• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1. Revisão Bibliográfica

2 Fisiologia do Sistema Olfativo

2.2 Fisiologia do Sistema Olfativo Acessório

Desde sempre se suspeitou que o OV tem natureza olfativa, mas hoje sabe-se que funciona como quimiorrecetor de MO com função de feromonas (MUCIGNAT-CARETTA, 2014). As feromonas são substâncias químicas excretadas por um ser vivo para o meio exterior,

Figura 15: Representação esquemática das vias olfativas (adaptado de REECE et al.,

35

passíveis de seres detetadas por outro ser vivo e que desencadeiam neste último respostas de caracter comportamental e fisiológico. Desempenham funções no comportamento sexual tanto do macho como da fêmea, comportamento materno e até na interação do feto com o seu ambiente amniótico e no reconhecimento de parentes. É portanto um órgão importante na comunicação social e reprodução de mamíferos. No fundo o órgão providencia informação sobre a condição social e sexual de outros animais da mesma espécie (LEDDO et al., 2005) sendo que na maior parte dos mamíferos a deteção de feromonas de uma fêmea leva a alterações sistémicas no macho, como por exemplo, uma elevação dos valores de testosterona plasmática (EURELL & FRAPPIER, 2006). As feromonas são produzidas em diversos órgãos, mas os locais mais importantes são as glândulas dos sacos anais, glândulas circum-anais, glândulas digitais e glândulas presentes na face dorsal da cauda, precisamente os locais onde dois cães se farejam quando se encontram pela primeira vez (GRANDJEAN & HAYMANN, 2012).

Relacionada com a função sexual do OV, o “reflexo olfativo” observado em diversos mamíferos e conhecido como reflexo de flehmen, consiste na elevação do lábio superior por parte do macho, com exposição das gengivas e dentes e permite uma aspiração de ar, limpeza das vias aéreas até ao OV e aspiração das feromonas para que estas contactem com o muco na proximidade do ducto incisivo, sejam aspiradas para dentro do órgão e contactem com os recetores (EVANS & LAHUNTA, 2013). As feromonas podem atingir o ducto incisivo através do ar inspirado, através do contacto com a língua ou através da passagem pela boca no alimento ou água. Uma vez diluídas nos fluidos dos ductos incisivos, as substâncias são aspiradas para o ducto vomeronasal através da constrição dos vasos sanguíneos da submucosa do OV. Em consequência da dilatação destes vasos, as substâncias dissolvidas são excretadas do lúmen vomeronasal (EURELL & FRAPPIER, 2006).

Os neurónios sensitivos vomeronasais apresentam duas famílias de RAPG distribuídas por cerca de 100 recetores e que se ligam a diferentes classes de moléculas, nomeadamente as feromonas. Estes neurónios sensoriais vomeronasais projetam-se para as células mitrais na região glomerular do BOA (EVANS & LAHUNTA, 2013; MUCIGNAT-CARETTA, 2014) e deste para áreas da amígdala e hipotálamo relacionadas com comportamento reprodutivo e de ingestão (tendo por isso a informação proveniente deste órgão efeitos significativos nestas funções), mais especificamente para os núcleos do trato olfativo acessório, núcleo da estria terminal (única estrutura não cortical) e amígdala cortical medial e posterolateral. A partir das estruturas do telencéfalo basal ocorrem projeções para outras estruturas das vias vomeronasais

36

e hipotálamo. Os núcleos amigdaloides projetam-se para diferentes estruturas hipotalâmicas como os núcleos hipotalâmicos ventromediais e núcleos pré-mamilares ventrais. Os núcleos do córtex amigdaloide posteromedial projetam-se essencialmente para outras estruturas vomeronasais, incluindo o BOA mas também a formação do hipocampo (MARTINEZ- MARCOS, 2009).

O recetor vomeronasal envia axónios para múltiplos glomérulos no BOA cranial ou caudal e por sua vez estes glomérulos recebem múltiplas dendrites provenientes das células mitrais/em tufo, permitindo fenómenos de integração e convergência (MARTINEZ-MARCOS, 2009). As porções basal e apical do OV apresentam diferentes populações de neurónios sensitivos vomeronasais que se projetam para diferentes áreas do BOA (HILL et al., 2012) e hoje estão descritas duas vias do SV anatómica e funcionalmente diferentes: os neurónios localizados perto do ápex do lúmen do OV expressam recetores da família V1R que estão ligados a proteínas Gαi2 e apresentam projeções para os glomérulos localizados na metade rostral do BOA (via vomeronasal rostral); os neurónios localizados na base do OV expressam recetores V2R ligados a proteínas Gα0 e com projeções para glomérulos localizados na porção caudal do BOA (via vomeronasal caudal). Estas duas vias funcionais apresentam assim sensibilidade específica: enquanto os retores V1R apresentam um domínio de ligação extracelular pequeno e grande afinidade para com moléculas voláteis e pequenas de espécies simpátricas, os recetores V2R apresentam domínios de ligação extracelular grandes mas afinidade para com moléculas de grandes dimensões e não voláteis como proteínas urinárias, péptidos de secreções glandulares de indivíduos da mesma espécie (SUARÉZ et al., 2001). Recentemente percebeu-se que péptidos lacrimais secretados pela glândulas extraorbital de roedores machos também se ligam e ativam recetores V2R específicos, induzindo alterações comportamento específicas nas fêmeas (lordose). Em geral os genes dos recetores V1R expressam-se em mamíferos que possuem OV bem desenvolvidos, estando ausentes ou apresentando pseudogenização em espécies que possuem OV vestigiais ou não funcionais como o homem. A presença dos recetores V2R não parece estar relacionada com a presença ou grau de desenvolvimento do OV (MUCIGNAT-CARETTA, 2014). Os recetores V1R podem ser ativados por diferentes estímulos, como por exemplo os provenientes de animais da mesma espécie, predadores e outros animais não predadores. Em contraste, os recetores V2R são ativados por estímulos relacionados com um contexto etológico específico, como seja um macho ou fêmeas, predador ou não predador, mas sem ativação de múltipla origem. Este facto

37

mostra que os recetores V1R codificam exclusivamente informação com importância comportamental específica sobre o emissor, como o sexo ou a sua natureza predatória ou competitiva. Os recetores V2R codificam outros tipos de informação biológica relevante (ISOGAI et al., 2012).

Inicialmente pensava-se que ambas as vias estavam presentes em todos os mamíferos com OV funcionais. Hoje sabe-se que as vias associadas a proteínas Gα0 estão ausentes em diversas espécies, incluindo o cão. Nestas espécies o nervo vomeronasal e glomérulos vomeronasais expressam apenas recetores associados à proteínas Gαi2 de forma uniforme ao longo do BOA. Estudos genómicos posteriores revelaram que em espécies como o cão, a família de genes associados a proteínas dos recetores V2R sofreu pseudogenização, isto é, perda de função por acumulação sucessiva de mutações, mas a teoria de que a perda desta via surgiu em espécies onde se desenvolveram sistemas de reconhecimento de géneros baseados em sinais não vomeronasais (como visuais ou auditivos) também merece consideração (SUARÉZ et al., 2001). Pensa-se que as vias associadas a proteínas Gαi2 respondem predominantemente a interações macho-fêmea enquanto as vias associadas a proteínas Gα0 são ativadas predominantemente em interações agressivas entre o mesmo sexo, principalmente entre machos (CHAMERO et al., 2011). Uma vez que algumas espécies desenvolveram mecanismos de reconhecimento à distância de animais do mesmo sexo (nomeadamente dimorfismo sexual) e reduziram o risco de agressões associados à aproximação excessiva necessária para o reconhecimento vomeronasal, as vias associadas a Gα0 poderão ter sofrido um relaxamento funcional progressivo com posterior perda total de função (SUARÉZ et al., 2001).

A ligação das feromonas aos recetores vomeronasais inicia a cascata de transdução que leva à resposta excitatória (Figura 16), causando despolarização membranar, aumentando a taxa de desencadeamento de potências de ação e a concentração de ca2+ intracelular nos neurónios vomeronasais. Embora se notem diversas similaridades na resposta a estímulos entre os neurónios vomeronasais e olfativos, os mecanismos de transdução são diferentes. No cão, as RAPG associadas a V1R atuam através de proteínas Gαi2 localizadas nas microvilosidades onde ocorre a transdução. A ativação das RAPG leva à libertação do complexo responsável pela ativação da fosfolipase C. A fosfolipase C produz os segundos mensageiros trifosfato de inositol (IP3) (TIRINDELLI et al., 2008) e Diacilglicerol (DAG). O DAG tem a capacidade de ativar canais iónios recetores de potencial transitório (TRLC2) que por sua vez permite a despolarização por influxo de Na+ e Ca2+. O aumento do cálcio intracelular leva à ativação dos

38

canais de Cl- ativados por Ca2+ e mediada por proteínas transmembranares, levando assim à repolarização membranar (MUCIGNAT-CARETTA, 2014).