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3 FEMINISMO E AGROECOLOGIA: UMA LEITURA A PARTIR DAS MULHERES

3.4 O CAMINHO DA AGROECOLOGIA E A SUSTENTABILIDADE DA VIDA

De acordo com Sevilla (1999), três campos de saber constituem o pensamento da agroecologia: uma corrente baseada nos saberes construídos pela prática social dos povos camponeses/indígenas, uma segunda corrente advinda da junção entre as áreas da agronomia e ecologia representadas por Gliessman (2003), na relação entre agroecologia e questão ambiental em Altieri (2002), e em uma vertente da sociologia conduzida pelo próprio Sevilla (1999) através de estudos desenvolvidos especialmente no mestrado e doutorado na Espanha. A partir desses três campos que o tópico discutirá as barreiras machistas e as contribuições das mulheres para a agroecologia.

O significado da agroecologia tem sido objeto de debate teórico-político desde a década de 1970, quando a terminologia agricultura alternativa foi utilizada para designar um campo que conglomerava as diversas iniciativas

críticas à chamada agricultura convencional do campo da revolução verde11. De

acordo com Carvalho (2016), no campo alternativo estão as demais correntes de agricultura não industrial: orgânica, biodinâmica, biológica e natural.

Para Silipandri (2009), ancoradas no conceito de sustentabilidade, duas correntes de propostas se constituíram como resposta à crise ambiental da década de 1970: a ecotecnocrática e a ecossocial, ambas desenvolvidas como um amplo campo de elaboração.

A corrente ecotecnocrática tem como exemplo o relatório Limits to Growth, conhecido no Brasil como “Nosso Futuro Comum” que, como já dito, apresentou a existência limítrofe entre o esgotamento dos recursos naturais em face da atividade econômica. Nesse campo de proposta, a produtividade e o crescimento econômico devem ser mantidos ao cabo que o meio ambiente deve ser preservado. A preservação ambiental para esse campo político elaborativo é apenas uma questão de gestão estratégica.

Nesse sentido, de acordo com Pereira (2011), o conceito de desenvolvimento consolidado na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, CNUMAD, realizado no Rio de Janeiro em junho de 1992, teve três pilares caracterizando o Desenvolvimento Sustentável: desenvolvimento econômico, equidade social e proteção ambiental. E na Rio +20,realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro12, essa

vertente volta com força política, reeditando a chamada economia verde surgida na década de 1970. Esse campo de proposta, assim como em 92, propõe a continuidade do atual modelo de desenvolvimento, sem questionar o crescimento ilimitado e o modo de produção e de consumo que se impôs.

O segundo campo de resposta, o ecossocial, baseia-se na premissa de que as pessoas devem ser a âncora estrutural do desenvolvimento. Dessa forma, constrói uma leitura crítica ao atual modelo de desenvolvimento e afirma que a agroecologia vai dialogar com uma proposta que tem base no

11 Sobre revolução verde ver “Do capital financeiro à economia do agronegócio: mudanças

cíclicas em meio século (1965-2012)”.

12 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20 foi realizada

de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Foi assim conhecida porque marcou os vinte anos de realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e contribuiu para definir a agenda do desenvolvimento sustentável para as próximas décadas. (Disponível em: <http://www.rio20.gov.br>. Acesso em: 30 nov. 2017).

protagonismo de mulheres e homens que vivem da agricultura. Silipandri (2009), embasada por Caporal (1998), afirma que na agroecologia “a sobrevivência das pessoas não deve estar submetida à lógica do capital, mas sim à busca da conservação de todas as formar de vidas” (SILIPANDRI, 2009, p. 103).

É entre esses debates sobre a sustentabilidade que a agroecologia é definida no meio acadêmico como um campo que permite a elaboração de técnicas e implementações de uma agricultura sustentável em relação ao agrossistema e às futuras gerações. É, portanto, uma ciência construída em diálogo com outros campos de saberes, com uma abordagem agrícola que incorpora o cuidado ao meio ambiente e aos problemas sociais. Por isso, agroecologia é mais que uma ciência que sustenta uma técnica produtiva, pois está empenhada na sustentabilidade ecológica do sistema de produção ao qual ampara teoricamente.

Altieri (1989), quando fala da relação entre agroecologia e questão ambiental, afirma que o desenvolvimento agrícola sustentável deve considerar a pobreza rural e as questões ambientais. A contribuição da agroecologia ao desenvolvimento rural sustentável deve estar sustentada na premissa de basear- se no saber camponês tradicional com técnicas agroecológicas necessariamente compatíveis com a cultura camponesa, acrescida dos subsídios da ciência e da agricultura moderna. Uma vez que na agroecologia não se tenta modificar radicalmente os ecossistemas camponeses, as técnicas ecológicas tratam de identificar elementos de manejo que, uma vez incorporados, conduzem a uma otimização da unidade de produção. Nesse sentido, a sustentabilidade, para Altieri (1996), só será obtida quando os sujeitos políticos do campo tiverem domínio sobre a terra, os recursos e acessos a uma tecnologia apropriada para manejá-la.

Nas conclusões sobre o tópico de Agroecologia “Y el diseño de agroecosistemas sustentable’13, Altieri (1996) apresenta seu conceito de

agricultura sustentável apontando os aportes agroecológicos:

El resultado final del diseño agroecológico es mejorar la sustentabilidad económica y ecológica del agroecosistema, con un sistema de manejo propuesto a tono con la base local de recursos y con una estructura operacional acorde con las condiciones ambientales y

socioeconómicas existentes. En una estrategia agroecológica los componentes de manejo son dirigidos con el objetivo de resaltar la conservación y mejoramiento de los recursos locales (germoplasma, suelo, fauna benéfica, diversidad vegetal etc.) enfatizando el desarrollo de una metodología que valore la participación de los agricultores, el uso del conocimiento tradicional y la adaptación de las explotaciones agrícolas a las necesidades locales y las condiciones socioeconómicas y biofísicas (ALTIERI, 2002, p. 144-145)14.

Ainda sobre o conceito de sustentabilidade na agroecologia, em Sevilla Gusmán (1999) voltam-se às duas noções já discutidas na conferência sobre desenvolvimento sustentável em 1992. A primeira questão, concebida na agroecologia como o “ecotecnocrática”; e a segunda elaborada com os princípios agroecológicos, da forma definida por Altieri (2002). A primeira abordagem, que tem a ciência como consunção, se reivindica a objetividade do conhecimento, da neutralidade cultural e da natureza universal como elementos centrais para seu campo de pesquisa, que atua em um contexto independente da cultura e da ética. A segunda, para construir seu conceito, elabora uma crítica à chamada ciência convencional e aponta limitações nas resoluções de problemas listando os “efeitos colaterais” das receitas aplicadas e, com isso, constrói uma sustentabilidade da agroecologia que se apoia nas culturas tradicionais dos manejos agrícolas e enlaçam o potencial produtivo dos sistemas sociais e biológicos em seu processo de evolução produtivo.

Sevilla Guzmán e González de Molina (2000) definem a agroecologia de uma forma ampla como campo de estudos que ambiciona o manejo ecológico dos recursos naturais. Através de uma ação social coletiva de caráter participativo, de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica, se propõe, então, mediante um controle das forças produtivas que estancam seletivamente as formas degradantes e espoliadoras da natureza e da sociedade, a reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica, esse é um argumento que

14 O resultado final do desenho agroecológico é melhorar a sustentabilidade econômica e

ecológica do agroecossistema, com um sistema de gestão proposto em sintonia com a base de recursos locais e com uma estrutura operacional de acordo com as condições ambientais e socioeconômicas existentes.Em uma estratégia agroecológica, os componentes de gestão são direcionados com o objetivo de destacar a conservação e melhoria dos recursos locais (germoplasma, solo, fauna benéfica, diversidade de plantas etc.), enfatizando o desenvolvimento de uma metodologia que valorize a participação de agricultores, a utilização dos conhecimentos tradicionais e a adaptação das explorações agrícolas às necessidades locais e às condições socioeconômicas e biofísicas. (Tradução livre da autora)

Caporal (2004) utiliza para definir agroecologia. Nessa definição transforma a dimensão local como central, por ser portadora de um potencial endógeno, rico em recursos, conhecimentos e saberes que facilita a implementação de estilos de agricultura potencializadores da biodiversidade ecológica e da diversidade sociocultural. Nas palavras do autor, agroecologia é

Entendida como um enfoque científico destinado a apoiar a transição dos atuais modelos de desenvolvimento rural e de agricultura convencionais para estilos de desenvolvimento rural e de agriculturas sustentáveis. Partindo, especialmente, de escritos de Miguel Altieri, observa-se que a Agroecologia constitui um enfoque teórico e metodológico que, lançando mão de diversas disciplinas científicas, pretende estudar a atividade agrária sob uma perspectiva ecológica. Sendo assim, a Agroecologia, a partir de um enfoque sistêmico, adota o agroecossistema como unidade de análise, tendo como propósito, em última instância, proporcionar as bases científicas (princípios, conceitos e metodologias) para apoiar o processo de transição do atual modelo de agricultura convencional para estilos de agriculturas sustentáveis (CAPORAL, 2004, p. 12).

A agroecologia, nesse sentido, é definida como ciência e arcabouço teórico metodológico, trazendo na sua centralidade a transação, de forma sistêmica, dos preceitos produtivos convencionais para uma transação sustentável.

No entanto, para este trabalho, a agroecologia não uma é uma mera substituição de técnicas produtivas e de insumos, ela possui uma vertente social. É uma mudança de paradigma que questiona o método produtivo, mas também os resultados finais da produção e a forma organizativa da sociedade a qual o atual modelo da agricultura convencional se sustenta. A agroecologia apoia-se na sustentabilidade para subsidiar a transição do modelo hegemônico de produção agrícola, e a sustentabilidade é entendida, de acordo com Silipandri (2009), como a capacidade de conciliar as atividades agrícolas com a ecologia e a vida digna das pessoas. E é nessa sustentabilidade da vida que entra o trabalho das mulheres rurais, por isso a importância de debater a ecologia em sua versão de agroecologia concomitante à discussão do feminismo. Com esse propósito que se amplia, no ponto seguinte, o entendimento sobre a imbricação entre os paradigmas feministas e agroecológico, utilizando a economia feminista como aporte para o debate crítico.

3.5 AGROECOLOGIA E ECONOMIA FEMINISTA: SEM FEMINISMO HÁ