I.7.1 Definição Seja X um conjunto não vazio. Uma classe não vaziaF ⊂ PX verificando
F1 ∉ F;
F2 ∀F, F′ ∈ F,F ∩ F′ ∈ F;
F3 ∀U ∈ PX,U ⊃ F ∧ F ∈ F U ∈ F, diz-se um filtro sobre X.
I.7.2 Exemplos (1) Se ≠ A ⊂ X, a classe FA F ⊂ X : F ⊃ A é um filtro sobre
X. Em particular, se a ∈ X, Fa F ⊂ X : a ∈ F é um filtro sobre X. (2) Sendo X um
conjunto, uma parte de X diz-se cofinita se o seu complementar é finito; se X é infinito, a classe das partes cofinitas de X é um filtro sobre X. Para X N, obtem-se o filtro de Fréchet. (3) Dada uma sucessãoun num conjunto U, a classe
F F ⊂ U : ∃n ∈ N, um : m n, n 1, . . . ⊂ F é um filtro sobre U, que se diz o filtro de Fréchet associado à sucessãoun. O filtro de Fréchet é o filtro de Fréchet associado à sucessão dos números naturais.
I.7.3 Exercício Mostre que se X é um conjunto não vazio, e a classeB de subconjuntos de X satisfaz as condições
B1 ∉ B; B2 ∀B1, B2 ∈ B,∃B3 ∈ B,B3 ⊂ B1∩ B2, então a classe
F F ⊂ X : ∃B ∈ B, B ⊂ F é um filtro sobre X.
ResoluçãoF1 verifica-se, pois ∉ B. F2 verifica-se também, porque se F1 ⊃ B1 e
F2 ⊃ B2, onde B1, B2 ∈ B, então existe B3 ∈ B tal que F1∩ F2 ⊃ B1∩ B2 ⊃ B3, logo
F1 ∩ F2 ⊃ B3 e F1 ∩ F2 ∈ F. A condição F3 verifica-se também, pois se F ∈ F então
existe B ∈ B,B ⊂ F; e se F′ ⊃ F então F′ ⊃ B e por conseguinte F′ ∈ F.
I.7.4 Definição (1) Se X é um conjunto não vazio, uma classe de subconjuntos
B ⊂ PX satisfazendo as condições B1,B2 em I.7.3 diz-se que é uma base de um filtro ou
que é uma base de filtro. (2) SeF é um filtro sobre X, diz-se que uma classe B0 ⊂ F, onde
F é um filtro sobre X, é uma base do filtro F se satisfaz a condição
BF ∀F ∈ F,∃B ∈ B0, B ⊂ F.
I.7.5 Observações (1) SeB ⊂ PX é uma base de um filtro, então B é uma base do filtroF F ⊂ X : ∃B ∈ B, B ⊂ F, que se diz o filtro gerado por B. (2) Notar que se B0
é uma base do filtroF, então cada conjunto em B0pertence ao filtroF.
I.7.6 Exercícios (1) Determine uma base do filtroFA em I.7.2.
(2) Mostre que a classeF0 A ⊂ R : ∃ 0, −, ⊂ A é um filtro sobre R que
(3) Mostre que a classeB0 Np : p ∈ N onde Np p, p 1, . . . para cada
p ∈ N é uma base do filtro de Fréchet.
Resoluções (1)A é uma base do filtro FA.
(2)F1 verifica-se, porque 0 ∈ −, para cada 0, e assim para cada A ∈ F0
tem-se A ≠ . F2 é verdadeira também, porque se 1,2 0, −1,1 ⊂ A1 e
−2,2 ⊂ A2 então min1,2 0 e − min1,2, min1,2 ⊂ A1 ∩ A2.F3 Se
−, ⊂ A, 0 e A′ ⊃ A então −, ⊂ A′ e A′ ∈ F. A classe
B0 −1/n, 1/n : n ∈ N é uma base do filtro F0, e é um conjunto numerável, dada a
bijecção : N → B0,n −1/n, 1/n. −, : 0 é uma base de F0, pois cada
−, ∈ F0 e, pela definição deF0cada conjunto A ∈ F0 verifica que existe certo 0
tal que−, ⊂ A.
(3) Cada conjunto A do filtro de FréchetF verifica Ac ⊂ Sp 1, . . . , p para certo
p ∈ N. Uma vez que Np ∈ F para cada p, e Ac ⊂ Sp Np ⊂ A para cada A ⊂ N conclui-se queNp : p ∈ N é uma base de F.
I.7.7 Definição SeF, F′ são filtros sobre um mesmo conjunto X, diz-se que o filtroF′ é mais fino que o filtroF, e nota-se F′ F ou F F′ seF ⊂ F′; diz-se então também que o filtroF é menos fino que o filtro F′.
I.7.8 Observação No conjunto parcialmente ordenadoFX, dos filtros sobre X, toda a cadeia não vazia tem um majorante. Com efeito, seFi : i ∈ I, I ≠ , é uma cadeia em FX, para cada subconjunto finito e não vazio J de I e cada classe Fj : j ∈ J, tem-se
Fj ∈ Fj para cada índice j. Verifica-se facilmente que, com #J m, podemos designar
J j1, . . . , jm onde Fjk ⊂ Fjk′para cada 1 ≤ k ≤ k′ ≤ m; donde todos os Fj pertencem aFjme portanto∩Fj : j ∈ J ∈ Fjm. Por conseguinte, o conjunto das intersecções finitas destas classesFj : j ∈ J é uma base de um filtro F sobre X ( pois cada intersecção é não vazia. e a intersecção de duas intersecções finitas é ainda uma intersecção finita), e o filtroF é mais fino que cada filtro Fi, i ∈ I. Pelo lema de Zorn, existe portanto pelo menos um elemento maximal emFX, .
I.7.9 Definição Sendo X um conjunto não vazio, diz-se ultrafiltro sobre X um
elemento maximal no conjunto dos filtros sobre X, parcialmente ordenado para a relação de inclusão de conjuntos.
I.7.10 Exemplo Se a ∈ X, o filtro Fa F ⊂ X : a ∈ F é um ultrafiltro. Não
podem obter-se outros ultrafiltros sobre X sem recorrer ao axioma de Zermelo.
I.7.11 Observação Dado um filtroF sobre X, conclui-se aplicando o lema de Zorn que existe pelo menos um ultrafiltroU que contém F. Por exemplo em I.7.2 (1), para cada
a ∈ A, Faé um ultrafiltro sobre X que contémFA.
I.7.12 Teorema SeU é um filtro sobre X, U é um ultrafiltro sse para cada A ⊂ X se verifica A ∈ U ou Ac ∈ U.
I.7.13 Exercício Justificando os passos seguintes, obtenha uma demonstração do teorema anterior:
1. Suponhamos queU verifica a propriedade. Se U não é um ultrafiltro, existe um filtroF ≠ U tal que U ⊂ F;
2. existe A ⊂ X tal que A ∈ F e A ∉ U;
3. Ac ∈ U, e conclui-se um absurdo. Portanto se U verifica a propriedade do enunciado entãoU é um ultrafiltro.
4. SejamU um ultrafiltro sobre X, e seja A ⊂ X, A ∉ U. Mostremos que B Ac ∈ U. Se V ∈ U então V não verifica V ⊂ A;
5. V∩ B ≠ ;
6. a classeV ∩ B : V ∈ U é uma base de um filtro F sobre X; 7.F é mais fino que U, e F U;
Resolução
1. Pois existe pelo menos um ultrafiltroF que contém U; 2. porque por 1.U ⊂ F e U ≠ F;
3. pela hipótese do enunciado sobreU, e porque como A ∈ F pelo passo 2., ter-se-á também Ac ∈ F pelo passo 1., donde A ∩ Ac ∈ F o que é impossível. Conclui-se assim a tese de absurdo da hipótese de absurdo deU não ser um ultrfiltro, portanto U é um
ultrafiltro sobre X.
4. Porque se V ⊂ A e V ∈ U, então A ∈ U uma vez que U é um filtro; 5. pois se V∩ Ac então V ⊂ A, e pelo passo 4. não se verifica V ⊂ A; 6. pois pelos passos 4. e 5. cada V∩ B ≠ ; como para cada V1, V2 ∈ U se tem
V V1∩ V2 ∈ U, conclui-se que cada intersecção V1 ∩ B ∩ V2∩ B V ∩ B é um
conjunto que está na classe, e esta é portanto uma base de um filtro sobre X;
7.F é mais fino que U porque para cada V ∈ U, tendo-se V ∩ B ⊂ V e V ∩ B ∈ F pelo passo 6., também V ∈ F; assim, sendo U um elemento maximal, tem-se F U;
8. pois B B ∩ X ∈ F pela definição de F no passo 6., uma vez que X ∈ U pois U é um filtro. Assim B ∈ U pelo passo anterior, e conclui-se que U verifica a propriedade, e assim o teorema.
I.7.14. Teorema É condição necessária e suficiente para que o filtroU sobre X seja um ultrafiltro que satisfaça a condição∀A, B ⊂ X, A B ∈ U A ∈ U ∨ B ∈ U.
I.7.15 Exercício Justificando os passos seguintes obtenha uma demonstração do teorema:
1. SeU verifica a condição, conclui-se que U é um ultrafiltro da igualdade
A Ac X.
2. SendoU um ultrafiltro, suponhamos A B ∈ U; bastará provar que se A ∉ U então
B ∈ U. Podemos portanto supor A B ∈ U e A ∉ U;
3. tem-se Ac ∩ Bc ∉ U; 4. Ac ∈ U;
5. Bc ∉ U;
6. pode concluir-se a demonstração.
Resolução
1. Pois X ∈ U, já que, por hipótese, U é um filtro sobre X. 2. Pois se A ∈ U não há nada aprovar;
3. porque pelo passo 2. A B ∈ U; não pode ser portanto Ac ∩ Bc A Bc ∈ U pois então vinha A B ∩ A Bc ∈ U por U ser por hipótese um filtro, o que é impossível;
4. pelo teorema em I.7.12, já que A ∉ U pelo passo 2.;
5. porque se Bc ∈ U, então do passo 4. conclui-se Ac ∩ Bc ∈ U, contra o passo 3.; 6. pelo passo 5. e pelo teorema I.7.12, conclui-se B ∈ U como se queria provar no passo 2.
I.7.16 Observação SeB é uma base de um filtro sobre X, considerando o filtro F gerado porB temos: se F é um ultrafiltro, então dado A ⊂ X é A ∈ F ou Ac ∈ F; assim deve existir B ∈ B verificando ou B ⊂ A, ou B ⊂ Ac. Reciprocamente, se para cada A ⊂ X existe pelo menos um conjunto B ∈ B tal que B ⊂ A ou B ⊂ Ac entãoF é um ultrafiltro. Obtemos
I.7.17 Teorema Uma baseB de um filtro sobre X é base de um ultrafiltro sobre X sse para cada A ⊂ X, A contém um conjunto em B ou Ac contém um conjunto em
B.
I.7.18 Sendo f : X → Y uma função e B uma base de filtro sobre Y, se f−1B ≠ para cada B ∈ B, a classe f−1B : B ∈ B é uma base de filtro sobre X. Duas bases de um mesmo filtro originam, por este processo, duas bases do mesmo filtro. Com X ⊂ Y e
f : X → Y a aplicação de inclusão, se X ∩ B ≠ para cada B ∈ B então X ∩ B : B ∈ B é
I.7.19 Definição Com X, Y,B e f como em I.7.18, a classe f−1B : B ∈ B diz-se a base imagem recíproca da base de filtroB; o filtro F gerado pela classe diz-se também a imagem recíproca do filtro gerado porB. No caso particular de X ⊂ Y e f a aplicação de inclusão, a imagem recíproca do filtro gerado porB diz-se também o filtro restrição do filtro gerado porB, ou o filtro induzido pelo filtro gerado por B sobre X.
I.7.20 SeB é uma base de filtro sobre X e f : X → Y é uma função, então fA : A ∈ B é base de um filtro F sobre Y.
I.7.21 No contexto de I.7.20, a classefA : A ∈ B diz-se a base imagem directa da base de filtroB. O filtro F é o filtro imagem directa do filtro sobre X gerado por G.
I.7.22 Observações (1) Se acimaB′ é uma outra base do filtro sobre X gerado porB, a classefA′ : A′ ∈ B′ é ainda uma base do filtro F sobre Y.
(2) Mesmo queB seja um filtro, a base imagem directa de B não é, em geral, um filtro. SeB é um filtro, o filtro imagem directa do filtro B é a classe C ⊂ Y : f−1C ∈ B.
I.7.23 Teorema SeB é base de um ultrafiltro sobre X, a base imagem directa de B é uma base de um ultrafiltro sobre Y.
I.7.24 Exercício Obtenha uma demonstração do teorema anterior, justificando as passagens:
1. Se B ⊂ Y então f−1Bc f−1Bc;
2. f−1B está no filtro gerado por B, ou f−1Bc eatá neste filtro; 3. pode concluir-se o teorema.
Resolução
1. A inclusão f−1Bc ⊂ f−1Bc é consequência imediadata da definição de f−1. Se
x ∉ f−1B então fx ∉ B e com y fx ∈ Y tem-se y ∈ Bc, x ∈ f−1y ⊂ f−1Bc concluindo-sef−1Bc ⊂ f−1Bc;
2. atendendo a 1., pois por hipótese o filtro gerado porB é um ultrafiltro, e utilizando o teorema I.7.12;
3. porque B ⊃ ff−1B, Bc ⊃ ff−1Bc e assim pelo passo 2., B pertence ao filtro imagem directa do ultrafiltro gerado porB, ou Bc pertence à imagem directa desse ultrafiltro, e utilizando o teorema I.7.12.
I.7.25 Recordar que uma sucessão num conjunto não vazio X é uma função de N em
X. A ordem parcial usual de N permite considerar uma subsucessãounk da sucessão
un, como a composta un após g, onde g : N → N, g : k nk é uma função
estritamente crescente; permite também considerar o conceito de limite de uma sucessão. Podem considerar-se estas noções num contexto mais geral.
I.7.26 Definição Sendo X um conjunto não vazio eJ, um conjunto dirigido, uma função x : J → X diz-se uma rede em X, ou uma sucessão generalizada em X. Representa-se a rede x pondoxjJ ouxj onde xj xj j ∈ J.
SeI, ≥, J, são conjintos dirigidos, dizemos que uma aplicação : I → J é admissível se para cada índice j ∈ J existe pelo menos um índice i0 ∈ I, tal que
∀i ∈ I, i ≥ i0 i j. E dizemos que uma rede yiI é uma subrede (subsucessão
generalizada) da redexjJ se existir uma aplicação admissível : I → J tal que yi xi para cada i ∈ I.
I.7.27 Exemplo Se X é um conjunto não vazio eF é um filtro sobre X, F é um conjunto dirigidoF para a quase-ordem (que é uma ordem parcial) F F′ sse F′ ⊂ F. Sendo : F → X o selector de Zermelo, podemos considerar a rede em X, xFFonde
xF F para cada F ∈ F.
I.7.28 Observações (1) O conjunto N com a ordem parcial usual é um conjunto dirigido; assim toda a sucessão em X é uma rede em X. No entanto, uma subrede da sucessãoun, ainda que seja uma sucessão, pode não ser uma subsucessão de un no sentido habitual, como mostram as subredes
1, 3, 3, 5, 5, 5, 7, 7, 7, 7, 9, . . . e 2, 1, 4, 3, 6, 5, 8, 7, . . . de 1, 2, 3, 4, 5, . . .
Se J N com a ordem parcial usual na definição I.6.26, : I → N é admissível se e só sei aumenta indefinidamente. Seguindo [Machado], se u un, dizemos que uma função compostaun após g como em I.7.25, com g estritamente crescente, é uma subsucessão estrita deun; no entanto subentendemos, salvo menção em contrário, que uma subsucessão goun unk de un é estrita i.e., que g : N → N, g : k nk é
estritamente crescente.
(2) SeJ, é um conjunto dirigido, ≠ I ⊂ J, então a relação binária R em I definida por iRi′sse i, i′ ∈ I ∧ i i′ é uma quase-ordem em I, para a qual I é um conjunto dirigido. Dizemos que I é cofinal com J se para cada j ∈ J, existe pelo menos um i ∈ I tal que i j; então a aplicação de inclusão i i de I em J é admissível. Portanto, dada uma redexjJ, a redexiI é uma subrede daquela.
(3) SendoxjJ uma rede em X,yiI xi uma subrede de xjJ e
zkK yk xok uma subrede de yiI, então tambémzkKé uma subrede de xiI.
I.7.29 Exercício Verifique a observação (3) anterior.
Resolução
Por hipótese, existem aplicações admissíveis : I → J e : K → I tais que zk yk k ∈ K e yj xi i ∈ I. Então zk xk k ∈ K, e resta provar que a aplicação
o : K → J é admissível. Para cada j ∈ J, existe pelo menos um índice i0 ∈ I tal que
i j para cada i ∈ I tal que i ≥ j0, pois é admissível; como é admissível, existe pelo
menos um índice k0 ∈ K com k ≥ i0para todo o k k0, k ∈ K. Concluimos que