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3 FEMINISMO E AGROECOLOGIA: UMA LEITURA A PARTIR DAS MULHERES

3.2 DO FEMINISMO ILUSTRADO À RELAÇÃO COM A NATUREZA

3.2.1 O feminismo ilustrado do século XVIII

Figura 4 – Quadrinho ilustrado

Das transformações dos séculos XVIII e XIX, destaca-se a consolidação da Revolução Industrial capitalista, acrescida da revolução nacional6 e da

revolução ideológica do Século das Luzes7. No período anterior, a enciclopédia

vasta era a ferramenta usada para difundir a naturalização e a divindade da dominação dos homens sobre as mulheres. Tais teorias eram bastante difundidas a partir da ideia de um destino natural ou obrigatório baseado na crença divina para as mulheres.

O final do século XVIII e início do século XIX coincidem também com a ampliação dos meios de difusão da informação, o surgimento dos tipos móveis, da imprensa e do enciclopedismo. Segundo Vinteuil (1989), foi a partir disso que começaram a circular abertamente as primeiras teses que questionavam a naturalização da dominação dos homens sobre as mulheres. É a origem da teoria feminista.

6De acordo com Bressar (2006), existem três acontecimentos históricos que estão intimamente

ligados ao mundo moderno e, consequentemente, ao desenvolvimento econômico: revolução comercial; revolução industrial e revolução nacional, ou a formação dos estados nacionais.

7 A Revolução ideológica do Século das Luzes caracteriza-se como “Época das Luzes”. A partir

da contribuição dos filósofos e escritores desse período, originou a revolução cultural e intelectual na história do pensamento moderno. Denominado o movimento de Iluminismo, visava estimular a luta pela razão. Dentre os pensadores da época, pode-se destacar Locke, pensador inglês, e os franceses, Montesquieu, Voltaire e, principalmente, Jean-Jacques Rousseau. O Século das Luzes representava a luz do conhecimento.

Fonte: http://www.teoriacriativa.com/olympe-de-gouges- feminista-revolucionaria-e-heroina/

Mesmo que distante das ciências sociais e da academia, a teoria feminista desenvolveu conceitos e categorias necessários para uma abordagem teórica crítica dos paradigmas científicos hegemônicos das enciclopédias da época e para compreensão da realidade das mulheres.

De fato, o termo feminismo só passou a existir depois do século XVIII. No entanto, de acordo com Miguel (2002), o feminismo, em seu sentido amplo, sempre existiu. Segundo a autora, deve-se considerar feminismo todas as vezes que as mulheres, individual ou coletivamente, denunciam a injustiça provocada pelo patriarcado e reivindicam uma mudança nas suas vidas.

Em Cobo (2014), busca-se na história sua data de nascimento na linguagem escrita. Mesmo sem o termo propriamente dito, o feminismo remonta aos escritos de François Poullain, de 1673, com o livro De l’ égalité des sexes8,

na qual o autor afirmava que a subordinação das mulheres não era de origem natural ou divina, era um produto da sociedade. Na Revolução Francesa, um século depois, as mulheres organizadas politicamente reivindicam o status de cidadãs concedido aos homens. Mais precisamente em 1792, Mary Wollstonecraft denunciava que a submissão das mulheres não era decorrência da supremacia natural dos homens.

As duas obras citadas são consideradas por Cobo (2014) como “as atas fundamentais do feminismo” para se comprovar que o termo gênero como construção social, longe de ser uma elaboração recente, foi descoberto no seio do iluminismo. E são essas obras que, segundo a autora, inauguram uma tradição intelectual de contestação da lógica moral da subordinação das mulheres e da luta contra o preconceito.

Foi até o Século das Luzes que os discursos sobre as mulheres oscilaram de inferioridade à excelência em relação aos homens. Cada alocução dependia da função ou lugar ao qual as mulheres eram designadas. A supremacia das mulheres no trabalho doméstico e sua separação do mundo público eram justificadas pela supremacia moral das mulheres em relação aos homens para lidar com aquele local e tarefa, ao passo que o discurso da subordinação das mulheres tem gênese em uma natureza inferior à masculina. De acordo com Cobo (2014), esse discurso (de inferioridade e excelência) é construído sobre a

ideia de que há uma forma de ser diferente para cada sexo. Nesse contrassenso a autora afirma:

O paradoxo desse discurso é que se origina precisamente naquilo que as subordina: sua designação ao espaço doméstico, sua separação do âmbito público-político e sua ‘inclinação natural’ a maternidade. O significado desta argumentação é que a excelência se assenta em uma concepção de feminino que foi resultado da hierarquia genérica patriarcal e que se resume no exercício das tarefas de cuidados e na capacidade de ter sentimentos afetivos e empáticos por parte das mulheres em relação aos outros seres humanos (COBO, 2014, p. 14).

Esse argumento da autora já tinha sido percebido por Mary Wollstonecraft, quando analisava a educação do regime antigo como uma arma dos homens para oprimir as mulheres. Chegou, inclusive, a chamar tal educação de imoral. Naquele período, a educação dada às mulheres era exclusivamente voltada a legitimar a construção social do ser feminino, como ser uma boa esposa, com aprendizagem de bordados e bons modos. Para ela, as mulheres são privadas da educação, razão, da igualdade e dos direitos pela tirania dos homens e o enfraquecimento da moral. Isso se concretiza em uma aristocracia masculina.

Do ponto de vista teórico, a Revolução Francesa se constitui como um importante marco histórico para o feminismo do século XVIII. Existe um consenso de que a participação das mulheres na Revolução marcou o início do movimento de mulheres como processo de auto-organização. As mulheres da época apenas defendiam os valores da Revolução: Liberté, egalité, fraternité para todas as mulheres e homens, mas mesmo com a participação ativa, as conquistas lhes foram negadas. Olympe des Gouges, uma valente defensora da conflagração, foi guilhotinada por escrever os direitos da Mulher e da Cidadã.

De acordo com Cobo (2014), geograficamente, o feminismo do século XVIII se fez presente precisamente na França, Inglaterra e Alemanha. Já no século seguinte o feminismo concentra-se na Inglaterra e nos Estados Unidos. Seu surgimento teórico e prático pode ser considerado herdeiro do feminismo iluminista da Revolução Francesa, aquele feminismo que muitos propagavam ter sido um episódio de mulheres isolado. Nesse contexto, é a partir de 1850 que há uma ampliação do que se conhece como movimento feminista: organização das mulheres reivindicando direitos e igualdade.