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3 FEMINISMO E AGROECOLOGIA: UMA LEITURA A PARTIR DAS MULHERES

3.5 AGROECOLOGIA E ECONOMIA FEMINISTA: SEM FEMINISMO HÁ

3.5.3 O trabalho nada leve das mulheres rurais

Kergoart (2009) afirma que o trabalho da reprodução, o doméstico e os cuidados são essenciais nos processos de produção e reprodução da vida, porém o valor social é atribuído, primordialmente, às tarefas do mundo produtivo, ou seja, às tarefas consideradas masculinas. Dessa forma, o atual estágio da sociedade segue dividindo e hierarquizando as atividades de homens e mulheres. De um lado, atividades relacionadas ao atual modelo de desenvolvimento, voltado para o crescimento econômico, com valor social elevado. De outro lado, há atividades com menor valor social, por serem consideradas como um não trabalho, tais quais: as tarefas domésticas, o cuidado com as pessoas e as atividades de reprodução da vida humana. Essa mesma lógica de desenvolvimento, segundo Sen (2000), tem, adicionalmente, convivido com a desigualdade entre mulheres e homens. Trata-se de uma ocorrência que compromete e, às vezes, encerra, prematuramente, a vida das mulheres e reduz, em altíssimo grau, as liberdades substantivas para o sexo feminino.

No meio rural, a divisão sexual do trabalho manifesta-se com a adesão dos homens aos grandes projetos da monocultura e do agronegócio. Segundo Woortman (2007), com o avanço do agronegócio e da monocultura da cana sobre as terras das comunidades pesqueiras, as mulheres ficaram, cada vez mais, privadas de seu espaço de produção agrícola, ficando apenas com o espaço do quintal que é subaproveitado. O papel produtivo e social da mulher é desvalorizado enquanto seu trabalho sustenta uma cultura patriarcal que o desqualifica.

Segundo Silipandri (1999), o debate no rural é, muitas vezes, apresentado a partir de uma ótica produtivista mais ligada ao mundo do trabalho da produção agrícola. Tem-se, nesse caso, uma realidade de divisão sexual do trabalho, em que todas as tarefas feitas pelas mulheres são consideradas domésticas. Assim, o tema do desenvolvimento rural tem, historicamente, excluído as atividades desenvolvidas pelas mulheres rurais.

De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho, as mulheres trabalham mais do que os homens, mas seu trabalho não é reconhecido como tal, já que a maioria destas não está na esfera mercantil. A ausência de reconhecimento é parte constitutiva da divisão sexual do trabalho. De acordo com Rua e Abramovay (2000), essa invisibilidade e ausência de reconhecimento é uma prática comum no meio rural:

A generalizada ausência de reconhecimento dos diversos tipos de trabalho desenvolvidos pelas mulheres é parte constituinte da dinâmica das relações de gênero. No meio rural, um indicador desse invisibidade é os elevados números de mulheres caracterizadas como trabalho sem remuneração. [...], a invisibilidade do trabalhado feminino no campo pode ser observada, inicialmente, pela proporção de mulheres ocupadas sem remuneração, que é significativamente mais elevada em comparação com os demais setores da economia. Pode-se constatar que embora a proporção do trabalho feminino não- remunerado seja superior ao trabalho masculino em quase todos os setores economicos, é na agropecuária que esse fenomeno se manifesta de forma mais eloquente (RUA; ABRAMOVAY, 2000, p. 152- 153).

Esssa constatação leva a acreditar que no meio rural existe uma rígida divisão sexual do trabalho que direciona para uma realidade aonde os homens são responsáveis pelo trabalho considerado produtivo, seja na agricultura ou na pecuária, especificamente em todas as tarefas associada à esfera mercantil. As mulheres são as responsáveis pelo trabalho considerado reprodutivo, especificamente, o trabalho doméstico, o cuidado dos quintais e dos pequenos animais, além da reprodução da própria família, como nascimento e cuidado de seus membros. Como se vê, nessa realidade, as mulheres são responsáveis por todo o trabalho não remunerado, desenvolvido, tanto na esfera produtiva como na reprodutiva, já que no meio rural essas esferas são coextensivas. Essa realidade leva a uma distribuição que, de acordo com Moreno (2013), a concepção do que é trabalho pesado e o que é trabalho leve varia de acordo com o sexo que realiza a tarefa.

Assim, as relações patriarcais sustentadas pela divisão sexual do trabalho permitem que ainda perpetuem estudos nos quais as mulheres rurais sejam vistas apenas como donas de casa, ressaltando o seu papel de mãe. No campo, a divisão sexual do trabalho se estrutura entre a separação da tarefa de casa e do roçado. Ou seja, no rural existe uma oposição entre a casa e o roçado.

Wootmann (1991), estudando os espaços da casa e do roçado, distingue esses ambientes como definidores dos trabalhos pesados e de leves, ou ainda de trabalho e não trabalho. O roçado é o local de produção em grande quantidade, produz mandioca, feijão, milho, cereais considerados essenciais para a sobrevivência da família. Dessa forma, é considerado, nesse caso, local de trabalho pesado, usam-se ferramentas mecânicas de grande porte, como a broca, o arado e a limpa. Os homens da família, em especial o pai, são os responsáveis por essas tarefas e no imaginário social, do meio rural, é uma obrigação masculina. Quando as mulheres realizam atividades nesse local, o seu trabalho é considerado como uma “ajuda”.

Por outro lado, a casa é o local da mulher, as atividades realizadas são consideradas o não trabalho. A criação de pequenos animais, a plantação de fruteiras, a reprodução social da família têm valor social menor quando comparadas às tarefas masculinas. Mesmo sendo atividades essenciais para o autoconsumo familiar e para o abastecimento do comércio local, são entendidas como trabalho leve ou como um não trabalho.

A ideia de hierarquia entre os produtos determina os conceitos de trabalho pesado e leve, de trabalho e não trabalho, ou ainda, de trabalho e ajuda. As mulheres rurais, quando descrevem as tarefas domésticas e o não reconhecimento de seu trabalho, falam de muito trabalho no preparo dos alimentos, explicam a necessidade de mais pessoas nessa tarefa e citam, como exemplo, a preparação da pamonha e da canjica, comidas típicas, principalmente nos festejos juninos, que necessitam de muitas horas de trabalho, pois não há divisão das tarefas.

No entanto, é possível reforçar a ideia de que o roçado e a casa podem ser vistos como espaços de realização de tarefa de homens e mulheres que vivem no campo. Percebe-se que as mulheres estão nos dois espaços e que realizam ou podem realizar ambas as tarefas. Isso significa aceitar que existe uma rígida divisão sexual do trabalho que divide e hierarquiza as tarefas realizadas por homens e mulheres e que transforma em oposição os espaços de sua realização (casa versus roçado). Dito isso, é preciso romper as barreiras que separam os espaços e reconhecer o valor, para além do monetário, do trabalho das mulheres.

3.6 FEMINISMO E AGROECOLOGIA: UMA ELABORAÇÃO