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Implementação curricular das tecnologias informáticas

CAPÍTULO II – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

2. Tecnologias informáticas na Educação Pré-Escolar

2.3. Implementação curricular das tecnologias informáticas

Nas reformas do sistema educativo, tem havido sempre a preocupação de focar aspectos como a necessidade de introdução e utilização dos meios tecnológicos em contextos de ensino e de aprendizagem. Consultando os artigos 7º, 8º, 9º e 10º da Lei nº46/86 (Lei de Bases do Sistema Educativo) pode-se comprovar isso mesmo. A referência a essa introdução não se faz ao nível do Pré-Escolar, mas sim no que se refere a níveis mais avançados. “Para o 2º ciclo, a formação humanística, artística, física e desportiva, científica e tecnológica e a educação moral e cívica” (artigo 8º, alínea b)). Ao referir-se aos objectivos do ensino secundário diz também: “Favorecer a orientação e formação profissional dos jovens, através da preparação técnica e tecnológica, com vista à entrada no mundo do trabalho” (artigo 9º, alínea f)) e ainda “O ensino secundário organiza- se segundo formas diferenciadas, contemplando a existência de cursos predominantemente orientados para a vida activa ou para o prosseguimento de estudos, contendo todas elas componentes de formação de sentido técnico, tecnológico e profissionalizante e de língua e cultura portuguesas adequadas à natureza dos diversos cursos” (artigo 10º, ponto 3).

Também na Lei-quadro nº 5/97, de 10 de Fevereiro, podemos encontrar referências a tais meios e a uma sua adequada utilização, nomeadamente no artigo 10º, alínea e): “desenvolver a expressão e a comunicação através da utilização de linguagens múltiplas como meios de relação, de informação, de sensibilização estética e de compreensão do mundo”.

Ainda de uma forma geral, as directrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação (2002: 82), também são no sentido de que “sejam tomadas as medidas políticas operacionais necessárias para que as potencialidades das tecnologias informáticas permitam adoptar e colocar cada vez mais a estratégia de aprendizagem ao serviço das necessidades e expectativas dos indivíduos de todas as faixas etárias”.

Mais concretamente e, pelas vantagens que se lhes reconhecem, a utilização das tecnologias informáticas no Jardim-de-Infância, está ainda prevista nas Orientações Curriculares para o Pré-Escolar (ME, 1997) – “A utilização de meios informáticos, a partir da educação Pré- Escolar pode ser desencadeadora de variadas situações de aprendizagem, permitindo a sensibilização a um outro código, o código informático, cada vez mais necessário. Este pode ser utilizado em expressão plástica e expressão musical, na abordagem ao código escrito e na matemática” (ME, 1997: 72). Ao referir-se a materiais e recursos que se podem utilizar faz a seguinte afirmação: “materiais de consulta tais como livros, jornais, vídeos, diapositivos, computador…” (ME, 1997: 82).

Ainda em 1997, no Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal, é dito que crianças e jovens “devem beneficiar do acesso à informação disponível nas redes digitais e dos poderosos instrumentos da Sociedade de Informação para processamento de texto, jogos e aplicações interactivas, que combinam o entretenimento com a aprendizagem, o lazer com o desenvolvimento de capacidades mentais e de melhoria de reflexos (…)” (15).

Também no Perfil Específico do Desempenho dos Educadores de Infância (2001) há referência explícita ao uso de meios informáticos quando se afirma que: “no âmbito da organização do ambiente educativo, o educador de infância: Mobiliza e gere os recursos educativos, nomeadamente os ligados às tecnologias da informação e da comunicação” (capitulo II, ponto 2, alínea d)).

Não obstante a sua referência em documentos oficiais, as tecnologias informáticas (ainda) não são uma realidade presente, de uma forma sistemática, no Ensino Pré-Escolar.

Carioca (2002) num estudo desenvolvido concluiu que grande parte dos Jardins-de- Infância em Portugal não possui equipamento e software em qualidade e quantidade suficiente, não existem apoios que possibilitem a aquisição e manutenção dos equipamentos e os educadores não têm formação adequada nesta área. De facto, não tem havido qualquer programa ministerial que vise o fornecimento generalizado de equipamentos a este nível de ensino, pela sua não inclusão no Programa Internet na Escola nem em Programas subsequentes.

Ainda segundo o mesmo autor (id), os educadores têm uma formação inadequada e/ou insuficiente para o desenvolvimento de processos de formação no quadro das novas realidades.

Também num estudo efectuado pelo Departamento de Avaliação Prospectiva e Planeamento do Ministério da Educação Português, publicado em 2002, verifica-se que a utilização das tecnologias informáticas em contexto educativo pré-escolar é muito deficiente devido à insuficiência de materiais e desconhecimento das TIC pelos professores.

A este propósito, Ponte e Serrazina (1998) e Santos (2001) denunciam deficiências ao nível da formação inicial e contínua de professores.

Curiosamente, ao olhar reflexivamente sobre as atitudes dos educadores face à utilização do computador no Ensino Pré-Escolar, Roxo (1996) chegou à conclusão que muitos dos educadores, apesar de nunca terem tido formação para a utilização desse meio e terem declarado nunca o terem explorado em contexto de sala de aula, apresentam atitudes muito positivas, mostrando acreditar que as mudanças nos ambientes de aprendizagem possam estar ligadas à tecnologia e que quem entra por esse caminho se mostra mais aberto e receptivo à mudança e inovação. O mesmo estudo concluiu, no entanto, que educadoras com alguma formação já adquirida a este nível não revelam predisposição para a utilização do computador na sala de aula, alegando não se sentirem à vontade, o que acentua a tónica de formação meramente utilitária, sem um enfoque de aplicação pedagógica da tecnologia.

Segundo Eça (1998) citado por Cruz (2004) a não fluência informática leva a que os educadores desconheçam a melhor forma de ensinar os alunos a usar correctamente os computadores. Freitas (2002) refere que os professores procuram apoio introdutório nas ferramentas informáticas e raramente entram na discussão pedagógica de como utilizar essas ferramentas no ensino-aprendizagem. Trata-se assim, essencialmente, de “um problema de falta de confiança, de pouco à vontade e é preciso desmontar esta situação e antes investir na reflexão pedagógica” (Freitas, 2002: 153). Na mesma linha, um outro autor afirma que os alunos podem ser um valioso recurso para ajudar os professores a fazer a melhor integração curricular das tecnologias informáticas (Freitas, 1997: 17).

Mas não se pode descurar que há vozes discordantes que se opõem à utilização de meios informáticos. Segundo Moreira (2002) apoiam-se no pressuposto de que essas tecnologias não são, em termos de desenvolvimento, adequadas e que os benefícios educativos não estão provados cientificamente.

Em 1997, Oppenheimer dizia que não havia evidências de que o uso do computador melhorasse significativamente o ensino e a aprendizagem (45).

Para os que têm uma visão mais céptica, as novas tecnologias são como o cavalo de Tróia, que introduzirá na sociedade a despersonalização, o isolamento e a desumanização (Rodrigues, 1992). As tecnologias são acusadas de servir de instrumento contra a criatividade, um convite a modelos autistas de comunicação e a constituírem um substituto da realidade, limitando as vivências corporais e o estabelecimento de relações sociais. Salientam, ainda, que poderão violentar o ritmo de evolução normal da criança – “Existe principalmente o risco de estabelecer com o computador um relacionamento que bloqueie as oportunidades para o desenvolvimento pessoal, em vez de as criar. Enquanto para algumas crianças o computador intensifica o

desenvolvimento pessoal, para outras ele transforma-se num "atoleiro". Tanto a adultos como a crianças, os computadores, reactivos e interactivos, oferecem companhia sem a reciprocidade e a complexidade de uma relação humana. Seduzem porque proporcionam uma oportunidade de se possuir controlo absoluto, mas podem levar as pessoas a uma paixão pelo domínio e pela construção de um mundo próprio e privado” (Turkle, 1989: 19).

Num relatório recente da Alliance for Childhood, referido por Ross (Paraskeva & Oliveira, 2006: 22), esta ideia é reforçada quando é dito que “os benefícios do computador para o pré- escolar e alunos do ensino básico são largamente empolados e os custos – em termos do dinheiro gasto, perda de oportunidades criativas de cooperação e dano causado à saúde emocional das crianças – não são relatados com rigor”.

Carioca (2002) refere ainda que se chegou à conclusão que alguns dos poucos educadores/professores que utilizavam o computador o faziam como recurso suplementar no ensino à semelhança de qualquer outro instrumento. Deste estudo, concluiu também que, apesar da sua natureza inovadora, as tecnologias informáticas não têm, por si só, capacidade para alterar as práticas dos profissionais da educação, sendo necessário tomar medidas urgentes, sob pena de se estarem a utilizar estes meios de uma forma mecânica e descontextualizada.

Silva (1999) defende uma posição de equilíbrio. Declara que, de um modo geral, as tecnologias informáticas ao serviço da educação não merecem os ataques que são desencadeados contra elas, pois muitas vezes isso é produto de confusão com o mau uso de que são alvo, mas também alerta para as excessivas expectativas, pois a mudança não advém da simples existência das tecnologias. Existe, desta forma, um grande desafio colocado à escola e aos professores, que consiste em compreender o funcionamento das tecnologias, de modo a “proporcionar a passagem de um modelo curricular baseado na reprodução da informação para um modelo de funcionamento assente na construção de saberes, aberto aos contextos sociais e culturais, à diversidade dos alunos, aos seus conhecimentos, experimentações e interesses” (84- 85).

De facto, a introdução do computador em ambiente de aprendizagem não representa, por si, a implementação de um currículo tal como deve ser visto. Para tal, as tecnologias informáticas devem ser pensadas como um dos componentes de um programa educativo e surgir devidamente integradas no contexto educativo ao nível das metas, objectivos, conteúdos e metodologias de forma a adquirir sentido e propósito educativo.

Camlong, que há mais de quarenta anos se interessa por esta problemática, repete que é “fundamental” não confundir os meios com a finalidade. As máquinas são meras máquinas ao serviço do Homem e não podem ser confundidas com os objectivos da utilização que o homem pode fazer” (1999: 16).

Servindo-nos de palavras de Pereira (2007: 434), pode-se concluir que a Sociedade da Informação “não é necessariamente uma sociedade melhor ou mesmo mais informada, podendo sê-lo desde que através da educação se desenvolvam técnicas para a gestão correcta de grandes quantidades de informação”.

Para desmistificar estas representações e acções, é urgente realizarem-se estudos sistemáticos que permitam concluir das mais valias que as tecnologias informáticas representam no processo educativo e reflectir sobre as condições que as potenciam.