Recordar da Análise Real (ver por exemplo [Guerreiro]) que dados uma função
f : X ⊂ R → R e um ponto a ∈ X, dizemos que o limite de fx quando x tende para a é
certo b ∈ R se para cada número positivo , existe pelo menos um número positivo tal que a relação x ∈ X e ∣ x − a ∣ implica ∣ fx − b ∣ . O conceito de limite num ponto para uma função definida num subconjunto de um espaço métrico e tomando valores noutro espaço métrico, generaliza-se directamente da forma seguinte:
II.8.1 Definição SejamE, dE, F, dF espaços métricos, f : X ⊂ E → F uma função e a ∈ X.
(1) O ponto b ∈ F é um limite de fx quando x tende para a, e notando-se limfx b
x → a
se para cada 0 existe certo 0 de tal modo que para todo o x ∈ X, a implicação
dEx, a dFfx, b é verdadeira. Diz-se então também que b é um limite de f
em a. (2) Se,
em (1), a ∈ X diz-se também que a função f é contínua em a ou no ponto a. (3) Com a ∈ A ⊂ X, o ponto b é um limite de fx quando x
tende para a por valores em A se a implicação x ∈ A e dEx, a dFfx, b é verdadeira. Designa-se então lim fx b.
x → a, x ∈ A
II.8.2 Observações (1) Verifica-se lim fx b (a ∈ domf) se e só se, em linguagem lógica
x → a
lim fx b ≡ ∀ 0, ∃ 0, x ∈ domf e dEx, a dFfx, b
x → a
ou, equivalentemente
lim fx b ≡ ∀ 0, ∃ 0, fX ∩ B0a, ⊂ B0b, .
(2) Pela propriedade de separação de Hausdorff num espaço métrico, conclui-se que se b limfx e b′ limfx então necessariamete b b′.
x → a x → a
Por outras palavras, se existe o limite de fx quando x tende para a, então o limite é único. Analogamente se conclui que no caso a ∈ A, se existe o limite de fx quando x tende para a por valores em A então o limite é fa.
(3) Sendo f : X ⊂ E, dE → F, dF, a um ponto não isolado de
X, se existe o limite lim fx chama-se-lhe o limite de fx quado x tende para a por
valores
x → a, x ∈ X\a
diferentes de a. Em Análise Real, certos autores definem lim fx b se b é o limite de fx
x → a
quando x tende para a por valores diferentes de a; então, se a ∈ X, a função f é contínua em a sse o limite de fx quando x tende para a existe e coincide com o valor de f no ponto
De acordo com II.8.1, consideramos a função f contínua num ponto a do domínio se existe o limite de f em a.
II.8.3 Exercícios (1) Traduza em linguagem lógica a definição do limite de fx quando x tende para a por valores em A, no contexto de (3), Definição II.8.1.
(2) Verifique II.8.2 (2).
II.8.4 Resoluçoes (1) Com a ∈ A ⊂ X e f : X ⊂ E, dE → F, dF, lim fx b ≡ ∀ 0, ∃ 0, x ∈ A e dEx, a dFfx, b . Equivalentemente, x → a, x ∈ A
lim fx b ≡ ∀ 0, ∃ 0, fA ∩ B0a, ⊂ B0b, .
x → a, x ∈ A
(2) Provemos por redução ao absurdo que a existência de
b, b′ ∈ F, b ≠ b′ tais que
lim fx b e limfx b′ leva a uma contradição.
x → a x → a
Sendo d dFb, b′ 0, existirá 0 tal que x ∈ domf e
dEx, a implica dFfx, b d/2 e dFfx, b′ d/2 (como poderá obter um tal ?); existindo pelo menos um certo x verificando o antecedente desta implicação (porquê?) conclui-se utilizando a desigualdade triangular de dF que dFb, b′ d/2 d/2 d contra o que tínhamos assumido. Fica provado que o limite num ponto se existe é único. Se
a ∈ domf e limfx b
x → a
então para cada 0, existindo 0 tal que fa ∈ fdomf ∩ B0a, ⊂ B0b,
conclui-se que fa ∈ ∩B0b, : 0 b, fa b.
II.8.5 Exemplos (1) Para a função f : domf R → R, fx 1 x ≠ 1
n, n ∈ N e
f1n 1n n ∈ N tem-se, com A 1n : n ∈ N, e considerando a métrica usual em R lim fx 0 e limfx 1. Consequentemente (ver II.8.6 seguinte) não existe limfx.
x → 0, x ∈ A x → 0, x ∈ R\A x → 0
(2) A função f : 0, ⊂ R, d→R,d fx 1x (d a métrica usual) é contínua em cada ponto do domínio. Se di é a métrica discreta, e considerarmos
f : R, d → R, di, não existe o limite limfx em nenhum ponto a 0, pois existe uma
bola aberta reduzida ao centro 1
a emR, di.
II.8.6 Observação Dada uma função f : X ⊂ E, dE → F, dF, e sendo a ∈ A ⊂ X para certo conjunto A, conclui-se das definições que se não existe o limite de fx quando x tende para a por valores em A, então também não existe lim fx.
x → a
Também se A, B ⊂ X e a ∈ A ∩ B, f : X ⊂ E, dE → F, dF e existem o limite de fx quando x tende para a por valores em A e o limite de fx quando x tende para a por valores em B, mas são diferentes, então não existe o limite de f em a. Pois designando estes limites diferentes por b, b′ respectivamente, escolha-se 0 tal que B0b, ∩ B0b′, ; não
existe 0 tal que fX ∩ B0a, ⊂ B0b, , pois para pelo menos certo ′ 0, ′
II.8.7 Exercícios (1) Verifique os exemplos (1), (2) em II.8.5. (2) Mostre que toda a função entre espaços métricos é contínua em cada ponto isolado do domínio.
II.8.8 Resoluções (1) Dado 0, tem-se com que ∣ 1
n ∣ ∣ f1n ∣ i.e, x ∈ A e ∣ x − 0 ∣ ∣ fx − 0 ∣ . Se x ∈ R\A então ∣ x − 0 ∣
∣ fx − 1 ∣ 0 verifica-se para qualquer escolha de 0 e para cada número positivo
dado. Atendendo a II.8.6, não existe o limite de f em 0. Para a função fx 1
x em (2) tem-se: dado 0, fazendo mina2/2, a/2 0 então x 0 e
∣ x − a ∣ ∣ 1
x − 1a ∣∣ x − a ∣ /xa a2/22/a2 , pois a − x ≤∣ x − a ∣ a2
implica x ≥ a2 e xa ≥ a2/2 em cada ponto a 0.
(2) Se a é um ponto isolado de X, com f : X ⊂ E, dE → F, dF, então existe 0 tal que X ∩ B0a, a. Donde
fX ∩ B0a, fa ⊂ B0fa, qualquer que seja 0 a priori dado.
II.8.9 Observações (1) No Cálculo em RN considera-.se habitualmente a métrica euclideana dex1, . . . , xN, y1, . . . , yN
∑
kN1 ∣ xk − yk ∣2 1
2 (II.2.18) em RN. O
conceito de limite direccional de uma função f : domf ⊂ RN → R (considera-se a métrica usual em R) num ponto de acumulação a do domínio, segundo uma recta a tv
(v ∈ RN\0, . . . , 0, t ∈ R, ver por exemplo [Agudo]) é, pela definição, o limite de f em a por valores no conjunto Av a tv : − t , que se determina calculando
limt→0fa tv. De acordo com II.8.6, se existem vectores v, w ≠ 0 tais que os limites de
fx no ponto a, por valores em Av e em Awsão diferentes, ou se um desses limites não existe, então não existe o limite da função f em a; no entanto, a existência e igualdade de todos os limites direccionais no ponto não implica a existência de limite nesse ponto, como pode constatar-se por exemplo com a função f : R2\0, 0 → R, fx, y x2y/x4 y2,
que não tem limite no ponto 0, sendo todos os limites direccionais em 0 iguais a zero (o limite da função no ponto por valores na parábola P x, x2 : x ∈ R é diferente de
zero).
(2) Uma função f : domf ⊂ RN → R pode ser separadamente contínua em relação a todas as variáveis num ponto a a1, . . . , aN do domínio, ou seja,. tal que as funções
restrição de f a cada conjunto
C1 a1 RN−1, . . . , Ck Rk−1 ak RN−k, . . . , CN RN−1 aN são contínuas em a (existe o limite em a por valores em cada um destes conjuntos), e no entanto a função f não ser contínua no ponto a. Por exemplo, a função fx, y xy/x2 y2 x2 y2 ≠ 0,
f0, 0 0 é separadamente contínua em relação a x e a y no ponto 0, 0, mas não é
contínua neste ponto, pois os limites direccionais em0, 0 segundo as rectas
r x, x : x ∈ R e s x, −x : x ∈ R são diferentes. Conclui-se a não continuidade
no ponto usando II.8.6. Significa isto que para a existência de limite num ponto a, é necessário que as imagens pela função de pontos que se aproximem de a sem qualquer restrição ao modo como se aproximem de a, se tornem indefinidamente próximas do limite; considerando arbitrárias sucessõesan convergindo para a, a convergência de todas as sucessões fan para um mesmo ponto do conjunto imagem, já é suficiente para a existência do limite de f em a, como mostra o seguinte
II.8.10 Teorema SeE, dE, F, dF são espaços métricos, f : X ⊂ E → F é uma função e a ∈ X, b ∈ F, então é condição necessária e suficinte para que limfx b que para cada sucessão
x → a
xn em X convergente para a, se verifique limfxn b. II.8.11 Exercício Demonstre o teorema anterior e conclua:
II.8.12 Corolário Nas condições do Teorema II.8.10, se a ∈ X então f é contínua no ponto a se e só se para cada sucessãoxn em X convergente para a, a sucessão fxn converge para fa.
II.8.13 Resolução A condição é necessária, pois da hipótese
(1)∀ 0, ∃ 0, fX ∩ B0a, ⊂ B0b, conclui-se que dado 0, sendo
n ∈ N tal que xn ∈ B0a, para todo o n ≥ n, então fxn ∈ B0b, desde que
n ≥ n; e n naquela condição existe para cada 0, se a sucessão xn em X
converge para a. A condição é suficiente, como pode provar-se pela contra-recíproca. Com efeito, a negação de (1) é que existe certo 0 tal que, para cada número positivo , existe pelo menos um ponto x ∈ X ∩ B0a, cuja imagem por f não pertence a B0b, ;
escolhendo da forma 1/n para cada n 1, 2, . . . conclui-se que existe uma sucessão de pontos x1, x2, . . . , xn, . . . , cada xn ∈ B0a, 1/n tal que fxn ∉ B0b, . Então xn → a mas a sucessão fxn não converge para b, e fica assim provado que se f verifica a propriedade relativa à convergência das sucessões, então verifica a condição (1) i.e, então lim fx b, c.q.d. O corolário conclui-se imediatamente de II.8.2 (2).
x → a
II.8.14 Teorema SeE, dE, F, dF são espaços métricos, f : X ⊂ E → F, a ∈ X e
b limfx então b ∈ fX. x → a
Dem. Há a provar que existe uma sucessãobn em fX tal que bn → b. Como
a ∈ X, existe uma sucessão xn de pontos de X com xn → a; então a sucessão
bn fxn satisfaz a condição requerida, pelo Teorema II.8.10 c.q.d.
II.8.15 Corolário SejamE, dE, F, dF e G, dG espaços métricos, f : X ⊂ E → F tal que fX ⊂ Y e g : Y ⊂ F → G. Se a ∈ X, limfx b e limgy c então limgofx c.
x → a y → b x → a
Consequentemente, se b ∈ Y e g é contínua em b, então limgofx gb.
x → a
A função composta gof das funções f, contínua em a e g, contínua em fa, é contínua no ponto a.
II.8.16 Demonstre o corolário acima (usando II.8.14, mostre que o ponto b ∈ Y).
II.8.17 Resolução Conclui-se de II.8.14 que b ∈ fX ⊂ Y, pois fX ⊂ Y. Se xn é uma sucessão em X convergente para a, conclui-se da hipótese, usando o Teorema II.8.10 que fxn → b e, do mesmo modo, que gofxn → c. Então limgofx c, de novo utilizando II.8.10.
x → a
As duas últimas asserções são consequência de II.8.2 (2).
II.8.18 Definição SeE, dE, F, dF são espaços métricos e f : X ⊂ E → F, a função
f diz-se contínua (em X) se f é contínua em cada ponto a ∈ X.
II.8.19 Observações (1) II.8.15 mostra que a função composta de duas funções
contínuas é uma função contínua. (2) SeE, dE, F, dF são espaços métricos e f : E → F é uma função, C ⊂ E, então f écontínua em C se e só se a função restrição
f∣C : C, dC → F, dF é contínua, onde dCé a métrica induzida. Se f é contínua então certamente f é contínua em C; mas pode ser f : C ⊂ E → F contínua, e a função
f : E → F não ser contínua. (Por exemplo, com F, dF R, d, d a métrica usual, E não
reduzido a um ponto, C p onde p ∈ E e fp 0, fx 1 se x ≠ p; o limite de f em p por valores diferentes de p é diferente de fp).
II.8.20 Exercício Mostre que seE, dE, F, dF são espaços métricos, f : E → F e
a ∈ E então f é contínua em a se e só se a imagem inversa f−1V de cada vizinhança V de fa em F é uma vizinhança de a em E.
II.8.21 Resolução Pelas definições, f é contínua em a se e só se o limite de f no ponto
a existe e é fa, o que pode exprimir-se em linguagem lógica por (1)
∀ 0, ∃ 0, fB0a, ⊂ B0fa, . Tem-se a equivalência (2)
fB0a, ⊂ B0fa, sse (2’) B0a, ⊂ f−1B0fa, ; então se V é uma vizinhança
de fa, tem-se B0fa, ⊂ V, certo 0, donde usando (1) e (2’) vem que
B0a, ⊂ f−1V para certo 0 e assim que f−1V é uma vizinhança de a.
Reciprocamente, se f−1V é uma vizinhança de a, para cada vizinhança V de fa, então tomando V B0fa, , 0, conclui-se que f−1B0fa, contém certa bola aberta
B0a, e obtem-se (1) pela equivalência de (2) e (2’).
II.8.22 Teorema SejamE1, d1, E2, d2 espaços métricos e f : E1 → E2uma função.
São equivalentes: a f é contínua;
b fC ⊂ fC para cada subconjunto C de E1;
c para cada subconjunto fechado F de E2, f−1F é fechado em E1;
Demonstração. Provemosa b Isto conclui-se de II.8.14, pois se x ∈ C então existe uma sucessãoxn em C tal que xn → x; então fxn → fx pela hipótese, donde fx ∈ fC. Seguidamente b c, pois dado F ⊂ E2tal que F F, se
x ∈ f−1F então usando b e ff−1F F vem fx ∈ F F, donde x ∈ f−1F e este
conjunto é fechado.c d. Se A é aberto então F Ac é fechado, e usando a hipótese,
f−1Ac é fechado, donde se conclui d pela igualdade f−1Ac f−1Ac .d a, pois admitindod, seja a um ponto em E1, e considere-se 0. f−1B0fa, sendo um
conjunto aberto a que pertence a, é uma vizinhança de a, e conclui-se que f é contínua no ponto a usando II.8.20, c.q.d.
II.8.23 Exercício Prove que dada uma função f : E1, d1 → E2, d2 são equivalentes:
(i) f é contínua; (ii) para cada B ⊂ E2, f−1intB ⊂ intf−1B;
(iii) para cada B ⊂ E2 tem-se f−1B ⊂ f−1B.
(Sug: Prove (i)(ii) e, seguidamente (ii)(iii) recordando II.5.49 (c) e I.8.9 (c). II.8.24 Resolução (i)(ii) Dado a ∈ f−1intB, fa ∈ intB e intB é uma
vizinhança de fa. Usando II.8.20, f−1intB é uma vizinhança de a, a qual está contida
em f−1B e conclui-se que a é um ponto interior de f−1B. (ii)(i) Se B é aberto em E2,
B intB, conclui-se de f−1B ⊂ intf−1B que f−1B é aberto em E1 e assim (i),
usando II.8.22d. (ii) para cada B ⊂ E2,
f−1intBc ⊃ intf−1Bc f−1Bc f−1intBc ⊃ f−1Bc f−1Bc
para cada B ⊂ E2, f−1B ⊃ f−1B c.q.d..
II.8.25 Definição Uma função f : E, dE → F, dF diz-se uma isometria se
dFfx, fy dEx, y para cada x, y em E. Os espaços métricos E, dE e F, dF dizem-se isométricos se existe uma bijecção f : E → F que é uma isometria.
II.8.26 Observações (1) Uma isometria é uma função injectiva (aplicar a condição (D1) à métrica dF e (D4) à métrica dE). (2) Se dois espaços métricos E, F são isométricos, as propriedades topológicas das respectivas topologias das métricas são as mesmas, pois com f : E → F uma isometria sobrejectiva, um subconjunto A de E é aberto se e só se fA é aberto em F como resulta da definição de ponto interior de um conjunto. Com efeito, se
a ∈ E, r 0 então fB0a, r B0fa, r, representando pelo mesmo símbolo B0 a bola
aberta. Uma sucessãoan em E converge para um ponto a de E se e só se fan → fa em
F e, do ponto de vista das propriedades da topologia da métrica, E, F diferem apenas pelos
”nomes” dos seus elementos. (3) Se f : X → Y é uma função injectiva e se o conjunto X está munido de uma métrica d, então a função dffa, fb da, b é uma métrica em
fX Yf e os espaços métricosX, d e Yf, df são isométricos. Deste modo é possível munir um conjunto de uma métrica se existe uma bijecção de certo espaço métrico sobre o conjunto; certos autores designam df acima como a métrica transportada da métrica d em X.
II.8.27 Exercício Verifique a observação (3) acima.
II.8.28 Resolução Tem-se que df : Yf Yf → R está bem definida, pois dados ponto
a′ fa, b′ fb em Yf, corresponde ao par ordenadoa′, b′ o único para ordenado a, b ∈ X X para o qual se põe dfa′, b′ da, b. Devido a d ser uma métrica,
verificam-se: (D1) dffa, fb ≥ 0 e dffa, fa da, a 0; (D2)
dffa, fb da, b db, a dffb, fa; (D3) dados pontos
a′ fa, b′ fb, c′ fc, é
dfa′, c′ dffa, fc da, c ≤ da, b db, c dffa, fb dffb, fc
dfa′, b′ dfb′, c′; (D4) dados a′ fa, b′ fb,
dfa′, b′ 0 dffa, fb da, b 0. o que implica a b e a′ b. II.8.29 A função fx x
1∣x∣ é uma bijecção de R sobre o intervalo−1, 1, de
inversa gx x
1−∣x∣. Como é sabido da Análise Real e assim se costuma designar,
limx→−fx −1, limx→fx 1. Acrescentando a R os objectos −, com as
convenções habituais− x x ∈ R, obtem-se a recta acabada R, e podemos considerar uma extensão f : R → −1, 1 pondo f x fx x ∈ R e f − −1,
f 1. f é uma bijecção e a sua inversa g : −1, 1 → R é uma bijecção.
Considerando a métrica induzida sobre−1, 1 pela métrica usual usual da, b ∣ a − b ∣, a métrica transportada dgx, y dggf x, gf y ∣ f x − f y ∣ é uma distância em
R para a qual dgx, 1∣x∣1 e dgx, − 1∣x∣1 se respectivamente x 0 e x 0.
II.8.30 Exercício Mostre que a métrica usual de R é equivalente à métrica induzida pela métrica transportafa dgacima em R. (Sug: considere sucessões convergentes).
II.8.31 Resolução Para o cálculo de dga, b, no caso em que a, b ∈ R podemos fazer
dga, b dggfa, gfb ∣ fa − fb ∣. Se xn → x em R, d, d a métrica usual,
tem-se xn/1 ∣ xn ∣ → x/1 ∣ x ∣ neste espaço métrico, donde
dgxn, x ∣ xn/1 ∣ xn ∣ − x/1 ∣ x ∣ ∣→ 0 e xn → x em R, dg. Assim d é mais
fina que a restição de dg a R em R. Reciprocamente, distinguindo os casos x 0 e x 0, com xn, x ∈ R obtem-se que xn/1 ∣ xn ∣ → x/1 ∣ x ∣ implica ∣ xn − x ∣→ 0; logo a restrição de dga R é mais fina que d.
II.8.32 Definição A função f : E, dE → F, dF do espaço métrico E, dE para o espaço métricoF, dF diz-se lipschitziana com constante de Lipschitz L se
dFfx, fy ≤ LdEx, y para cada x, y ∈ E.
II.8.33 Em II.8.32 é necessariamente L ≥ 0; uma função constante é lipschitziana e só para uma tal função pode tomar-se L 0. Se L 1 diz-se também que f é uma contracção
II.8.34 Observações (1) Toda a função lipschitziana é contínua. (2) Uma função
f : E → F ser uma isometria é obviamente o mesmo que ambas f e a função inversa f−1 : fE → E serem lipsichitzianas com a constante de Lipschitz L 1.
II.8.35 Exercício Verifique II.8.34 (1).
II.8.36 Resolução. Dado 0, tome-se /L.
II.8.37 Definição Diz-se que uma função f : E, dE → F, dF do espaço métrico E para o espaço métrico F é um homeomorfismo se f é bijectiva e ambas as funções f e f−1 são contínuas. Se existe um homeomorfismo f : E, dE → F, dF diz-se que estes espaços métricos são homeomorfos.
II.8.38 Exemplos (1) Dado o espaço métricoE, d, F um subespaço métrico de E, d, a bijecção identidade de F, IdF : F, d → F, d, IdFx x é um homeomorfismo. (2) Como consequência do Teorema do limite da função monótona da Análise Real, toda a função estritamente crescente f de um intervalo I ⊂ R sobre um intervalo J de R é um homeomorfismo deI, d sobre J, d, notando ainda por d as respectivas métricas induzidas sobre I, J pela métrica usual d de R. (3) Se f : a, b ⊂ R, d → R, d é uma função injeciva e contínua, d a métrica usual, então os subespaços métricosa, b e fa, b de R, d são homeomorfos. Este é um caso particular de uma propriedade que veremos adiante. (4) Se A ⊃ B0a, r, uma bola no espaço métrico R2, de, os espaços métricos
A, dA e A, di, onde dA é a métrica induzida por de e di é a métrica discreta, não são homeomorfos. (5) Verifica-se facilmente que os espaços métricos0, 1, di e 0, 1, 2di, onde di é a métrica discreta, são homeomorfos mas não são isométricos.
II.8.39 Exercícios (1) Enuncie e demonstre uma condição necessária e suficiente que deve verificar um subconjunto A de R para que os espaços métricosA, dA e A, di,
dAx, y ∣ x − y ∣ e di a métrica discreta sobre A, sejam homeomorfos. (2) Prove que a relação h ⊂ SE SE, A, B ∈ h A, B são subespaço homeomorfos do espaço
métricoE, dE é uma relação de equivalência no conjunto SE dos subespaços métricos de E, dE. (3) Mostre que se as funções f : E, dE → F, dF e g : F, dF → G, dG são lipschitzianas então a função composta gof : E, dE → G, dG é lipschitziana.
II.8.40 Resoluções. (1) Se existe uma bijecção contínua f :A, dA → A, di, a ∈ A, então existe 0 tal que fa − , a ∩ A ⊂ fa, e portanto
a − , a ∩ A a. Conclui-se já que para que os espaços sejam homeomorfos cada ponto de A deve ser um ponto isolado de A emR, d, d a métrica usual, e esta é uma condição necessária. A condição é também suficiente; pois se cada ponto a ∈ A é um ponto isolado deste conjunto no espaço métricoR, d, o raciocínio acima mostra que a função identidade de A é um homeomorfismo deA, dA sobre A, di. A condição necessária e suficiente pretendida é pois que o conjunto A seja constituído por pontos isolados, no espaço métrico R munido da métrica usual. (2) Conclui-se de II.8.19 (1) atendendo a que dadas bijecções f : E → F e g : F → G se tem gof−1 f−1og−1; e porque a composta de dois homeomorfismos é um homeomorfismo. (3) Se L, M são constantes tais que
dFfx, fy ≤ LdEx, y e dGgfx, gfy ≤ MdFfx, fy então
dGgofx, gofy ≤ MLdEx, y e gof é lipschitziana com constante de Lipschitz ML.
II.8.41 Uma função contínua de um espaço métrico noutro não transforma em geral sucessões de Cauchy do domínio em sucessões de Cauchy no espaço imagem. Por exemplo, considerando em0, a métrica dx, y ∣ x − y ∣, a função fx 1/x é um
homeomorfismo deste espaço métrico sobre si mesmo; no entanto, a imagem da sucessão de Cauchy1/n não é uma sucessão de Cauchy.
II.8.42 Exercício. Prove que se f : E, dE → F, dF é uma função lipschitziana e xn é uma sucessão de Cauchy em E, então fxn é uma sucessão de Cauchy em F. Conclua que a função em II.8.41 não é lipschitziana.
II.8.43 Resolução Das hipóteses dFfx, fy ≤ LdEx, y x, y ∈ E e
∀ 0, ∃p ∈ N, n, m ≥ p dExn, xm /L vem
∀ 0, ∃p ∈ N, n, m ≥ p dFfxn, fxm . Se a função
f : 0, , d → 0, , d, fx 1/x fosse lipschitziana, então a sucessão dos números
naturais seria uma sucessão de Cauchy em0, , d, o que é falso, pois não é convergente.
II.8.44 Definição (a) SendoE, dE e F, dF espaços métricos, a função
f : E, dE → F, dF diz-se uniformemente contínua se verifica a condição
uc ≡ ∀ 0, ∃ 0, ∀x, y ∈ E, dEx, y dFfx, fy ou, equivalentemente,
∀ 0, ∃ 0, diamEA diamFfA , ∀A ⊂ E, A ≠ , onde
diamEA supdEx, y : x, y ∈ A é o diâmetro de A em E, dE e analogamente para diamFfA.
(b) Se a função f : E, dE → F, dF é bijectiva e ambas f, f−1são uniformemente contínuas, diz-se que f é um homeomorfismo uniforme deE, dE sobre F, dF.
II.8.45 Observações (1) Obviamente, se f é uma função uniformemente contínua, então é contínua.
(2) Toda a função lipschitziana f : E, dE → F, dF é uniformemente contínua. (3) Existem no entanto funções uniformemente contínuas que não são lipschitzianas, por exemplo, com d a distância usual em R, a função IR : R, min1, d → R, d, IRx x é um homeomorfismo uniforme e não é lipschitziana.
II.8.46 Exercícios. (1) Verifique (1) em II.8.45. (2) Verifique II.8.45 (2). (3) Prove que a função f : R, d → R, d, onde d é a métrica usual, fx 1 x2 é lipschitziana com
constante de Lipschitz L 1 e mostre que f não é uma contracção. (4) Mostre que sendo d como em (3), para a função f : R, d → R, d, fx x2 se tem:i f é contínua; ii f é
lipschitziana em cada intervalo de extremos a, b ∈ R, mas não é lipschitziana em R; iii f não é uniformemente contínua. (Sug: paraii recorde um Teorema da Análise Real e prove que f é lipschitziana ema, b, concluindo o caso geral; justifique que não existe nenhum número real L tal que dfx, f0/dx, 0 ≤ L para todo o x 0). (5) Prove que toda a função uniformemente contínua transforma sucessões de Cauchy em sucessões de Cauchy. A recíproca é válida? (6) Prove que se f : E, dE → R, d é uma função contínua, onde d é a métrica usual, então para cada c ∈ R, o conjunto Ec x ∈ E : fx c é aberto. (7) Sendo f : E, d → E, d uma função, o ponto x ∈ E diz-se um ponto fixo de f se x fx. Mostre que se f é contínua então o conjunto F dos pontos fixos de f é fechado em E. (8) Mostre que a função f : 0, 1 2, d → 0, 1, d, onde d é a métrica usual de R,
II.8.47 Resoluções (1) Se para cada número positivo existe certo 0 tal que para cada a, x ∈ E se verifica dffx, fa sempre que dEx, a , então em particular dado um ponto a em E, o número satisfaz a condição de ser dFfx, fa se x verifica dEx, a , 0 a priori dado. (2) Da hipótese dFfx, fy ≤ LdEx, y, L 0 uma constante independente de x, y ∈ E, dE para a função f : E, dE → F, dF,
conclui-se que dFfx, fy sempre que x, y ∈ E e dEx, y /L. Se L 0 então a função f é constante, donde contínua. (3)∣ 1 x2 − 1 y2 ∣
∣ x2 − y2/ 1 x2 1 y2 ∣∣ x − y ∣∣ x y ∣ / 1 x2 1 y2 ≤
∣ x ∣ ∣ y ∣/ 1 x2 1 y2 ∣ x − y ∣∣ x − y ∣; no entanto
limx→ 1 x2 − 1/x − 1 1 e não exite K 1 tal que
∣ 1 x2 − 1 y2 ∣ / ∣ x − y ∣≤ K para todos os x, y ∈ R; (faça-se y 0). (4) i Em
cada a, x ∈ R tem-se ∣ x − a ∣ /∣ x a ∣ 1 ∣ x2 − a2 ∣ , 0. ii Se
a ≤ x y ≤ b então ∣ fx − fy ∣≤ sup∣ f′t ∣: x t y ∣ x − y ∣≤ L ∣ x − y ∣
onde L 2 max∣ a ∣, ∣ b ∣. Não existe L 0 verificando a condição para f ser lipschitziana em R, pois supx2/ ∣ x ∣: x ≠ 0 sup0, . iii Se f fosse
uniformemente contínua existiria, dado 1 0, certo número positivo verificando a condição 1 ≤ a x, x − a x2 − a2 1; mas não existe 0 verificando a
implicação, como se vê tomando a n ∈ N, onde n 1/ para dado, e x n /2. Assim a hipótese f uniformemente contínua leva a uma contradição, e conclui-seiii pelo método de redução ao absurdo. (5) Se f : E, dE → F, dF é uniformemente contínua e a sucessãoxn em E verifica n. m ≥ p dExn, xm , certa ordem p na implicação existindo para cada 0 a priori dado, consideremos 0. Pela continuidade uniforme de f, existirá um número positivo tal que a implicação x, y ∈ E e
dEx, y dFfx, fy é verdadeira; a partir da ordem p, os termos xn, xm verificam o antecedente desta implicação e consequentemente verificam
dFfxn, fxm .
A recíproca não é válida, pois por exemplo para a função fx x2 em (4)iii, se xn
é uma sucessão de Cauchy emR, d então existe x limxn ∈ R donde fxn → fx pela continuidade de f, efxn é uma sucessão de Cauchy.
(6) Ec f−1−, c é um conjunto aberto dado que −, c é aberto em R, d e f é contínua. (7) Há a provar que sexn é uma sucessão em F e xn → x em E, d então x ∈ F. Como xn fxn para cada n, tem-se x limxn limfxn fx pela continuidasde de f. (8) f é claramente bijectiva; f é contínua, pois se 0 ≤ xn 1 e xn → x ∈ 0, 1 então lim fxn limxn x fx, e assim f é contínua em cada ponto x ∈ 0, 1; no ponto 2, f é contínua, pois este ponto é um ponto isolado do domínio. Tem-se xn n1n ∈ 0, 1,
xn → 1 e lim f−1xn limxn ≠ 2 f−1limxn, a função f−1não é contínua.
II.8.48 Exercícios (1) Prove que a função dx, y ∣ e−x − e−y ∣ 0 ≤ x, y ,
dx, d, x e−x , d, 0 é uma métrica em 0, , onde se
convenciona x ≤ para 0 ≤ x e assim se entende este intervalo. (2) Mostre que sendo : 0, , d → 0, , d uma função, tem-se limx→0x 0 em
0, , d se e só se limx→0∣0,1x 0 em 0, 1, d, onde ∣0,1 é a função restrição
II.8.49 Resoluções (1) Para x, y ∈ 0, , tem-se: (D1) dx, y ≥ 0 e dx, x 0;
(D2) Se x, y ∈ R então dx, y ∣ e−x− e−y ∣∣ −e−x − e−y ∣ dy, x e se x ∈ R
então dx, d, x pela definição; (D3) Para x, y, z reais,
dx, z ∣ e−x − e−z ∣≤∣ e−x − e−y ∣ ∣ e−y − e−z ∣ dx, y dy, z; para
y , x, z ∈ R, dx, z ∣ e−x− e−z ∣≤ e−x e−z dx, y dy, z e se z
obtem-se dx, z e−x ≤ e−x dx, y dy, z; (D4) Se x, y ∈ R, x ≠ y é e−x ≠ e−y,
dx, y ≠ 0 e se x ∈ R então dx, e−x ≠ 0, portanto verifica-se (D4). (2) Se
limx→0x 0 em 0, , d tem-se: para cada sucessão xn em 0, 1 tal que