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O conjunto N Noções de cardinalidade

No documento Espaços Métricos e Espaços Topológicos (páginas 40-51)

I.6.1 O conjunto N  1, 2, . . .  dos números naturais pode ser caracterizado pela axiomática de Peano:

(I) existe um número natural chamado ”um” e representado por 1;

(II) cada número natural a tem um sucessor a′ que é também um número natural; (III) o número 1 não é um sucessor de nenhum número natural;

(IV) os sucessores a, bde dois números naturais a, b, a ≠ b, são diferentes;

(V) é válido o princípio de indução dos números naturais: se um subconjunto C de N verifica as propriedades: (i) 1 ∈ C e (ii) sempre que a ∈ C, tem-se também a∈ C, então

C  N.

I.6.2 Observação A propriedade (V) do conjunto dos números naturais, utiliza-se na prática, dada uma relação Rn na variável n ∈ Np  p, p  1, p  2, . . . , para demonstrar pelo método de indução em n que a proposição∀n ∈ Np, Rn é verdadeira, do modo seguinte: começa-se por provar que Rp  V; admite-se então que Rn é verdadeira, para certo n ≥ p_Esta hipótese chama-se a Hipótese de indução_E prova-se que então também a Tese de indução Rn  1  V. Pode também utilizar-se o método de indução em n ∈ N0

para demonstrar∀n ∈ N0, Rn, começando por verificar que R0 é verdadeira; admite-se

então por hipótese de indução que Rn é verdadeira, para certo n ∈ N0 e, provando que

então também Rn  1 é verdadeira, conclui-se a demonstração.

I.6.4 Exemplo A desigualdade de Bernoulli∀n ∈ N, ∀a ∈ R,1  an ≥ 1  na pode provar-se por indução do modo seguinte: para n  1 encontra-se

1  a1  1  a ≥ 1  1. a, donde 1  1. a, e a proposição é verdadeira para n  1;

admitindo que1  an ≥ 1  na para certo n ∈ N por Hipótese de indução, concluimos 1  an1  1  an1  a ≥ 1  na1´  a  1  na  1  naa 

1 na  a  na2 ≥ 1  na  a  1  n  1a, concluindo-se a tese de indução e que

portanto a desigualdade é verdadeira.

I.6.5 Exercício Demonstre por indução em n: a)∀n ∈ N2,∀a ∈ R,1  an  1  na;

b)∀n ∈ N0,

k0

n

2k  1  n2.

I.6.6 Observações

(1) Para demonstrar∀n ∈ N, Rn (respectivamente ∀n ∈ N0, Rn) pelo

método de indução em n, pode começar por provar-se R1  V (resp. R0  V); admitir então por hipótese de indução que, dado certo n ∈ N (respectivamente, dado certo n ∈ N0),

se tem Rk  V para cada k  1, . . . , n (para cada k  0, . . . , n e provar então a Tese de indução Rn  1  V. Para certas propriedades, é difícil encontrar um processo de demonstração substituindo o método de indução dos números naturais.

(2) Um outro método de demonstração importante, e que pode aplicar-se de modo geral, para demonstrar propriedades é o método de demonstração por redução ao absurdo. Procede-se do modo seguinte, para provar que uma proposição P  Q é verdadeira, por este método: acrescenta-se à hipótese P, a hipótese de absurdo ~Q. Está portanto a admitir-se a hipótese H ≡ P ∧ ~Q. Por um raciocínio lógico, procura-se concluir a tese de absurdo, i.e., concluir que então se verifica uma proposição T tal que T entra em contradição seja com P, ou com uma propriedade verdadeira na Teoria, ou mesmo com o princípio da não contradição (por exemplo, se se concluir a ≠ a com a um objecto da Teoria), ou com o princípio do terceiro excluído. Deste modo, T terá de ser falsa, T  F e teremos provado a implicação H  T, i.e., que a implicação P ∧ ~Q  F é verdadeira. Pela análise da tabela de verdade da implicação, terá de ser P∧ ~Q  F; então

~P∨ Q  ~P ∧ ~Q  V, e da equivalência P  Q  ~P ∨ Q podemos concluir

P  Q  V ficando provada a proposição pretendida pelo método de redução ao absurdo.

Como um exemplo, recordemos a conhecida demonstração da irracionalidade do número real 2 . Provar que 2 ∉ Q, é provar que, pela definição da raiz quadrada de um número real não negativo, sendo 2  0, o número p  0 que satisfaz a equação p2  2 e que

representamos por 2 não é da forma p  m/n para nenhuns números naturais m, n.

Trata-se portanto de provar a implicação P  Q, onde P ≡ está bem definido o número real

p  2 pela equação p2  2 (como é sabido das propriedades dos números reais), e

Q ≡ ∀m, n ∈ N, 2 ≠ m/n. Admitindo P e, por hipótese de absurdo ~Q, i.e., que existem

números naturais m, n tais que 2  m/n, concluimos imediatamente 2  m/n2  m2/n2,

e podemos supor que os números naturais m, n não são ambos pares, o que se verifica se na fracção m/n tivermos dividido ambos os termos pelo máximo divisor comum. Da equação 2  m2/n2 concluimos m2  2n2 e portanto que m é um número par, m  2k onde k ∈ N,

pois se na factorização prima de m os factores são todos ímpares, então também m2seria

um produto de números ímpares. Substituindo na equação m2  2n2obtemos

4k2  2m2  2n2, e portanto n2  2k2; então de novo podemos concluir que n é par, o

que entra em contradição com a propriedade de podermos escrever m/n na forma de uma fracção irredutível, como fizemos. Concluiu-se portanto a tese de absurdo, ficando provado que 2 é um número irracional.

I.6.7 Observação O princípio de indução dos números naturais (V) permite tabém definir uma função por indução do modo seguinte: Obter uma função f de domínio N tal que, dado um objecto a, o valor de f em 1 seja a (i.e, sendo1, a ∈ f) e tal que, dadas funções g definidas cada qual sobre Sp  1, . . . , p onde p percorre N, se verifique p  1, Fg ∈ f, onde Fg é um objecto, valor de uma função dada F definida sobre o conjunto das funções g, (e portanto com f1  a e f2  Fg1 com g1definida sobre

1; f3  Fg2, g2 definida sobre1, 2 e assim sucessivamente.). Põe-se a questão: o

valor de f no ponto p 1 pode depender de todos os valores que f toma em cada ponto

q ≤ p: pois se f existe com domínio N e f1  a, f2  Fg1, . . . , fp  Fgp, então f

já está necessariamente definida sobre N e portanto no ponto p 1. Encontra-se em [Kelley] uma demonstração de que a função f existe, e de que damos um apontamento. Para p  1, podemos considerar g11  a e, para q  2 − 1, podemos considerar

Supondo que obtivemos até gp  1, a, 2, Fg1, . . . , p, Fgp−1, q  p − 1

podemos considerar gp1  gp  p  1, Fgp para q  p  1 − 1 e, pelo princípio de

indução dos números naturais, existe uma função g: N → ImF tal que (1) g1  a e a restrição (2) g0,pde g∗a1, . . , p é gp ( p ∈ N2) e

(3) gp  gpp  Fgp−1  Fg0,p−1 p  2, 3, . . . . Portanto, podemos considerar a

classeF de todas as funções h : Sp → ImF que são as restrições das g∗ como em (1), (2), (3) a Sp p ∈ N e satisfazem portanto hq  1  Fh0, onde h0 é a restrição de h a Sq pra

cada q ∈ N.

Prova-se depois que dadas duas funções h, h′ ∈ F, uma é uma restrição da outra. Portanto a reuniãoh : h ∈ F é uma função, é a função f pretendida com domínio N, e é tal que para cada número natural p, fp  1  Ffp, onde fpé a restrição de f a Sp.

I.6.8 Definição Um subconjunto não vazio C de N diz-se um conjunto indutivo se verifica a propriedade∀c ∈ C, c  1 ∈ C.

I.6.9 Proposição (Boa ordenação de N) Cada subconjunto não vazio de N tem primeiro elemento.

Dem. Seja A um subconjunto não vazio de N, e mostremos que existe a ∈ A tal que

a ≤ q, ∀q ∈ A. Seja B  p ∈ N : p ≤ q, ∀q ∈ A. Tem-se 1 ∈ B, e o conjunto B não é

indutivo, pois se q ∈ A então q  1 ∉ B. (Se B fosse indutivo ter-se-ia B  N). Existe portanto p ∈ B tal que p  1 ∉ B. Mostremos por redução ao absurdo que p ∈ A, e notemos que se p ∈ A, então p é o primeiro elemento de A; se p ∉ A, existe q ∈ A tal que

p ≤ q  p  1 e, como p ≠ q, tem-se p  q  p  1. E obtendo-se a tese de absurdo,

conclui-se a demonstração.

I.6.10 Definição Dizemos que dois conjuntos X, Y são equipotentes e notamos X~Y se existe uma bijecção : X → Y.

.

I.6.11 Observação Pela definição anterior, tem-se X~X para qualquer conjunto X, considerando a bijecção IX : X → X. Também se  : X → Y e : Y → Z são bijecções, a função−1 : Y → X é bijectiva, assim como o : X → Z é bijectiva; portanto, se X~Y tem-se Y~X, e de X~Y, Y~Z conclui-se X~Z. Convenciona-se~, e que para nenhum conjunto não vazio X se verifica X~.

I.6.12 Definição Diz-se cardinal do conjunto A, e nota-se #A a propriedade que A tem de comum com todos os conjuntos equipotentes a A. Diremos que: (1) o conjunto A é finito e tem cardinal n, #A  n, n ∈ N, se A~Sn  1, . . . , n; (2) o cardinal do conjunto vazio é finito e igual a zero, #  0; (3) A é um conjunto numerável, se A é equipotente a

N; (4) A é contável, se é finito ou numerável. O número cardinal de N diz-se o cardinal do

numerável, e nota-se #0, #N  #0. (5) O cardinal de R é o contínuo que notaremos c,

#R  c.

I.6.13 Definição Se X, Y são conjuntos tais que, para certo Z ⊂ Y se tem X~Z, diremos que o cardinal de X é menor ou igual que o cardinal de Y, e notaremos

#X  #Y. Se #X  #Y e não se verifica #Y  #X, diremos que o cardinal de X é menor que o cardinal de Y, e então notamos #X  #Y. Convenciona-se 0  #X para qualquer conjunto X e 0  #X se X ≠ .

I.6.14 Observações (1) Pela definição em I.6.10, se A e B são conjuntos tais que existe uma função injectiva f : A → B então #A  #B, e a recíproca é válida. Dados conjuntos A, B, se existe uma função sobrejectiva f : B → A então, designando R a relação de equivalência em B associada à função f (exemplo (3) em I.5.2), a função f : B/R → A,

fCb  fb, Cb  x ∈ B : fx  fb para cada b ∈ B é bijectiva (I.5.15). Assim

#A  #B/R. Como B/R é uma partição de B, o selector de Zermelo  : B/R → B é uma função injectiva, pois∀Cb, Cb∈ B/R, Cb ≠ Cb Cb ≠ Cb′ (ver I.3.3). Então tem-se #A  #B/R  #B donde #A  #B (considere-se a função composta og, onde g : A → B/R é uma bijecção; bastaria g ser injectiva aliás, se #A  #B e

#B  #C então #A  #C). Reciprocamente se existe uma injecção f : A → B então podemos considerar a função sobrejectiva h : B → A definida por hx  f−1x para cada

x ∈ Imf e hx  hb se x ∈ B\Imf, e um tal elemento x existe, onde b  xx ∈ Imf

(veja-se I.3.4). Concluimos:

I.6.15 Propriedade Sejam X, Y conjuntos não vazios. As seguintes condições são equivalentes:

(a) #X  #Y;

(b) existe uma função injectiva f : X → Y ; (c) existe uma função sobrejectiva g : Y → X.

I.6.16 Teorema Todo o subconjunto dum conjunto contável é um conjunto contável. Dem. Supondo A um conjunto contável, se A  a1, . . . , am é finito, obviamente cada

subconjunto C  ak : k ∈ I onde I ⊂ Sm é um conjuto finito de cardinal #C  #I. Suponhamos pois A numerável, e seja B um subconjunto infinito de A. Sendo f : N → A uma bijecção, tem-se B~f−1B, e portanto basta provar que f−1B é numerável, i.e., que todo o subconjunto infinito C de N é numerável. Designemos por g1 o primeiro elemento de C (boa ordenação de N, I.6.9). Para cada p ∈ N2, podemos considerar o primeiro

elemento gp de C\g1, . . . , gp − 1, uma vez que esta definição faz sentido para p  2 e, obtidos g1, g2, , , , gp 2 ≤ p, existe, pela boa ordenação de N, o primeiro elemento

gp  1 de C\g1, g2, . . . , gp. Pelo princípio de indução dos números naturais, fica

definida uma função g : N → C. Notemos que sendo

C\g1, . . . , gp  1 ⊂ C\g1, . . . , gp para cada p, tem-se gp ≤ gp  1 p ∈ N,

pois se ≠ U ⊂ V então infV ≤ infU. Também gp  gp  1 para cada p, pois encontra-se, utilizando o método de indução: para p  1, g2  min C\g1  g1; e admitindo que gk  1  gk para cada k  1, . . . , p, p ≥ 1 como hipótese de indução, vem

gp  2  min C\g1, . . . , gp, gp  1  gp  1, pois entre cada gq e gq  1 não

existe nenhum elemento de C pela definição da função gq ∈ N. Também p ≤ gp p ∈ N, como se prova facilmente por indução em p: tem-se 1 ≤ g1 e, admitindo

k ≤ gk para cada k  1, . . . , p então gp  1  gp ≥ p como já vimos, vem

gp  1 ≥ p  1. Então, pela definição de g, cada elemento p ∈ C é um dos números gq

com 1 ≤ q ≤ p, e assim g é sobrejectiva, donde g : N → C é bijectiva e #C  #N como queríamos provar.

I.6.17 Observações (1) Da bijecção : N0 → N, n  n  1 conclui-se que

#N0  #0; também para cada p ∈ N, o conjunto Np  p, p  1, p  2, . . .  tem cardinal

#Np  #0. A bijecção : N0 → Z definida por 0  0, 2n − 1  n, 2n  −n

n ∈ N mostra que N0~Z, donde #Z  #0.(2) Para provar que um conjunto C é contável,

basta provar que existe uma função sobrejectiva de uma parte não vazia M de N sobre C, atendendo a I.6.16 e a I.6.15.

I.6.18 Teorema Todo o conjunto infinito contém um conjunto numerável.

Dem. Dado um conjunto infinito X, utilizando o princípio da boa ordenação, existe uma boa ordem em X. Designemos a1 o primeiro elemento de X; cconsiderando X\a1 ,

este conjunto tem também um primeiro elemento a2 ≠ a1, uma vez que a2 ∈ X\a1 e

a1 ∉ X\a1; assim a1  a2. Utilizando o método de indução dos números naturais,

admitamos por hipótese de indução que obtivemos elementos a1  a2 . . .  anpara certo

n ∈ N2 O conjunto X\a1, . . . , an é não vazio, pois de contrário seria X  a1, . . . , an, e X

seria um conjunto finito. Existe portanto o primeiro elemento an1de X\a1, . . . , an, e

podemos obter an1 com an  min X\a1, . . . , an−1  min X\a1, . . . , an  an1 e

an1 ≠ an, donde a1 . . .  an  an1. Fica demonstrado pelo método de indução que existe

uma sucessão estritamente crescentean em X, ficando provado o teorema.

I.6.19 Teorema SeA1, A2, . . . é uma classe contável constituída por conjuntos

contáveis, entãoAn : n ∈ N é um conjunto contável. (Nesta notação, se a classe é finita com m conjuntos, pressupõe-se Amp  Am para cada número natural p).

Dem. Pela hipótese, podemos designar An  a1n, a2n, . . . , akn, akn1, . . ., repetindo possivelmente akn1  akn e aknp  akn p  1, 2, . . .  se Ané um conjunto finito com k elementos, para cada n ∈ N. Consideremos o conjunto M  2n. 3k : n, k ∈ N ⊂ N e a função f : B → An : n ∈ N definida por f2n. 3k  akn. Como f é sobrejectiva, o teorema conclui-se da observação anterior.

I.6.20 Observação Sei : i ∈ I é um conjunto não vazio de cardinais, i  #Ai para cada índice i, então os conjuntos Ai  i são dois a dois disjuntos, (Ai  i : i ∈ I é uma classe disjunta) e considerando a bijecção bi : Ai → Ai  i, bix  x, i vemos quei  #Ai  i para cada i.

I.6.21 Definição Na notação de I.6.19, diz-se soma dos cardinaisi i ∈ I o cardinal do conjunto reunião de uma classe disjunta de conjuntos Wi tal que #Wi  i i ∈ I. Representa-se

i∈Ii  #Wi : i ∈ I. Se i : i ∈ I  ,  põe-se

i∈Ii    .

I.6.22 Exercícios (1) Mostre que a definição anterior é coerente, i.e., se para cada índice i ∈ I, I ≠ , Wi, Vi são conjuntos tais que as classes de conjuntosWi : i ∈ I e Vi : i ∈ I são ambas disjuntas, e #Wi  #Vi para cada i ∈ I, então

#Vi : i ∈ I  #Wi : i ∈ I.

Resoluções

(1) Sendo fi : Wi → Vi uma bijecção par cada índice i, que existe por hipótese, a função F : W  Wi : i ∈ I → V  Vi : i ∈ I definida por Fw  fiw se w ∈ Wi é uma bijecção, concluindo-se a injectividade de

∀i, j ∈ I, ∀w, w∈ W, fiw  fjw  i  j, por a classe Vi : i ∈ I ser uma classe

disjunta.

(2) Pelo teorema I.6.18, a reunião numerável de conjuntos numeráveis é um conjunto contável; como é um conjunto infinito, é um conjunto numerável.

I.6.23 Definição Dada uma classe não vazia de cardinaisi : i ∈ I, cada qual

i  #Ai  0, define-se o cardinal produto dos i como sendo o cardinal

Pi∈Ii  #

i∈IAi. Se pelo menos um dos cardinais factores i  #  0, o cardinal produto é zero. Para I  1, 2 nota-se Pi∈Ii  1.2.

I.6.24 Observação Para cada númer natural p ≥ 2, existem exactamente p − 1 pares ordenados de números naturaism, n tais que m  n  p. Podemos considerar a função

f : N → N  N definida por f1  1, 1, f2  1, 2, f3  2, 1 e, tendo obtido até

certo p ∈ N2os pares ordenadosm, n com m  n  p, obtidos começando, para certo

k ∈ N, por fk  1, p − 1, fk  1  2, p − 2,..., fk  j  m, n,...,

fk  p − 1  p − 1, 1 onde a primeira coordenada m vai crescendo de uma unidade, e n decrescendo de uma unidade, podemos continuar o processo para p 1, pondo com q  k  p, fq  1, p,..., fq  j  m, n,..., fq  p  p, 1, onde ordenamos da

mesma forma os paresm, n. A função f obtida desta forma é uma bijecção, e concluímos que N2~N e #N2  #0.

Para a comparação de cardinais, conclui-se facilmente da definição que dados cardinais, ,  se tem    e, que as relações    e    implicam   . Põe-se 0  , para qualquer cardinal . Têm-se também as seguintes propriedades, o primeiro teorema de que uma demonstração pode encontrar-se em [Cohn], o segundo para o qual Zermelo obteve uma demonstração.

I.6.25 Teorema de Schroeder-Bernstein Dados dois conjuntos A, B tais que existem funções injectivas f : A → B e g : B → A, existe uma bijecção  : A → B.

Consequentemente, dados cardinais, , se    e    então   .

I.6.26 Teorema (Dicotomia) Dados conjuntos não vazios A, B ou existe uma injecção

I.6.27 Observações (1) Pelas definições das relações e  entre cardinais conclui-se que é válida a Tricotomia: dados números cardinais,  tem-se   ,    ou   . (2) Se bem que sejam verificadas as propriedades  , se ,  são números cardinais e se verificam   e    então   , e também de poder concluir-se de    e    que

   para cardinais dados , , , a relação  entre cardinais não é uma ordem parcial; pois

não é uma relação binária, uma vez que não existe o conjunto de todos os cardinais. (3) O teorema de Schroeder-Bernstein pode enunciar-se pondo: dados conjuntos X, Y, Z tais que

X ⊂ Y ⊂ Z e #X  #Z, tem-se #X  #Y. (4) A comparação de cardinais, utilizando

se necessário os teoremas I.6.25 e I.6.26, tem aplicação às operações de números cardinais.

I.6.28 Exemplo Utilizando I.6.23, pode concluir-se que o conjunto Q é numerável. Com efeito, a função f : N2 → Q q ∈ Q : q  0 definida por fn, m  n/m é

sobrejectiva, donde #Q  #N2  #N. Uma vez que N ⊂ Qtem-se #N  #Q e

portanto, pelo teorema de Schroeder-Bernstein, tem-se #Q  #

0. Também a bijecção

g : Q→ Q q ∈ Q :q  0 permite concluir #Q−  #0. Pelo teorema I.6.18, o

conjunto Q  Q 0  Q− é contável e, como é infinito, é numerável.

I.6.29 Observações (1) Se, ,  são cardinais tais que    então        e

.   . . Para uma demonstração ver, por exemplo, [Guerreiro]. (2) Se  é um cardinal

infinito, tem-se     e .   .

I.6.30 Exercícios (1) Utilizando as observações em I.6.29, mostre que se 0   e se  é um cardinal infinito, então    .   max, .

(2) Prove que se cada cardinal infinitoi   i ∈ I e #I    0, então

i∈Ii  max, . (Sug: Dada uma classe disjunta Wi : i ∈ I, #Wi   para cada

i ∈ I, considere uma função F : Wi : i ∈ I → Ai  I definida por Fa  fia, i onde, i é um índice escolhido em I e fi : Ai → Ai é uma bijecção, para cada i ∈ I).

Resoluções

(1) Tem-se supondo max,   :      como consequência de 0  ; seguidamente   ≤     , donde se conclui     . Analogamente, para o produto,   implica .   .   , e como se tem 1   vem também   1.   .  concluindo-se  . .

I.6.31 Teorema de Cantor Para qualquer conjunto A, tem-se #A  #PA. Dem. Se A  , obtemos P   e 0  1. Supondo pois A ≠ , a função

f : A → PA, fx  x é injectiva, e basta provar que não existe nenhuma função

sobrejectiva g : A → PA; seja então g : A → PA uma função. Consideremos o

subconjunto C  x ∈ A : x ∉ gx ⊂ A. Tem-se que C não é imagem por g de nehum elemento x ∈ A. Pois tem-se x ∈ C ou x ∈ A\C. No primeiro caso, é gx ≠ C, pois senão

x ∉ C; e no segundo caso, verifica-se x ∈ gx pela definição de C, e como x ∉ C tem-se C ≠ gx. Fica demonstrado o teorema.

I.6.32 Exercício Prove que se X é um conjunto infinito de cardinal, então o cardinal do conjuntoFX das partes finitas de X é . (Sug: Prove pelo método de indução que para cada n ∈ N, o cardinal do conjunto dos subconjuntos de X constituídos por n elementos é

). Resolução Para n  1, a bijecção f : X → F1X, fx  x, onde F1X é o conjunto

dos subconjuntos de X constituídos por um elemento, mostra que #F1X  .

Admitindo que, para certo n ∈ N, o cardinal do conjunto dos subconjuntos de X constituídos por n elementos é, a aplicação sobrejectiva  : X  FnX : Fj X : 1 ≤ j ≤ n  1 definida por p, x1, . . . , xn  p, x1, . . . , xn, onde para cada

j  1, . . , n, FjX é o conjunto dos subconjuntos de X constituídos por j elementos , mostra que #Fn1X  #FjX : 1 ≤ j ≤ n  1  .   . Assim #FnX   para cada n ∈ N, utilizando o teorema de Schroeder-Bernstein, pois   #FnX para cada n; comoFX  FnX : n ∈ N, o resultado conclui-se usando I.6.30 (2).

I.6.33 Observação Se X é um conjunto não vazio, A ⊂ X, podemos associar ao conjunto A a funçãoA : X → 0, 1 definida por Ax  1 se x ∈ A e Ax  0 se

x ∉ A. A função F : PX → 0,1X, FA  A é uma bijecção, e assimPX~0, 1X e #PX  #0,1X.

I.6.34 Exercícios (1) Mostre que o cardinal do intervalo0, 1 de R é o contínuo c. (Sug:0, 1  0  0, 1; considere as funções f : 0, 1 → R, fx  1/x e

g : R→ R x ∈ R : x  0, gx  −x e utilize I.6.30).

(2) Considere as classes de subconjunto do conjunto dos números naturais F  A ⊂ N : Ac é finito, I  A ⊂ N : Ac é infinito.

a) Mostre que o conjuntoF é numerável (Sug: I.6.32); b) Conclua que #I  #PN.

Resoluções (1) Como f é bijectiva, conclui-se #0, 1  #R Também, sendo g

uma bijecção, #R−  #R. N ⊂ Re portanto #R é infinito,

#R−  #R  #R. Se #R ≠ #R conclui-se #R    #R, o que implica (

I.1.30) #R0  #0  R   e #R  #R R0  , obtendo-se #R  #R, o

que é impossível, e assim #R  c. Concluimos, usando de novo I.1.30, que

#0, 1  c.

(2) a) Utilizando I.6.32, #FN  #0e : FN → F, A  Ac é uma bijecção.

b) Uma vez quePN  F  I e #0  #PN pelo teorema de Cantor, , conclui-se

I.6.35 Teorema #PN  c.

Dem. Atendendo a I.6.34, basta mostrar que #I  #0,1. Sendo A ∈ I, para cada

n ∈ N, designe n  An  1 se n ∈ A, n  0 se n ∈ Ac. Uma vez que nem todos os n tomam o valor 1, a soma de cada série

n1n/2n é um número real x ∈ 0, 1 para cada

A ∈ I. Obtem-se assim uma função f : I → 0,1, fA 

n1n/2n. A função f é claramente injectiva, pois se A, B ∈ I e A ≠ B então existe pelo menos um número natural

n tal queAn ≠ Bn. Se 0  x  1 existem pelo menos duas somas finitas Sm, Sm′ de duas séries respectivamente, tais que Sm ≤ x  Sme, se x ≠ Sm tem-se que em cada um dos

intervalosSm, x e x, Sm existem duas novas somas finitas Sm1, Sm1 com

Sm  Sm1  x  Sm1  Sm, m  m1, m m′1. Repetindo o processo, obtemos uma sucessãoSmk k  1, 2, . . .  de números reais de limite x, que é a soma de uma série fA

para certo A ∈ I, o que mostra que f é sobrejectiva, concluindo a demonstração.

I.6.36 Observação Se na classeXt : t ∈ T todos os conjunto coincidem com um mesmo conjunto X, então

t∈TXt  XT.

I.6.37 Definição Se X é um conjunto não vazio, e T é um conjunto, #X  , #T  , o cardinal  é por definição  #XT; se T   convenciona-se #X  #  1.

I.6.39 Observação Pela observação anterior e a definição em I.6.23, seXt : t ∈ T é uma classe de conjuntos não vazios indiciada num conjunto T tal que #Xt   t ∈ T e #T   então #

t∈TXt  . Se, ,  são cardinais, ,  ≠ 0 verificam-se as

igualdades.  ,.  . ,  . como consequência das

definições. Também se   e  é um outro cardinal, tem-se   . Atendendo a I.6.33, se #X  2 então #PX  2#X. Encontramos por exemplo como uma aplicação, a

determinação do cardinal do conjunto das sucessões de números naturais: tem-se

c  2#0  #NN  #RN  2#0#0  2#0.#0  2#0  c, concluindo-se #NN  c pelo

teorema de Schroeder-Bernstein.

I.6.40 Exercício Determine, e compare os cardinais dos conjuntos ZZe ZR.

Resolução Utilizando I.6.17, #ZZ  # 0

#0  #NN  c por I.6.39. Utilizando I.6.33 e

I.6.35, e aplicando também I.6.39 e I.6.30 (1), 22#0  #0, 1R  #ZR  #

0

2#0  2#02#0  22#0. Pelo teorema de Schroeder-Bernstein,

#ZR  2c. Atendendo a I.6.33, tem-se 2c  #PR e como, pelo teorema de Cantor, #R  #PR conclui-se #ZZ  #ZR.

No documento Espaços Métricos e Espaços Topológicos (páginas 40-51)