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3. Gestão de Recursos Humanos e Bem-Estar

3.1. Perspetivas sobre a GRH

Para explicitação dos mecanismos de articulação entre a GRH, o bem-estar e o desempenho organizacional surgem duas perspetivas que adquirem maior relevância (Van de Voorde, 2010), a perspetiva dos ganhos mútuos e a perspetiva dos resultados conflituantes. Segundo a perspetiva dos ganhos mútuos (Nishii & Wright, 2008; Guest, 1987) será possível garantir simultaneamente a melhoria do bem-estar dos empregados com o aumento do desempenho organizacional, em linha com a teoria AMO (Appelbaum et al., 2000) que defende que a atividade de GRH tem capacidade para aumentar o bem- estar dos empregados e, consequentemente, para influenciar positivamente o desempenho organizacional. Denomina-se ganhos mútuos porque admite que é possível conciliar o ganho dos empregados (através do bem-estar) com o ganho do empregador (através dos resultados organizacionais). A teoria da troca social também segue a perspetiva dos ganhos mútuos, na medida em que considera que qualquer oferta – entenda-se produtos e ações, devidamente socializadas, com a carga simbólica adquirida em contexto específico – irá gerar, implícita ou explicitamente, a obrigação de resposta em conformidade no recetor (Frémaux & Michelson, 2011). As ofertas, em contexto organizacional, podem adquirir natureza tangível, como por exemplo flores, salário, viatura de serviço, ou natureza intangível, como por exemplo partilha de informação, reputação do empregador,

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denominação do cargo, estilo de liderança ou trabalho desafiante (Dodlova & Yudkevich, 2009).

Para a perspetiva dos ganhos mútuos, o empregado reconhecendo o bem-estar que lhe é proporcionado pelo empregador, tenderá a agir positivamente para retribuir essa oferta. Gavin e Mason (2004, p. 381), referindo-se aos efeitos do trabalho com significado, denotam perfilhar a perspetiva dos ganhos mútuos: “Empregados saudáveis e felizes tendem a ser bem mais produtivos a longo prazo, gerando melhores produtos e serviços mais gratificantes para seus clientes e para os outros com os quais eles interagem e fazem negócios”.

Um clima organizacional propício à reciprocidade positiva deverá assegurar que o empregador dispõe de equipa competente e comprometida e o empregado de ambiente de trabalho positivo e com equidade de tratamento (Boxall, 2013). Ambas as partes têm de percecionar que os seus interesses estão a ser entendidos e valorizados, de modo a manterem duradouro o comportamento de reciprocidade positiva. A teoria da expectativa (MacDuffie, 1995) postula que tendo o empregado níveis elevados de motivação, competências, participação e compreensão do seu contributo individual irá aumentar o seu empenhamento e contribuir para o aumento do desempenho organizacional. Também a teoria da expectativa suporta a perspetiva dos ganhos mútuos.

Para a perspetiva dos resultados conflituantes (Peccei, 2004; Legge, 1995), o desempenho organizacional e o bem-estar dos empregados são resultados distintos, não relacionados e mesmo incompatíveis, como num jogo de soma nula, em que a melhoria num implica o sacrifício no outro, pelo que a maximização do desempenho organizacional ou do bem- estar dos empregados é obtida através de práticas de GRH também distintas. Compete à organização fazer permanentemente o tradeoff do que deve usar em cada momento de acordo com os resultados tidos por mais prioritários, considerando que melhorias no bem- estar têm custos no desempenho organizacional e vice-versa (Ramsay et al., 2000). Na mesma linha, Peccei (2004) defende que há práticas de GRH que promovem o bem-estar dos empregados e outras que promovem o desempenho organizacional.

O estudo de Grant et al. (2007) vem demonstrar a necessidade de haver um tradeoff quanto aos efeitos das diversas ações de GRH, não porque cada ação tenha um propósito

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distinto, mas sim porque a mesma ação pode ser entendida como diferente perante a especificidade do contexto e empregado, gerando assim comportamentos de resposta distintos e, por vezes, contraditórios. Considerando que os empregados transportam contextos pessoais e profissionais que os distinguem, nenhuma intervenção uniforme e padronizada assegurará que todos os empregados ficarão felizes (Fisher, 2010). Atentemos nas quatro ações de GRH enunciadas pelos autores:

 O enriquecimento de funções que aporte sentido, responsabilidade e conhecimento para o empregado, conforme proposto pelo Job Characteristics Model (Hackman & Oldham, 1980), tende a aumentar o nível de satisfação no trabalho (Fried & Ferris, 1987), todavia, a médio prazo, pode traduzir-se numa degradação do bem-estar físico, com aumento da fadiga, stresse ou risco de acidente cardiovascular (Melamed et al., 2006);

 Os incentivos remuneratórios tendem a aumentar o bem-estar dos empregados, na medida em que os empregados aplicam o seu esforço em busca de recompensa desejada, pelo que quando a atingem têm dupla satisfação: por um lado a obtenção da recompensa e, por outro, o reconhecimento do esforço e do mérito que permitiram ganhá-la (Van Eerde & Thierry, 1996). No entanto, constata-se que os incentivos remuneratórios tendem a criar um ambiente de competição entre os empregados, em substituição de uma postura de cooperação (Grant et al., 2007) e, se percecionados como meios de controlo, diminuem a motivação intrínseca e reduzem o desempenho (Frey, 1997). O discurso tende a ser centrado na valorização do trabalho de equipa, mas a lógica dos incentivos remuneratórios tende a ser centrada no empregado (Kerr, 1975);

 Ações de coesão das equipas de trabalho tendem a ser eficazes para aumentar a qualidade das interações interpessoais e, em consequência, aumentar o nível de bem-estar social (Thye & Lawler, 2002). Por outro lado, o reforço do trabalho em equipa pode acarretar uma redução do bem-estar para os empregados que preferem trabalhar de modo independente, cuja atividade principal passa a ser assistir (Bowe et al., 2000), perdendo a identificação e o prazer associado ao resultado do trabalho individual;

 O reforço das ações de proteção e segurança no trabalho tende a aumentar a satisfação dos empregados por via da redução do risco associado a cada tarefa

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(Fleming & Lardner, 1999). Todavia, há diversas evidências de que o reforço da proteção poderá reduzir o bem-estar psicológico dos empregados, na medida em que a utilização de proteções, além de poder reduzir conforto e imagem, pode significar défice de masculinidade – “um homem sabe defender-se sozinho” (Stevens et al., 2006, p. 239).

O exercício de tradeoff visa moderar o otimismo associado à perspetiva otimista de ganhos mútuos, muito focada em demonstrar que as práticas de GRH podem reforçar o bem-estar, negligenciando as possibilidades de as mesmas, em determinados contextos, poderem indesejavelmente contribuir para a sua redução (Kowalski & Loretto, 2017).