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3 DIVERSIDADE CULTURAL E ÉTNICA NA SERRA: SIGNIFICADOS E

3.3 FOLIA DE REIS E CONGO SERRANOS: CULTURAS EM MOVIMENTO

3.3.2 Folia de Reis

Falando agora Sobre a Folia de Reis na Serra, queremos antes, fazer uma observação já mencionada anteriormente, a Folia tem sua gênese no catolicismo ibérico e foi trazida ao Brasil pelos portugueses. No entanto, como cultura popular, irá receber por aqui, novos elementos culturais, dos povos aqui estabelecidos, variando conforme a região, de acordo com Brandão (1984, p.64):

Longe da presença do Ido controle direto de agente eclesiásticos o ritual votivo da Folia de Reis pequenas confrarias de devotos: mestres, contramestres, embaixadores, gerentes, foliões distribuídos segundo seus tons de voz e os instrumentos que tocavam. Com base em uma mesma estrutura cerimonial ampliaram o circuito das visitações de casa em casa, “o giro da Folia”, introduziram novos personagens, como “palhaços”, “bastiões ou “bonecos” [...].

Para entendermos basicamente como se constitui a Folia de Reis trazemos outra contribuição de Brandão (1977, p.4): “A Folia de Reis é um grupo precatório de cantores e de instrumentistas, seguidos de acompanhantes, e viajores rituais, entre casa de moradores rurais, durante um período anual de festejos dos “três Reis Santos”, entre 31 de dezembro e 6 de janeiro”. Essa cultura irá ter aspetos diferentes conforme a historicidade do coletivo que lhe dá vida, incluindo nelas várias de suas produções, o autor cita moradores rurais porque conforme suas pesquisas, essa região foi o principal local de propulsão das Folias. Mas o mesmo Brandão, confirma a presença de Folias em áreas urbanas, principalmente nas periferias das cidades, como é o caso da Folia de Reis que acontece em Nova Almeida-Serra, mas esta localidade é um caso singular pois mesmo, fazendo parte da área urbana, guarda “ares” de uma antiga vila.

Algumas das mais bonitas Folias de Santos Reis do Rio de Janeiro estão no morro da Mangueira. Provavelmente, migrantes de áreas rurais do Rio e de Minas Gerais terão conseguido preservar até hoje este ritual camponês em plena favela. Como as condições de “giro da Folia” (jornada de 7 ou de 13 dias, de casa em casa, saudando pessoas, pedindo esmolas para a “Festa dos Santos Reis” e distribuindo bênçãos) na cidade são muito diferentes das condições do meio rural, por certo várias modificações terão sido introduzidas neste antiquíssimo rito religioso popular do Ciclo do Natal (BRANDÃO, 1984, p.43).

Em diversos municípios do Espírito Santo possuímos uma diversidade nas representações das Folias de Reis. Na atualidade, observamos que em algumas localidades do estado essa

tradição cultural irá receber muitos elementos da cultura afro-brasileira, isso foi constatado na pesquisa Goltara (2010) sobre Folias de Reis no sul do estado, a pesquisa demonstrou um contexto híbrido, envolvendo elementos da cultura e religiosidade afro-brasileira e católica. Registros antigos sobre apresentações de Folias no Espírito Santo antes do século XX, também nos apontam para esse contexto, em seus estudos Maciel (2016, p.150) relatou a existência de registros do século XIX, de um tal “Pagode de Reis” em Cachoeiro de Itapemirim realizado pelos negros do local.

Novamente trazemos a pesquisa de Marina de Mello e Souza (2001), que desempenhando uma minuciosa análise a despeito das raízes das festas de Reis Negros no Brasil, afirma que o processo escravista no período colonial empreendeu uma diáspora forçada pelo tráfico humano, aos povos africanos, provocando uma decomposição cultural a esses povos, que vindos de várias regiões da África irão ver suas particularidades drasticamente oprimidas. Para além de suas “memórias culturais”, nutridas com seus pares, os africanos, por vezes, de regiões diferentes, mas na mesma condição de escravos, irão se ver envolvidos com traços da cultura e religiosidade do colonizador, incorporando esse novo repertório ao seu. Souza (2001, p. 249) nos afirma que: “A eleição de reis por comunidades de africanos e seus descendentes foi costume amplamente disseminado na América portuguesa”. Esse traço vai estar para além da organização do trabalho, revoltas e quilombos, mas irá se incorporar aos rituais religiosos do catolicismo praticado pelos negros, principalmente nas irmandades. Os negros irão “cavar” nessas práticas, ocasiões para manter e reinventar parte da herança cultural africana. Citando um caso especifico do Rio de Janeiro no século XVIII Souza (2001, p.251) assim expôs:

No dia de reis, quando a irmandade festejava o “santo rei Baltasar”, o capelão coroava os reis na missa e lavrava no livro da irmandade o termo de eleição do rei, da rainha e demais cargos. Sempre acompanhados de suas cortes, esses reis festejavam pelas ruas da cidade, com músicas e danças de marcada origem africana.

Salientamos que a Folia de Reis de Nova Almeida, cultura imaterial que estudamos, na atualidade não demonstra possuir uma base principal na cultura afro-brasileira, como ocorre em outros locais do Espírito Santo. Por lá, essa cultura ainda possui muitos elementos do catolicismo tradicional, embora receba também diversas contribuições da cultura e religiosidade afro-brasileira. O giro da saia e da folia, o batido do tambor e o coro manhoso, não deixam dúvidas sobre essa questão.

As Folias de Reis da Serra foram relacionadas no Atlas Folclórico do Brasil – Espírito Santo de 1982, que registrou dois grupos de Folia no município: um grupo em Nova Almeida fundado em 1973 e outro em Jacaraípe, fundado em 1977, este tendo por Mestra, Rosa Maria Nascimento, registro raro e importante, ratificando a participação e liderança (mesmo que pouco registradas) das mulheres na cultura popular, em ambientes, por vezes, centralizados na figura do homem.

As datas de fundação referidas nesse documento, marcando o inicio dessas Folias na Serra, podem não corresponder a uma realidade prática, pois conversando com moradores com mais de 60 anos residindo no bairro Nova Almeida, pudemos observar pelos relatos, que desde inicio do século XX, já havia no local comemorações festivas de Folias de Reis. Essa constatação nos faz pensar na não linearidade dessas culturas que, por inúmeros motivos, como falta de apoio do poder público ou proibição pelos governantes locais ou pela igreja, podem ter interrompido de tempos em tempos essas apresentações. Por isso, em nosso entendimento, essas interrupções não significam um “fim” para dessas culturas, mas talvez, um tempo em que as coletividades constroem novas resistências e significações.

Diferente do Congo que possui uma expressividade maior na Serra, com vários grupos espalhados, notou-se que a Folia Reis ocorre de forma menos ampliada, mas não menos importante, enquanto forte expressão da cultura popular no município, reconhecida pela Lei municipal nº 4.469 de 201610, como Patrimônio Cultural Imaterial da Serra.

Desejamos que fique manifestado em nosso estudo, a relevância em se compreender e valorizar o patrimônio cultural imaterial de origem popular da Serra, uma vez que, sabemos que esses patrimônios são rechaçados como “cultura menor”. Vale ressaltar novamente que as desigualdades herdadas de nosso período colonial, possuem “tentáculos” que atingem as diversas esferas sociais, tirando o direito dos sujeitos de terem uma educação de qualidade, além de compreenderem e usufruir dos patrimônios culturais.

Em vista disso, defendemos que os professores tenham em sua formação, uma experiência com a cultura imaterial, trazendo suas vivencias escolares para dentro desse cenário, como

10Consultada no site da Prefeitura Municipal da Serra que explana detalhes sobre a Lei estabelecida no município. Disponível em: http://www.serra.es.gov.br/site/publicacao/folia-de-reis-agora-e-patrimonio-cultural- imaterial-da-serra. Acesso em: 14 abr. 2019.

forma de se repensarem enquanto sujeitos e docentes, refletindo sobre suas práticas, ampliando o horizonte para práxis educativa. Sabendo das muitas sinuosidades das culturas do Congo e Folia de Reis na Serra, no próximo capítulo, iremos apresentar algumas especificidades do Congo e da Folia de Reis no bairro Nova Almeida.