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Fenómeno da Imigração em Portugal

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

3. Interculturalidade na Educação Pré-Escolar

3.1. Fenómeno da Imigração em Portugal

Remontando ao século passado, constata-se que até às décadas de 60/70, Portugal era um país de índole predominantemente emigratória. Os cidadãos nacionais deixavam o país com destino ao Continente Americano (Brasil, E.U.A. e Argentina – entre 1900 e 1960 – 1,5 milhão de portugueses) e à Europa (França e R. F. Alemã – entre 1960 e 1974), assim como às designadas províncias ultramarinas. Os fluxos migratórios, em Portugal, registavam um saldo negativo, vindo a ser alterada essa tendência com a revolução de 25 de Abril de 1974 e a subsequente independência das colónias africanas. Assiste-se, nessa época, ao regresso maciço de cidadãos provenientes daqueles territórios, quer originários da então metrópole, quer ali nascidos (SEF, 2006: 6).

No início da década de 80 verifica-se um aumento exponencial e atípico do número de estrangeiros residentes em Portugal, sendo de notar que muitos dos cidadãos agora com estatuto de “estrangeiro” tinham sido, anteriormente, cidadãos nacionais. Se consultarmos as estatísticas de 1981 (Ministério da Administração Interna, SEF), a parcela correspondente a estrangeiros residentes em Portugal era de 54.414, correspondente a 0,6% do total da população. A comunidade que mais se destacava era a cabo-verdiana, a qual continua, ainda hoje, a ser muito relevante em território nacional.

Ainda assim, e segundo um estudo de Casa-Nova (2005), até ao ano 1992, as estatísticas indicam que os números da emigração são ainda superiores aos números da imigração, “assistindo-se a uma inversão gradual desta tendência a partir de 1993, ano a partir do qual o número de entradas ultrapassou o número de saídas, mantendo-se esta tendência até ao presente” (183).

Os anos 90 foram caracterizados por uma consolidação e um crescimento da população residente em Portugal com destaque para as comunidades oriundas dos países africanos de expressão portuguesa (PALOP) e do Brasil. Tal situação parece estar intimamente ligada com legislação saída em 1992 (Decreto-Lei nº 212/92 de Outubro) e em 1996 (Lei nº 17/96, de 24 de Maio) que permitiram, respectivamente, a concessão de um título provisório pelo período de um ano e a emissão de um título provisório anual, renovado pelo período de três anos. Em 1998, a população estrangeira em território nacional totalizava 121.949, como se regista na seguinte tabela.

População Estrangeira em Território Nacional em 1998

Cabo Verde 43.797 Brasil 20.887 Angola 17.695 Guiné-Bissau 14.140 EUA 7.975 S. Tomé e Príncipe 4.795 Moçambique 4.503 Venezuela 3.412 China 2.733 Canadá 2.012

Tabela 2 – População Estrangeira em Território Nacional em 1998 – fonte SEF (estatísticas de 1999)

Em 2000, o número de estrangeiros com residência legal em Portugal era já de 208.198 pessoas, ou seja, aproximadamente 2% do total (SEF, 2000). No final do século XX os imigrantes em Portugal eram maioritariamente (76% em 1999 e 77% em 2000) originários de países de língua oficial portuguesa, ex-colónias em África e Brasil.

Com o novo século, surgem os fluxos do leste europeu.

No início de Janeiro do ano 2001 saiu o decreto-lei 4/2001 de 10 de Janeiro que veio revolucionar as estatísticas pois permitiu a regularização de trabalhadores estrangeiros por conta de outrem, através da figura da autorização de permanência (AP), a qual, decorridos cinco anos, facultava o acesso à autorização de residência.

Na sequência de tal decreto, foram concedidas 126.901 autorizações de permanência no país, sendo mais de metade para cidadãos do Leste da Europa, com destaque para a Ucrânia. Em apenas um ano, a população imigrante passou de 208.198 para 350.503 indivíduos, registando-se um crescimento de 68%, segundo dados registados pelo SEF e apresentados na tabela seguinte:

População Estrangeira em Território Nacional em 2002 Ucrânia 62.041 Cabo Verde 60.368 Brasil 59.950 Angola 32.182 Guiné-Bissau 23.349 Moldávia 12.155 Roménia 10.938 S. Tomé e Príncipe 9.208 China 8.316 EUA 8.083

Tabela 3 – População Estrangeira em Território Nacional em 2002 – fonte SEF (estatísticas de 2001 e 2002)

Segundo Casa-Nova, e à data do seu estudo (2005), faziam parte da sociedade portuguesa cidadãos oriundos de quase todos os países do mundo (170 países que falam 230 línguas diferentes (Matos, 2003)), com particular relevância numérica para os cidadãos provenientes (e por ordem decrescente) do Brasil, Ucrânia, Cabo-Verde, Angola, Guiné-Bissau, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Moldávia, Roménia, França, Estados Unidos, S. Tomé e Príncipe, Rússia e Países Baixos (dados provisórios de 2004 – SEF).

Em 2006, a maior parte da população estrangeira residente em Portugal era oriunda de países da Europa – 153.307 indivíduos – como retratado no seguinte gráfico.

POPULAÇÃO ESTRANGEIRA EM

TERRITÓRIO NACIONAL EM 2006

Europa África (PALOP) África (outros) América Ásia Oceania

Gráfico 1 – População estrangeira em território Nacional em 2006 – Fonte: Relatório de Actividades do SEF – 2006

Seguem-se os povos dos PALOP (149.982 indivíduos). Há ainda indivíduos oriundos da América, principalmente do Brasil (82.600) e da Ásia (22.418). Finalmente, registam-se 10.154 residentes de outros países africanos e 589 da Oceânia.

O nível de desenvolvimento económico, a estabilidade social e política, a localização geográfica, as redes de comunicação estabelecidas com outros pontos do globo e a integração de Portugal na União Europeia fazem, recentemente, de Portugal um destino preferido por muitos potenciais imigrantes.

No entanto, os ocidentais, apesar de historicamente considerados “civilizados,” precisam de aprender não só a conviver com um outro, culturalmente distinto, mas a dialogar com esse outro e, juntos, construir relações sociais mais justas e igualitárias, com as quais todos têm a ganhar. Note-se quesegundo palavras de Nóvoa (2001: 140)), citando Spivak (1999), e referindo- se aos sujeitos provenientes das ex-colónias, “o modo como o sujeito colonial foi constituído como o outro é indissociável dos processos educativos, formais e informais, que constituíram a dicotomia ‘primitivo/moderno’ como sinónimo de ‘selvagem/civilizado’”. Constitui-se, assim, a base de uma sociedade viável, que pratica os direitos de cada um, que busca, mediante o diálogo e a cooperação, construir uma melhor qualidade de vida para todos. Enfim, constitui-se uma sociedade intercultural.

De facto, por um lado, uma sociedade que impede que os seus membros – crianças e adultos – possam desenvolver ao máximo as suas capacidades em virtude do seu meio ou cultura de origem, ou que lhes nega plenos direitos de cidadania em razão do seu local de nascimento, não é uma sociedade viável: fixa-se no passado e esquece o seu futuro.

Tais direitos estão consagrados em alguns documentos que se nos afiguram como o mais alto património da civilização humana: as convenções e declarações entre Estados destinadas a salvaguardarem, dos actos de barbárie, intolerância e incompreensão, os direitos humanos de todos os indivíduos e de todos os povos. Entre estes documentos queremos destacar:

• A Declaração dos Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas ou Linguísticas (1992), segundo a qual os estados devem proteger a existência e a identidade nacional, cultural, religiosa e linguística das minorias dentro dos respectivos territórios, encorajar condições para a promoção dessa identidade e tomar as medidas que assegurem que as pessoas pertencentes a minorias possam exercer, efectivamente, todos os seus direitos humanos e liberdades fundamentais, sem qualquer discriminação e em total equidade perante a lei;

• A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), texto que ao longo de trinta artigos se propôs enunciar os direitos que todos os homens têm pelo simples facto de

serem humanos, qualidade que se sobrepõe a todas as distinções de língua, credo, cor de pele, origem geográfica, ideologia, nível sócioeconómico, etc.

Por outro lado, se em vez de um somatório ou justaposição de culturas que se confrontam ou se “toleram” num mesmo espaço, se viver o cruzamento de culturas em transformação mútua, numa sociedade de direitos reais e efectivos, desde os direitos cívicos e políticos aos direitos económicos, sociais e culturais, evolui-se de uma sociedade multicultural para uma sociedade intercultural.