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A revisão crítica da literatura permitiu identificar que, embora o bem-estar do empregado tenha merecido muita atenção da investigação organizacional nas décadas mais recentes, a sua dimensão social continua a ser apresentada de modo muito superficial (Daniels et al., 2017) e “os relacionamentos sociais no trabalho têm sido amplamente ignorados pelos investigadores. Isso é surpreendente, dado o papel absolutamente central que as relações interpessoais desempenham na felicidade e bem-estar humanos” (Fisher, 2010, p. 396). A dimensão social é um dos eixos fundamentais do bem-estar dos empregados e torna-se necessário aprofundar o conhecimento científico quanto às funções de relacionamento interpessoal e/ou condições organizacionais que reforçam o bem-estar dos empregados, nomeadamente através de elevados níveis de satisfação, mais emoções positivas e altas perceções de significância (Colbert et al., 2016).

Alguns autores sugerem a associação do bem-estar social a diversos construtos como a confiança, igualdade de tratamento, reciprocidade e apoio social (Guest, 2017; Grant et al., 2007), todavia, não foi possível identificar uma proposta de enquadramento geral para o bem-estar social, que inclua as suas principais características e relações de influência e causalidade. Do mesmo, também não foi possível identificar um estudo de natureza qualitativa que, através da voz dos empregados, confirmasse ou refutasse os, ainda, escassos contributos sobre o conteúdo do bem-estar social. Por exemplo, os empregados confirmam que a confiança é um fator importante para o bem-estar social? Em que medida? Haverá outros valores sociais também importantes para o bem-estar social? Quais?

Na medida em que a literatura reconhece que o bem-estar social é determinado pela perceção que o empregado obtém da sua situação de trabalho (Dimotakis et al., 2010), considera-se importante, e manifestamente em falta, conceder voz ao empregado para

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obter uma caracterização do seu entendimento quanto às características mais significativas da formulação do bem-estar social do empregado. Na medida em que o modelo Top-Down (Rolland, 2000) surge como mais adequado para explicar o bem-estar do empregado, o qual considera mais importante para o bem-estar a perceção do empregado do que as condições objetivas da situação de trabalho oferecidas pela organização, será fundamental conceder voz aos empregados para obter informação que permita identificar as características principais que decorrem dessas perceções individuais.

Perante uma análise estrutural, o modelo de bem-estar proposto por Grant et al. (2007), que considera as dimensões psicológica e social como autónomas, apresenta frágeis fronteiras quando avaliadas seja pelo enfoque hedonista, na medida em que muito do prazer associado à experiência do trabalho decorre do estabelecimento de relações profissionais harmoniosas (Aborde de Chatillon & Richard, 2015), seja pelo enfoque eudaimonia em que muito do bem-estar decorre da concretização da necessidade de relacionamento do empregado (Ryan & Deci, 2000). O bem-estar psicológico eudaimonia inclui uma forte componente de relacionamento social, embora no modelo de Grant et al. (2007), as dimensões psicológica e social surjam como dimensões paralelas e afastadas. O mesmo poderá ser sinalizado quanto ao território partilhado pelas dimensões psicológica e física do bem-estar, por exemplo, quanto ao efeito do stresse do empregado, simultaneamente a afetar a saúde física do empregado e a concorrer, negativamente, para o juízo psicológico que gera a determinação do bem-estar do empregado. A revisão da literatura lançou indícios quanto à possibilidade de o bem-estar do empregado apresentar uma estrutura diversa do modelo de Grant et al. (2007), quer quanto à relação entre as dimensões já identificadas, quer quanto à relação com a situação concreta da experiência de trabalho. O bem-estar psicológico surge como uma avaliação final das diversas dimensões do trabalho. Uma nova estrutura do bem-estar, na qual a dimensão psicológica surgisse a jusante das dimensões física e social, estaria mais alinhada com o facto de a literatura evidenciar que, no essencial, o bem-estar dos empregados é uma avaliação psicológica e subjetiva (e.g. Guest, 2017; Fisher, 2010) de diversas dimensões que constituem a experiência de trabalho.

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A literatura apresenta, também, escassa informação quanto à importância da qualidade dos relacionamentos sociais para o bem-estar dos empregados (Dimotakis et al., 2011), sendo, ainda, desconhecidas as características das interações sociais laterais (com colegas), verticais ascendentes (com chefia) e verticais descendentes (com subordinados) com maior impacto para reforçar ou diminuir o bem-estar dos empregados (Colbert et al., 2016). As pessoas que interagem no trabalho têm capacidade de contágio mútuo, com destaque para o efeito de contágio do bem-estar do líder no nível de bem-estar dos membros da sua equipa (Wright & Huang, 2012), embora a literatura não apresente quais as oportunidades de relacionamento mais favoráveis para potenciar esse contágio positivo, nem quais os produtos sociais dessas interações. As relações positivas no trabalho apresentam dimensões que se afiguram relevantes na determinação do bem-estar social (Colbert et al., 2016), sendo, todavia importante clarificar se contribuem todas do mesmo modo e se têm uma operacionalização lateral de complementaridade ou vertical de causalidade. A ação de conceder apoio instrumental e emocional aos outros, que se integra no construto de comportamento de cidadania organizacional (Koopman et al., 2016), não mereceu ainda a atenção devida no âmbito do bem-estar, cujo enfoque tem sido concedido ao que o empregado recebe e não ao que entrega. No âmbito do bem-estar social, diretamente influenciado pelos fenómenos de troca social e reciprocidade justifica- se um aprofundamento do entendimento dos comportamentos de apoio prestado e recebido no âmbito do trabalho, quer pela chefia no âmbito dos seus deveres hierárquicos, quer pelos colegas de trabalho enquanto apoio voluntário e de cidadania organizacional. A psicologia positiva veio clarificar que, apesar do setpoint de bem-estar genético de cada pessoa, as condições de contexto e de ação individual contribuem de modo importante para o seu bem-estar final, enquanto estado psicológico de avaliação subjetiva da sua vida. Fazendo a devida transposição dessa visão otimista (Lyubomirsky et al., 2005) para o âmbito das organizações e para o bem-estar dos empregados no trabalho, torna-se importante identificar quais as condições organizacionais e ações individuais mais relevantes a criação e fortalecimento do bem-estar do empregado. A literatura, se, por um lado, tem produzido muita informação recente quanto ao bem-estar das pessoas na vida em geral (bem-estar subjetivo ou felicidade) e quanto ao bem-estar dos empregados no trabalho, por outro lado tem sido pouco ativa a relacionar, efetivamente, esses dois “mundos”, havendo escassa informação, por exemplo, sobre o impacto da qualidade dos

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relacionamentos sociais fora do trabalho na qualidade dos relacionamentos sociais no trabalho (se paralelos, se antagónicos) (Colbert et al., 2016), ou sobre o impacto do bem- estar do empregado no bem-estar familiar ou da comunidade em que se insere (Boreham et al., 2016).

Os trabalhos de investigação relacionados com o bem-estar dos empregados têm-se debruçado, essencialmente, sobre pequenas ou médias empresas, havendo necessidade de recolher informação sobre o bem-estar dos empregados em organizações de maior dimensão (Fisher, 2010). Não encontrámos na literatura estudos dedicados à caracterização do bem-estar do empregado em Portugal, nem encontrámos estudos similares no contexto dos países do sul da Europa, muito afetados pela crise financeira da viragem da última década, com impacto muito expressivo nas condições laborais dos empregados. Será relevante obter informação quanto às perceções dos empregados sobre o que mudou no antes e depois da crise relativamente ao bem-estar do empregado. Por exemplo, a segurança no emprego e as recompensas extrínsecas tornaram-se mais importantes do que o ambiente de trabalho agradável e as recompensas associadas à autodeterminação do trabalho (Ryan & Deci, 2000)? Tornou-se o empregado mais exigente ou mais tolerante perante insatisfatórias condições de trabalho?

As lacunas apontadas na literatura remetem para a necessidade de aprofundamento da estruturação e densificação do bem-estar social no âmbito da atenção que a investigação organizacional tem concedido ao tema do bem-estar do empregado e da valorização da pessoa no contexto organizacional.

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