• Nenhum resultado encontrado

3 FEMINISMO E AGROECOLOGIA: UMA LEITURA A PARTIR DAS MULHERES

3.2 DO FEMINISMO ILUSTRADO À RELAÇÃO COM A NATUREZA

3.2.2 Feminismo do século XIX

Figura 5 – Manifestação pelo direito ao voto

Fonte: Imagem disponível em: <https://womensenews.org/2017/09/teen-voices-on- womens-suffrage/>.

O século XIX foi palco da desnaturalização do ser mulher com a ideia de indivíduo fundamentado no princípio da igualdade das sociedades modernas, a elaboração feminista teve como tarefa comprovar que as mulheres eram indivíduos dotados de razão. A igualdade protagonizada pelas sociedades modernas não incluíam outros indivíduos se não os homens nobres. Foi necessário o feminismo para que as mulheres se tornassem parte desse ideário de igualdade. Sobre isso Silveira (2014) afirma:

Já dizia um precursor das ideias de igualdade entre homens e mulheres, Pulain de la Barre (que rivalizou com Rousseau) a igualdade não é somente uma ideia, senão um sentimento moral, uma ideia força com capacidade esclarecedora e transformadora: um horizonte, um parâmetro ético-político, como diz a filósofa feminista Celia Amorós. À luz do conceito de igualdade, podemos perceber o fenômeno da desigualdade, em todos os níveis da sociedade, que se produz e se reproduz. Leva-nos a desenvolver uma sensibilidade social, por meio da qual, qualquer manifestação de desigualdade se torne intolerável e tal sensibilidade se torna combustível de nossas intervenções políticas (SILVEIRA, 2014, p.161).

Considerando o feminismo como uma teoria crítica e uma ação política, como afirma a autora, o que se constata é um silêncio ou mesmo uma ausência de interesse das ciências sociais com o surgimento do movimento feminista, o que leva a acreditar em uma falsa ideia de que em um largo período da história ocorreu uma aceitação por parte das mulheres a sua condição de dominadas. Somente quando as mulheres construíram capacidades teóricas e práticas para articular uma agenda pública que o feminismo passou a ser considerado um movimento social.

Quando já não se podia ser incógnito, o movimento feminista passa a ser percebido como um fenômeno social. Diante disso pode-se indagar: qual o lugar e a importância do feminismo?

Nas respostas a essa pergunta, Silveira (2014) afirma que, no âmbito acadêmico, as ciências sociais do século XX já não podiam mais ignorar tal fenômeno social, pois vários teóricos das ciências humanas declararam a importância do movimento feminista, sejam estes das mais distintas correntes teóricas, desde Castells, Giddens, Touraine e mesmo o historiador marxista Hobsbawm.

E não tinha como ser diferente: no século XX ocorreu o esforço das teóricas feministas em construir o status de ciências para as teorias feministas, ao mesmo tempo em que ecoava das ruas e de outros diversos espaços uma reivindicação coletiva ou individual, que se transformou em uma agenda política para os próximos períodos.

Silveira (2014) diz que, como um movimento de ação e mobilização, a pauta política do feminismo da época pôde ser representada pelo movimento feminista norte-americano, que resume um programa que exigia igualdade de salários e de opções de trabalho, direito à posse e à administração de bens; transações financeiras como ter contas correntes e negócios; direito à liberdade e à participação política; acesso à educação; igualdade no matrimônio sem refutar as lutas herdadas das reivindicações das pautas feministas de forma ampla, como a mudança da vida das mulheres.

Nesse contexto, surge o questionamento do por que se tem tão pouca informação sobre as lutas das mulheres americanas e a autora faz refletir sobre como os processos coletivos construídos por mulheres são excluídos da história oficial. Acrescentam-se, então, outras indagações como: por que aceitar o

simplismo de taxar a luta pelo direito ao voto e das sufragistas ao direito burguês? Essas mulheres que lutaram pelo direito ao voto são as mesmas que tiveram um papel fundamental na luta contra a escravidão nos Estados Unidos, por exemplo:

Sabemos da luta e da disputa, das tensões para ir além do direito ao voto das mulheres, o seu papel etc. Mas ficamos durante muito tempo sem lançar nossas vistas a essas grandes mobilizações das mulheres americanas que se mesclaram às lutas das trabalhadoras fabris por seus direitos. Sim, direito ao voto, significava direito político e um exercício de autonomia para as mulheres (SILVEIRA, 2014, p. 159).

A luta pelo direito ao voto desencadeou um processo de engajamento das mulheres que deve ser considerado como percussor das conquistas institucionais modernas. Foi nesse período que as mulheres reeditaram a Declaração Cidadã das Mulheres, construída por Olympe des Gouges, agora sobre o nome de Declaração de Seneca Falls nos EUA, na qual trazia propostas de revogação de todas as leis que impedissem o pleno desenvolvimento das mulheres e que, a partir de então, essas leis não seriam consideradas “sem força e autoridade”.

O direito ao voto foi uma reivindicação central para as mulheres de distintas correntes que se formaram na mobilização das mulheres. Enquanto isso, o feminismo socialista teve em Flora Tristan uma das precursoras do ideário e, através dela, os socialistas utópicos foram os primeiros que entenderam a reivindicação das mulheres e, em especial, sua necessidade de independência econômica.

Assim como as sufragistas viam o matrimônio como uma instituição repressora e “causa de injustiça e infelicidade” (SILVEIRA, 2014, p. 164), a principal contribuição do socialismo utópico para a libertação das mulheres foi seu debate sobre o papel da família na opressão e a necessidade de transformações.

Já no século XIX as mulheres socialistas iniciaram o debate sobre a

questão da Mulher no marxismo. Como referência teórica podemos citar a obra

A Origem da família, da propriedade privada e do Estado, de Engels, que ainda hoje é referência para entender a abordagem marxista. As teóricas da economia feminista dialogam com Engels sobre as lacunas do livro e, ao mesmo tempo,

colocam sua importância no seio do movimento operário. No entanto, a contribuição teórica de Engels sobre a opressão das mulheres não impediu que alguns setores do movimento operário tratassem o feminismo como divisor da classe. Assim, afirma Silveira (2014, p. 164):

Chegou-se a afirmar que o feminismo era um desvio. Isso impediu que as mulheres socialistas se organizassem dentro de seus próprios partidos. Apesar disso, a sedimentação de um feminismo socialista se deu com a insistência de Clara Zetkin que dirigiu a revista Igualdade.

Desde as sufragistas com sua pauta imediata de direito ao voto, mas que carregou consigo a luta pela igualdade institucional, até as socialistas que construíram uma luta pela igualdade entre homens e mulheres concomitante às batalhas pelas transformações gerais da sociedade, o século XIX foi profícuo para o feminismo. O século XX é palco da chamada revolução feminista. Entram em cena as consignas: O privado é político; Nosso corpo nos pertence; Quem

ama não mata.