; Sheldon et al., 2001). Por exemplo, haverá felicidade no artista que completa uma obra à qual dedicou dolorosos meses ou anos de criação, assim como haverá felicidade no emigrante que depois de anos de afastamento e sacrifício constrói uma casa nova na sua terra natal.

Constata-se uma similitude global entre os elementos que compõem a teoria da felicidade autêntica (Seligman, 2012) e as dimensões do bem-estar dos empregados, nos termos sistematizados por Grant et al. (2007). Em ambos, o bem-estar do indivíduo resulta, no essencial, do balanço entre o contentamento e o significado do que cada pessoa faz, na vida ou no trabalho. No âmbito da felicidade, as dimensões física e social do bem-estar encontram-se subsumidas na dimensão psicológica, na medida em que melhor saúde e maior integração social permitirão um maior nível de felicidade ao indivíduo. Fenómeno similar poderá suceder ao nível do bem-estar dos empregados, na medida em que o bem- estar físico ou social não são dimensões estanques e externas ao bem-estar psicológico. Na determinação do bem-estar psicológico, quer na subdimensão hedónica, quer na subdimensão eudaimonia, o empregado pondera também as componentes físicas e sociais do trabalho, pelo que, mais do que dimensões paralelas à dimensão psicológica, o bem- estar físico e social poderão ser subdimensões inerentes ou prévias ao próprio bem-estar psicológico.

A comunidade científica tem correspondido à expectativa das pessoas que acreditam, ou desejam acreditar, que podem viver uma vida com maior satisfação pessoal (Sheldon & Houser-Marko, 2001), havendo grande produção científica sobre os comportamentos que têm maior potencial para tornar a vida mais gratificante, mais produtiva e mais agradável (Lyubomirsky, 2011). O acróstico GREAT DREAM, formulado pelo movimento Action for Happiness, nascido na London School of Economics, é uma formulação criativa para apresentação das mais recentes descobertas científicas no domínio da felicidade (King, 2016):

 Giving: as pessoas que se dedicam aos outros são mais felizes;  Relating: as pessoas que têm uma rede social ativa são mais felizes;  Exercising: as pessoas que exercitam o corpo são mais felizes;

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 Awareness: as pessoas que desfrutam o momento presente são mais felizes;  Trying out: as pessoas que experimentam e aprendem algo novo são mais felizes;  Diretion: as pessoas que têm objetivos a perseguir são mais felizes;

 Resilience: as pessoas que se adaptam a adversidades são mais felizes;  Emotions: as pessoas que procuram emoções positivas são mais felizes;  Acceptance: as pessoas que se aceitam como são são mais felizes;

 Meaning: as pessoas que procuram um significado para a vida são mais felizes. Estudos vieram mostrar comportamentos virtuosos com elevada capacidade para aumentar a felicidade das pessoas, nomeadamente a gratidão (Emmons & McCullough, 2003), o perdão (McCullough et al., 2000), o otimismo (Wright, 2006) e a auto-reflexão (King & Kitchener, 2002; Lyubomirsky et al., 2005), a amizade (Kets de Vrie, 2000), a generosidade (Magen & Aharoni,1991; Lyubomirsky et al., 2005), bem como tornaram evidente que as pessoas com mais idade tendem a ser mais felizes do que as mais novas (Charles et al., 2001; Diener & Suh, 1997; Roberts & Chapman, 2000; Sheldon & Kasser, 2001), ou que a prática regular de exercício aumenta o nível de felicidade (Keltner & Bonanno, 1997). Constata-se, assim, que há outras dimensões relevantes para determinação da felicidade do que a genética e a reação temporária a ocorrências, criando- se terreno fértil para o advir da visão otimista (Lyubomirsky et al., 2005) quanto ao interesse em saber cada vez mais sobre os mecanismos que influenciam o nível de felicidade. Por outro lado, a jusante da felicidade, diversos estudos demonstram que as pessoas felizes obtêm mais retorno do que meros momentos de contentamento, obtendo mais e melhor:

 integração social: maior probabilidade de casamento e menor de divórcio, maior proximidade com amigos, interações sociais mais ricas (Kets de Vrie, 2000; Harker & Keltener, 2001; Marks & Fleming, 1999);

 resultados no trabalho: maior criatividade, produtividade, qualidade do trabalho e salário (Wright & Cropanzano, 2004; Luthans et al., 2007; Gilbert, 2007);  atividade: mais energia e atividade (Csikszentmihalyi & Wong, 1991).

Adicionalmente, as pessoas mais felizes beneficiam de melhor saúde, sistema imunitário reforçado (Dillon et al., 1985) e maior esperança de vida (Danner et al., 2001; Wright &

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Cropanzano, 2004). Em resumo, as pessoas felizes são “flourishing people” (Lyubomirsky et al., 2005, p. 112), melhoram as suas capacidades pessoais e relacionais com os que os rodeiam, obtendo, em retorno, melhores recompensas emocionais e tangíveis. Ora, a compreensão deste círculo virtuoso é muito relevante para o enquadramento do bem-estar no âmbito organizacional, quer no modo como a felicidade geral de cada indivíduo pode influenciar o seu comportamento no trabalho, quer como o próprio trabalho pode ser desenhado e enquadrado para gerar maiores níveis de bem-estar do empregado. O bem-estar dos empregados é, assim, uma parte importante da felicidade das pessoas, enquadrada no âmbito do trabalho e determinada pelas condições objetivas do trabalho, mas, também, pelo nível individual de felicidade que o empregado traz consigo, o qual, não sendo uma fatalidade, é uma propensão que só o controlo próprio e um empenho determinado do empregado poderá ultrapassar.