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Cultura imaterial e diversidade étnico-racial da Serra na formação docente : pelos caminhos do Congo e da Folia de Reis

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Academic year: 2021

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MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HUMANIDADES

NADIA JULIANA RODRIGUES SERAFIM

CULTURA IMATERIAL E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL DA SERRA NA FORMAÇÃO DOCENTE: PELOS CAMINHOS DO CONGO E DA FOLIA DE REIS

Vitória 2020

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CULTURA IMATERIAL E DIVERSIDADE ÉTNICO-RACIAL DA SERRA NA FORMAÇÃO DOCENTE: PELOS CAMINHOS DO CONGO E DA FOLIA DE REIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do Instituto Federal do Espírito Santo, campus Vitória, como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestra em Ensino de Humanidades.

Orientador: Prof. Dr. Aldieris Braz Amorim Caprini

Vitória 2020

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo)

S481c Serafim, Nadia Juliana Rodrigues.

Cultura imaterial e diversidade étnico-racial da Serra na formação

docente : pelos caminhos do Congo e da Folia de Reis / Nadia Juliana Rodrigues Serafim. – 2020.

136 f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Aldieris Braz Amorim Caprini.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo,

Programa de Pós-graduação em Ensino de Humanidades, Vitória, 2020. 1. Folclore. 2. Multiculturalismo. 3. Bandas de congo – Espírito Santo (Estado). 4. Folia de Reis – Espírito Santo (Estado). 5. Educação não-formal. 6. Professores -- Formação. I. Caprini, Aldieris Braz

Amorim. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

CDD 21 – 398 Elaborada por Marcileia Seibert de Barcellos – CRB-6/ES - 65

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Realizar uma pesquisa é um processo valioso, com múltiplas aprendizagens, mas ao mesmo tempo, se estabelece como um desafio. Confesso que algumas vezes foi necessário dizer não, quando gostaria dizer sim, ao cinema com a filha, ao passeio com o esposo, a visita aos amigos etc. Todo esse processo nos oferece uma certeza, pesquisar é uma prática coletiva em todos os sentidos, seja no percurso da investigação em seus sujeitos, seja no percurso pessoal, afinal, o pesquisador é antes de tudo, gente, com todas as inferências da vida. Ninguém pesquisa só, caso contrário não seria pesquisa, são muitas faces, vozes e mãos. Assim sendo, como deixar de reconhecer as pessoas que tornaram possível esse estudo? Gratidão é a palavra que ressalta do meu âmago, jamais poderia deixar de dizer que agradeço:

À Deus amor criador de toda vida.

Ao meu querido esposo e companheiro Geraldo e à minha amada filha Talita, por me ampararem com paciência e amor em todo percurso.

À minha mãe Alda e meu pai Jonathan (In memoriam), meus amados pais, por me ofertarem uma educação para as (re) existências na vida.

Á minha estimada sogra Cecília pelo suporte carinhoso em toda minha caminhada acadêmica.

Aos meus irmãos e as minhas irmãs: Martanézia, Marilia, Marina, Marinalva, Marinete, Eliana e Marilda, mulheres fortes e importantes em minha vida, pelo exemplo de força, pela solidariedade e encorajamento.

Ao meu orientador professor Aldieris Caprini, pelo direcionamento sábio, humilde e humano em todos os momentos da pesquisa.

As professoras dos anos iniciais da Serra, que dedicaram os seus sábados as aprendizagens formativas do curso, colaborando preciosamente com os estudos.

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colaboração inestimável para essa pesquisa.

Aos professores parceiros que contribuíram de forma significativa ministrando temáticas no curso de extensão.

Aos professores das bancas de qualificação e defesa, Diemerson Saquetto e Kalline Aroeira, pelas relevantes contribuições nas lapidações deste trabalho.

À equipe de professores da Coordenação dos Estudos Étnico-Raciais do Centro de Formação da Serra: Franciele, Tatiana, Eduardo e Joelma, por acolherem e apoiarem todo processo formativo.

A toda equipe do Centro de Formação de Professores da Serra e a Coordenadora Joana, por viabilizarem o desenvolvimento das ações.

Aos colegas de equipe do Programa Adolescente Cidadão da Secretária de Educação da Serra: Leila, Elisa, Alexandre, Márcio, Lourdes e Letícia. Pelos ensinamentos que ampliaram a minha trajetória profissional e acadêmica.

À Lêda Calente, pela defesa de um processo formativo de qualidade para os professores serranos.

Aos meus caríssimos colegas de turma de mestrado do IFES pelo apoio e incentivo.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades do IFES, pelo profissionalismo e empenho na luta por uma Educação mais democrática e humanizada.

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Por debaixo de uma aparência que tudo uniformiza, busca a realidade da própria cultura na variação e na diferença entre formas reais com que categorias diversas de sujeitos vivem coletivamente a experiência cotidiana da produção, da apropriação e da atribuição de significados aquilo que fazem, criam, creem, transformam, dizem de si e se acreditam ser: bens materiais, símbolos e valores com que tecem a trama de suas próprias vidas. Carlos Rodrigues Brandão

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As constituições socioculturais brasileiras foram norteadas pelas desigualdades geradas a partir do processo colonizador, e ratificadas dentro do sistema capitalista, privilegiando a cultura eurocêntrica, invisibilizando as contribuições dos ameríndios e afro-brasileiros. As culturas imateriais oriundas desses povos foram notoriamente, alijadas e detratadas. Esse contexto perpassa o cotidiano escolar, que se vê envolto a esses “modelos culturais”, que possivelmente vem reproduzindo racismos, preconceitos e exclusões sociais. Esse panorama adverso amparou o lócus dessa pesquisa, que ocorreu no município da Serra-ES, onde a maioria da população é afrodescendente e a escola torna-se um campo de tensões culturais, sociais e étnicas. Realizamos assim, um estudo com foco na cultura imaterial da Serra na formação de professores, por meio das expressões culturais do Congo e da Folia de Reis no município. Procuramos fazer emergir, a possível herança afrodescendente presente nessas expressões culturais, com propósito de incentivar novas práxis, ligadas ao reconhecimento dessas culturas e ao ensino das relações étnico-raciais na escola, potencializando os movimentos com a memória e pertencimento dos sujeitos. No percurso metodológico priorizamos a Pesquisa Participante em Paulo Freire (1987) e Brandão (1977), considerando a relevância de suas pesquisas, dentro das perspectivas educacionais e antropológicas, alicerçadas em contribuições coletivas. Na intenção de apreender nossa pesquisa, perscrutamos as vozes dos sujeitos em Nova Almeida-Serra, onde analisamos suas produções, nas culturas do Congo e da Folia de Reis, seus gestos e relatos foram valiosos para esse estudo. Outro momento relevante ocorreu em um Curso de Extensão, desenvolvido com professores dos Anos Iniciais da Serra, onde forjamos um diálogo colaborativo, valorizando as experiências coletivas. As narrativas docentes concernentes ás práticas com a cultura imaterial, apontaram para escassez de trabalhos com a diversidade étnica e cultural, em suas formações. Esse fator, tem resultado em uma raridade de práticas de ensino com a temática na escola e na desvalorização da cultura imaterial de origem popular. Os estudos teóricos aliados ás narrativas dos sujeitos, evidenciaram que essa realidade reproduz preconceitos e racismos no ambiente escolar, havendo a necessidade de transcender essas ações. As práticas formativas foram essenciais, oportunizando novas reflexões ao coletivo docente, ampliando o movimento para transfigurações das práxis com a diversidade étnico-cultural.

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The Brazilian sociocultural constitutions were guided by the inequalities generated from the colonizing process, and ratified within the capitalist system, privileging the Eurocentric culture, invisibilizing the contributions of Amerindians and Afro-Brazilians. The immaterial cultures from these peoples were notoriously discarded and detracted. This context pervades everyday school life, which is wrapped up in these "cultural models" that have possibly reproduced racism, prejudice and social exclusion. This adverse scenario supported the locus of this research, which occurred in the municipality of Serra-ES, where the majority of the population is Afrodescendant and the school becomes a field of cultural, social and ethnic tensions. Thus, we conducted a study focusing on the immaterial culture of Serra in the formation of teachers, through the cultural expressions of Congo and Folia de Reis in the municipality. We seek to bring out the possible Afrodescendant heritage present in these cultural expressions, with the purpose of encouraging new practices to the recognition of these cultures and the teaching of ethnic-racial in the school community, empowering movements with the memory and belonging of subjects. In the methodological course, we prioritized the Participant Research in Paulo Freire (1987) and Brandão (1977), considering the relevance of their research, within the educational and anthropological perspectives, based on collective contributions. With the intention of apprehending our field of research, we the voices of the culture subjects in Nova Almeida - Serra, where we analyze their productions, in the cultures of Congo and Folia de Reis. Another relevant moment occurred in an Extension Course, developed with teachers from the Initial Years of Serra, where we forged a collaborative dialogue, valuing collective experiences. The teaching narratives concerning the practices with the immaterial culture, pointed out to shortage of works with ethnic and cultural diversity, in its formations, this factor as a consequence, the rarity of teaching with the theme in school and the devaluation of the intangible culture of popular origin. The theoretical studies allied to the narratives of the subjects showed that this reality, reproduces prejudices and racism in the school environment, with the need to transcend these actions. The experiences were essential, providing new reflections to the teaching collective, expanding the movement to transfigure its praxis with ethnic-cultural diversity.

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Mapa 1 – Distritos do município da Serra ... 46 Mapa 2 – Baía de Vitória 1631 com registro do aldeamento de Reis Magos na Serra ... 48

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Figura 1 – Ruinas da Igreja de São José no Sítio Histórico de Queimado ... 54

Figura 2 – Desenho da casaca feito por Dom Pedro II em 1860 ... 58

Figura 3 – Capa do Material Educativo ... 95

Figura 4 – Apresentação do Material Educativo ... 95

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Fotografia 1 – Vista do bairro Nova Almeida e da Igreja dos Reis Magos ... 68

Fotografia 2 – Festa do Congo no dia 20 de Janeiro de 2019 ... 70

Fotografia 3 – Dançarinas do Congo na “fincada do mastro” em 20 de janeiro de 2019 ... 72

Fotografia 4 – Mastro sendo carregado durante a cortada do mastro 6 de janeiro de 2019 .. 73

Fotografia 5 – Dançarina do grupo Congo com estandarte em 6 de janeiro de 2019 ... 73

Fotografia 6 – Barco sendo carregado na Fincada do mastro em 30 de janeiro de 2019 ... 75

Fotografia 7 – Populares puxando o barco com a corda, 20 de janeiro de 2019 ... 75

Fotografia 8 – Componentes da Folia de Reis se reunindo, 6 de janeiro de 2019 ... 79

Fotografia 9 – Entrada do grupo de Folia de Reis na igreja, 6 de janeiro de 2019 ... 80

Fotografia 10 – Entrada do grupo de Folia de Reis na igreja, 6 de janeiro de 2019 ... 80

Fotografia 11 – Experiência de campo com professores em Queimados-Serra, abril/2019 .... 92

Fotografia 12 – Prof. Aldieris Caprini dialogando com os docentes em agosto de 2019 ... 102

Fotografia 13 – Grupo de professoras debatendo o texto em 24 de agosto 2019 ... 102

Fotografia 14 – Experiência coletiva “tear social” em 28 de setembro 2019... 106

Fotografia 15 – Experiência coletiva “tear social” em 28 de setembro 2019... 106

Fotografia 16 – Experiência coletiva “tear social” em 28 de setembro 2019... 107

Fotografia 17 – Experiência coletiva “tear social” em 28 de setembro 2019... 107

Fotografia 18 – Professora Elinete Antunes após diálogo com o grupo ... 110

Fotografia 19 – Práticas brincantes com docentes cursistas em 26 de outubro de 2019 ... 111

Fotografia 20 – Docentes cursistas participando de oficina em 09 de novembro de 2019 .... 113

Fotografia 21– Roda de Conversa entre docentes e participantes do Congo e Folia de Reis em Nova Almeida, em dezembro 2019 ... 117

Fotografia 22 – Vista do bairro Nova Almeida pela janela do monumento Reis Magos ...118

Fotografia 23 – Visita educativa ao monumento Reis Magos com prof. Henrique Sepulchro em 07 de dezembro 2019 ... 118

Fotografia 24 – Visita educativa ao monumento Reis Magos em 07 de dezembro 2019 ... 119

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Quadro 1 – Resumo do Curso... 98 Quadro 2 – Temas ... 100

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1 INTRODUÇÃO ... 16

1.1 APRESENTAMOS COMO OBJETIVO GERAL ... 21

1.2 APRESENTAMOS COMO OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 21

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 23

2.1 CULTURAS IMATERIAIS E ENSINO: COMPONDO MEMÓRIAS, PERTENCIMENTOS E PATRIMÔNIOS ... 24

2.2 ENSINO, QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS E PATRIMÔNIO CULTURAL: DIÁLOGOS POSSÍVEIS ... 35

3 DIVERSIDADE CULTURAL E ÉTNICA NA SERRA: SIGNIFICADOS E RESISTÊNCIAS ... 45

3.1 LUGAR, LUGARES, HISTORICIDADES E GENTES ... 46

3.2 AFRODESCENDÊNCIA E PATRIMÔNIO CULTURAL NA SERRA ... 51

3.3 FOLIA DE REIS E CONGO SERRANOS: CULTURAS EM MOVIMENTO ... 57

3.3.1 Congo ... 57

3.3.2 Folia de Reis ... 63

4 NA SERRA, DEZEMBRO E JANEIRO ANUNCIAM CONGO E FOLIA: PECULIARIDADES DA CULTURA IMATERIAL NA COMUNIDADE DE NOVA ALMEIDA ... 67

5 FORMAÇÃO DOCENTE, CULTURA IMATERIAL E EMANCIPAÇÃO ... 82

6 METODOLOGIA DE PESQUISA ... 90

6.1 O COMPASSO DA PESQUISA ... 91

6.2 DIÁLOGOS COM OS SUJEITOS ... 91

6.3 FORMATO DOS REGISTROS ... 93

7 PRODUTO EDUCATIVO: PERCURSOS FORMATIVOS COM PROFESSORES NA SERRA ... 94

7.1 DELINEAMENTOS PARA O CURSO DE EXTENSÃO ... 96

7.2 ENCONTROS FORMATIVOS: PRODUÇÕES E REFLEXÕES COM PROFESSORES ... 99

7.3 ENCONTROS ... 100

7.3.1 Primeiro Encontro ... 100

7.3.2 Segundo Encontro ... 103

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7.3.6 Sexto Encontro ... 114

7.4 AVALIAÇÃO ... 119

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 121

REFERÊNCIAS ... 125

APÊNDICES ... 131

APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido sobre Depoimento Oral e de Imagem para maiores de idade ... 131

APÊNDICE B – Carta de Anuência da Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal da Serra ... 132

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ... 133

APÊNDICE D – Termo de Cessão de Imagem e Voz para Fins Educacionais... 134

APÊNDICE E – Avaliação Geral do Curso ... 135

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1 INTRODUÇÃO

Uma experiência de quase dois anos trabalhando como monitora, em um espaço cultural da cidade de Vitória, no período em que era estudante de História na Universidade Federal do Espírito Santo, trouxe-me uma série inquietações em relação às experiências que a maioria dos sujeitos possui com o patrimônio histórico cultural. Esse incômodo está relacionado aos distanciamentos e desapropriações, em torno da cultura material e imaterial brasileira. Durante os percursos educativos percebia que, mesmo com as diversas tentativas de aproximação dos sujeitos dos espaços e das produções culturais, esses sujeitos, muitos deles vindos da escola, não se sentiam contemplados e nem parte daquela historicidade. Nessa mesma ocasião, participando de uma formação envolvendo patrimônio cultural e educação1, pude perceber que eu também estava dentro daquele processo de alijamento cultural, e que era preciso descontruir, de maneira interna e externa, o que estava posto socialmente. A partir desse encontro desvelou-se em minha vida, um patrimônio cultural para além de paredes e peças, mas vivo, móvel, cheio de significações, um patrimônio, por vezes, sem tato material, mas imaterial constituído dentro experiências das gentes.

Por ser oriunda de família pobre, moradora da periferia da cidade de Vila Velha, ouso fazer um paralelo entre minha história de vida e o vácuo cultural que percebi no início de meu percurso profissional. Na minha infância foram raras as oportunidades de experiência com o patrimônio cultural. As poucas oportunidades de contato, de que me lembro, foram as visitas ao Convento da Penha, por vezes a pé por não possuir dinheiro para transporte. Entretanto, nesse contato, mesmo os sentimentos religiosos e de admiração com aquele espaço colossal para minha realidade, não me permitiam sentir parte daquele movimento. Em se tratando da cultura popular, recordo-me que os carnavais de rua e procissões locais, ofereciam-me a oportunidade de inserção e assimilação, contudo sem a mínima noção de que aquela manifestação fosse cultura.

Minha experiência de trabalho como monitora do patrimônio cultural e professora de História ampliaram-me a visão, sobre o comportamento que a maioria dos sujeitos possui em torno do patrimônio cultural. Percebo que a nossa realidade social marcada pelas desigualdades, acaba

1 Oficina Museu: Memória e Cidadania. A capacitação ocorreu no Espaço Cultural do Palácio Anchieta, Centro de Vitória-ES no ano de 2010, ministrada por profissionais do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Disponível em: https://secult.es.gov.br/oficina-museu-memoria-e-cidadania-com-inscric. Acesso em: 20 ago. 2018.

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por difundir e reforçar a ideia da existência de “culturas inferiores” ou “não culturas”. Brandão (2007) afirma que nos habituamos a comparar e construir valores hierárquicos entre as culturas humanas, tomando uma “principal” como referência. No caso do Brasil, temos a cultura eurocêntrica como marca histórica que, por força ideológica e física, atravessou as outras culturas aqui constituídas.

Na minha adolescência tive uma vivência que muito me marcou. No ano de 1995, quando cursava o antigo segundo grau, a escola em que eu estudava levou a minha turma para visitar o museu Solar Monjardim2 em Vitória - essa foi a primeira vez que fui a um museu. Pois bem, no museu, fomos guiados por monitores, que iam explicando, com muito rigor e pouca contextualização, a história daquele lugar e da importante família que ali viveu. Não demorei a indagar internamente sobre os negros que ali viveram, eu me questionava sobre como deveria ser o seu modo de vida. Onde ficavam? Como eram tratados? Quando, finalmente, foi nos exposto um local abaixo da casa e uma espécie de pelourinho na área externa. Nesse momento, o monitor relatou que ali era a área onde dormiam os negros escravizados. O discurso foi restrito, com ar piedoso sobre a condição de escravidão, ali não houve espaço para discussão de outra cultura, a não ser aquela que se apresentava por meio da mobília e dos quadros no casarão.

Naquele dia um misto de sentimentos me envolveu, o de estar satisfeita em sair dos muros da escola conhecendo um lugar bonito e envolto a histórias, e a frustação por ter sido tão rápido, com informações vazias sem muita significação para minha vida, fora a história dos escravizados que não nos foi contada, embora, quase que toda turma, assim como eu, fosse afrodescendente. Sem condições para fazer essa crítica no período, hoje visualizo que a nossa visita, seguiu os padrões de uma cultura considerada civilizatória, superior, branca e com um currículo marcado pelo pensamento colonial (LINO, 2012, p.98), assim legitimado pelas novelas da Rede Globo, esse comparativo sim, eu e meus colegas fizemos durante a visita. Entretanto aquele momento, envolto em aproximações padronizadas e distanciamentos históricos culturais, foi um marco em minhas escolhas formativas, pois minha vontade era saber mais, educar-me mais em termos culturais. Voltar ali (voltei inúmeras vezes) para saber mais, além disso, foi o início de uma visão genérica do trabalho com educação, história, Cultura e Patrimônio. Essas perspectivas foram gradativamente direcionando a minha

2 Casarão do século XIX, reconstituindo uma residência rural de famílias abastadas, sede da antiga fazenda Jucutuquara, localizada no município de Vitória-ES.

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formação acadêmica, e mais tarde exerceriam forte influencia na minha prática docente. Sobre os assuntos que acabo de relatar, Segala (2005) dirá que nossas práticas com o patrimônio cultural, são marcadas pela exclusão das classes populares, pela negação da cultura dos povos indígenas e afrodescendentes, em detrimento de uma elite eurocêntrica, restando apenas um entendimento embaçado, estereotipado de nossa cultura.

Somada a experiência como monitora do patrimônio cultural, o pensamento de produzir uma pesquisa acerca da cultura imaterial na formação de professores, foi reforçado a partir de minha atuação como professora efetiva de História no município de Serra, onde colaborei ministrando uma disciplina intitulada - “Diversidade do Patrimônio Serrano”. Essa disciplina compôs um diálogo formativo partilhado com conjunto de docentes da Serra, no Projeto de Extensão (PROEX-UFES) - “Imagens aqui do meu lugar” nos anos 2014 e 20153. O projeto foi coordenado pelas professoras Gerda Foerst e Marina Miranda, a disciplina que ministrei tinha por principal propósito, conduzir os docentes a realizarem um “movimento” em suas memórias, usando isso como provocação para uma reflexão mais enraizada, sobre a relevância da diversidade patrimônio cultural para reafirmação das identidades e pertencimentos.

Nessa experiência, que ocorreu no Centro de Formação do município, realizamos estudos e trabalhos, em aulas presenciais e a distância em uma plataforma moodle, tratando, assim, de questões como memória, patrimônio, identidade e docência. Na oportunidade, partindo do chão da escola, partilhamos com os professores-cursistas inúmeras vivências, envolvendo o ensino-aprendizagem com a diversidade étnica e cultural no município. Essas vivências fizeram transparecer as diversas dificuldades que acompanhavam as práticas escolares com essa temática, entre elas: o pouco conhecimento e formação sobre patrimônio cultural local, os preconceitos relacionados à diversidade cultural e os raros os trabalhos com a temática na escola.

Fora um desafio ter a Serra como lócus da pesquisa, pois isso significou enveredar-se por um caminho sinuoso no campo social e cultural, e por que não dizer, no campo pessoal. Embora seja de Vila Velha, boa parte de minha família, incluindo irmãs, tias e mãe, foram nascidas e criadas no município, mais especificamente no bairro Nova Almeida, guardo de lá memórias

3Imagens Aqui do Meu Lugar: Diálogos com Infância(s) e Juventude(s) Serranas – 2014/2015. Disponível em: https://ava.extensao.ufes.br/course/info.php?id=4. Acesso em: 23 mar. 2019.

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que marcaram minha infância, ainda ecoa em minha a mente os dizeres de minha mãe dona Alda:

– “Bora menina, veste a roupa, que hoje vamos ver sua avó lá em Velha Almeida”, e lá íamos nós enfrentar aquelas horas em ônibus empoeirados. Essas lembranças se aliaram ao meu desenvolvimento profissional como docente no município desde 2013, perfazendo um cruzamento de histórias que me fizeram chegar até esse objeto de pesquisa.

O município da Serra é constituído principalmente por pessoas negras e pardas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010), no entanto, observamos pelos problemas que ocorrem na escola, a permanências de preconceitos, racismos e estereótipos relacionados à cultura e etnia de origem afrodescendente. Essa problemática está enraizada historicamente em nossas escolas, que as reproduz em seus currículos, havendo, portanto, a necessidade de se projetar uma práxis que caminhe no sentido contrário dessa perspectiva junto aos professores.

Partindo da tomada de consciência dessa realidade, sabemos que nossos instrumentos de trabalho na escola e na sala de aula, isto é, os livros e outros materiais didáticos visuais e audiovisuais carregam os mesmos conteúdos viciados, depreciativos e preconceituoso em relação aos povos e culturas não oriundos do mundo ocidental (MUNANGA, 2005, p.15).

Encarando as experiências e adversidades aqui tratadas como início de uma investigação, realizamos uma pesquisa sobre a Cultura Imaterial do município da Serra, a partir das manifestações culturais do Congo e da Folia de Reis do bairro Nova Almeida, na formação continuada de professores. Direcionamo-nos pelas perspectivas étnico-raciais, presumindo as possíveis contribuições afrodescendentes presentes nessas culturas, como forma de trabalhar a valorização étnica e pertencimento dos sujeitos da comunidade escolar.

Dessa forma, enfatizamos que o trabalho de estreitamento com temáticas que envolvem a educação escolar constituída na formação de professores, e patrimônio cultural imaterial, contribui para se projetar novos olhares para os patrimônios culturais de origem popular. Além disso, vem contribuir para educação, no sentido de possibilitar aos sujeitos a participação ativa nos processos socioculturais, sobretudo de sua comunidade, como forma inicial para uma transformação social. Posto que, a história de nossas construções pedagógicas foi marcada por um sistema opressor, em que os homens foram e são desumanizados (FREIRE, 1987, p.16). Compreende-se assim, a relevância das aprendizagens múltiplas contempladas em uma educação escolar que proporcione intercâmbios com as

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realidades. Nesse seguimento, considera-se que constituir uma formação de professores de forma reflexiva e participativa, buscando descontruir formas de opressões socioculturais geradas pelo sistema capitalista na educação, vem a ser um elemento indispensável no processo de humanização dos sujeitos que compõe a escola.

Embasada na análise dos autores aqui citados e de outros teóricos, pressupomos que a trajetória entre educação escolar e patrimônio cultural ainda vem ocorrendo de forma excludente em nossa sociedade. A partir dessa inferência, emergiu-se o seguinte questionamento: como compor com professores da Serra uma formação reflexiva e participativa, analisando e renovando as práticas docentes junto à cultura imaterial local, sobretudo por meio das expressões da Folia de Reis e no Congo, buscando nessas culturas, referências para tratar das questões voltadas para diversidade cultural e étnico-racial.

Diante desse desafio, iniciamos um diálogo em pesquisa de campo, com os sujeitos participantes do Congo e Folia de Reis no bairro Nova Almeida, procurando conhecer e analisar os meandros dessas culturas. A partir desse movimento de pesquisa e dos estudos teóricos, construímos com os professores dos Anos Iniciais do município da Serra, um percurso formativo por meio do Curso de Extensão - “Educação para as Relações Étnico-Raciais nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: Literatura Infantil Afro-Brasileira e Patrimônio Cultural Imaterial”. Nessa prática colaborativa, buscamos estreitar e desvelar os movimentos da escola, junto aos patrimônios culturais imateriais, no caso a Folia de Reis e o Congo, como forma de reafirmar as identidades e pertencimentos étnicos. Na intenção de oportunizar reflexões enraizadas dentro da temática educação escolar e cultura imaterial, burilando as produções coletivas, tentando fazer emergir as implicações que essas produções têm para as transfigurações dos sujeitos e de sua localidade. Considerando-se que a escola, se constitui como um dos principais ambientes sociais para desconstrução de um sistema que desumaniza, sendo potencializadora de movimentos transformadores, gerados por sujeitos conscientes de seu papel no mundo.

Ressaltamos aqui, que usamos os termos patrimônio cultural imaterial ou apenas patrimônio cultural, para nos referir às formas imateriais de cultura estudadas nessa pesquisa. No decorrer dessa dissertação, serão expostas algumas narrativas de participantes do Congo e da Folia de Reis, além das narrativas dos professores que estiverem participando da formação, respeitando o caráter ético da pesquisa, nos relatos não iremos revelar os nomes verdadeiros,

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para diferencia-los usaremos pseudônimos com palavras derivadas dos significados das culturas imateriais. Esses diálogos foram realizados com as devidas autorizações documentais e orientações, dentro das perspectivas éticas do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES).

1.1 APRESENTAMOS COMO OBJETIVO GERAL

Pesquisar os movimentos do patrimônio cultural imaterial da Serra, a partir da cultura do Congo e da Folia de Reis de Nova Almeida, e alicerçado nesses estudos, construir uma formação continuada com professores do município, como forma de reafirmar as identidades e pertencimentos étnicos e raciais dos sujeitos que compõem a comunidade escolar.

1.2 APRESENTAMOS COMO OBJETIVOS ESPECÍFICOS

 Realizar estudos e pesquisa de campo sobre cultura imaterial na Serra, pelas perspectivas do Congo e da Folia de Reis do bairro Nova Almeida;

 construir uma formação continuada com os professores do município da Serra, buscando refletir sobre o reconhecimento e apropriação do patrimônio cultural imaterial local na educação formal, a partir das expressões do Congo e da Folia de Reis;

 contribuir para qualificação do tempo de formação docente, elaborando o percurso formativo com base nas contribuições coletivas, visando que os docentes liguem suas práticas no cotidiano escolar aos movimentos com o patrimônio cultural local, abrindo assim, a possibilidade para que esse público se vislumbre enquanto sujeito, se apropriando do processo cultural, desenvolvendo assim, uma práxis educacional emancipadora;

 debater sobre as relações étnico-raciais na educação escolar, a partir das culturas imateriais do Congo e da Folia de Reis, identificando e valorizando a cultura afrodescendente presente nessas expressões, fortalecendo assim, as identidades e o sentimento de pertença dos sujeitos envolvidos na pesquisa;

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A escrita dessa pesquisa foi organizada da seguinte forma: no próximo item, apresentamos uma análise de nosso referencial teórico, discutindo em subtemas alguns conceitos focais como: cultura, cultura imaterial, memória coletiva, patrimônio cultural, ensino e formação docente. Nosso propósito foi trabalhar melhor a compreensão desses conceitos por meio de estudos teóricos da área, estreitando nossa investigação. A partir do capítulo três, analisamos o panorama histórico da Serra e seus desdobramentos étnicos e culturais, vislumbrando as historicidades dos sujeitos em suas produções culturais. Reservamos para o quarto título a realização de uma investigação sobre o Congo e Folia de Reis em Nova Almeida, trazendo algumas narrativas dos participantes dessas culturas. No quinto capítulo tratamos sobre algumas constituições em torno da formação continuada de professores no Brasil. No sexto capítulo expomos sobre a metodologia da pesquisa, procurando explicitar os passos realizados em nossa investigação. Já no sétimo capítulo, demonstramos algumas análises em torno da constituição da formação continuada, incluindo planejamento, organização e aplicação da formação com professores dos Anos Iniciais na Serra, por meio de um Curso de Extensão. Essa formação se estabelece como nosso primeiro material educativo. Trazemos ainda, um segundo material educativo, constituído por um e-book, que foi produzido com a participação e avaliação dos professores cursistas.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

Considerando a perspectiva da realização de uma formação continuada junto aos professores das Serra, com foco na análise da cultura imaterial local, como forma de trabalhar práticas educacionais voltadas para diversidade étnica e cultural, organizamos um referencial teórico, norteado pelo viés da luta pela valorização das culturas populares, tecidas nas periferias das cidades.

Julgamos que a cultura imaterial, precisa ser melhor compreendida e trabalhada na educação, como forma de derrubar preconceitos. Pois, esses patrimônios culturais têm resistido as detratações e invisibilidades consequentes de uma organização social desigual, centralizada em modelos herdados do período colonial. No Brasil, temos a cultura eurocêntrica como marca histórica que, por força ideológica e física, atravessou as outras culturas aqui constituídas. Essa realidade impôs um alijamento e deturpação da cultura imaterial ou cultura popular, oriunda dos afrodescendentes e indígenas, o que gerou um entendimento embaçado, estereotipado de nosso Patrimônio cultural. Neste quesito nos encaminhamos por Segala (2005), Abreu (2014) e Arantes (2009) Nogueira; Nascimento (2012).

Para empreender um estudo com propósito emancipador acerca da cultura imaterial/popular, nas configurações do Congo e da Folia de Reis, nos baseamos em Souza (2001) e Brandão (1977) (1984) (2009), que como pioneiro desses estudos no Brasil, realizou importantes reflexões sobre cultura popular. Para compreender a complexidade dessas culturas em suas diversidades e descontinuidades, buscamos apoio nos trabalhos de Canclini (2006) e Williams (1992). Além dessas propostas, perspectivamos fazer emergir as implicações que as produções culturais têm para as transfigurações dos sujeitos em suas memórias coletivas e pertencimentos, sendo assim, trazemos contribuições de Nora (1993) e Le Goff (2003). Nas temáticas: Formação de professores e emancipação, nos direcionamos por teóricos como, Freire (1996) (1987), Nóvoa (1992), Caprini (2014), Saviani (2007) (2011) e Gomes (2012).

Outra temática estudada relacionou-se as questões étnicas e raciais, dentro dos estudos da cultura imaterial da Serra, por meio do Congo e da Folia de Reis. Essas expressões recebem forte influência da cultura afro-brasileira, que historicamente vem sendo rechaçada. Convivemos com permanências do racismo em suas diversas formas, dentro e fora da escola, sendo assim, nos orientaremos pelos trabalhos de Munanga (2005) e Gomes (2018) (2012).

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Esses autores nos orientam a uma luta constante contra o preconceito e o racismo em todos os meandros do cotidiano educacional.

Para tratar de Ensino, nos balizados principalmente pelas pesquisas e militâncias de Paulo Freire (1987; 1996), haja vista as suas contribuições na abertura de horizontes das análises educacionais, dentro do processo de ensino-aprendizagem. Ao pesquisar à educação de adultos em forma de “círculos de cultura” nos anos 60, Freire abriu novas perspectivas para que os sujeitos também fossem compreendidos como fazedores de cultura. O autor demonstrou que essa forma de cultura, não poderia ser ignorada como possibilidade educacional, por ser inerente a vida humana. Considerando que, os movimentos culturais populares, por vezes, tidos como inferior pela cultura dominante, possuem o seu valor enquanto saber empírico e legítimo. Salientamos que Freire, ao defender a legitimidade da cultura popular, não retira a importância e o valor do ensino clássico das produções humanas na educação, para emancipação dos sujeitos. Apenas defende a desconstrução de uma ordem autoritária e excludente de imposição dos conteúdos, que não leva em consideração as produções e experiências populares. Além do autor, destacamos nesse trabalho as análises de Carlos Rodrigues Brandão (1984) antropólogo companheiro de pesquisa de Freire, e importante expoente da cultura popular no Brasil. A cultura popular adquiriu novos significados a partir das obras de Freire e Brandão, ficando evidente que ela também deve fazer parte de um projeto de educação que vise emancipar, docentes e estudantes. Amparados por essas contribuições, nos “arriscamos” nessa pesquisa com questões tão importantes, quanto desafiadoras.

2.1 CULTURAS IMATERIAIS E ENSINO: COMPONDO MEMÓRIAS, PERTENCIMENTOS E PATRIMÔNIOS

Falar de Cultura Imaterial e Ensino na educação formal por meio da formação de professores, pode parecer algo “simples” nos dias de hoje, afinal, já iniciamos o século XXI e muitas lutas foram travadas pelo respeito à diversidade cultural. No entanto, sabemos que história não é linear (LE GOFF, 2003), as construções humanas são marcadas por fluxos e refluxos, onde conceitos construídos e direitos conquistados podem ser novamente erguidos sobre novas roupagens. Por isso, dialogar sobre culturas imateriais brasileiras, pode se mostrar algo muito complexo, tendo vista nossa realidade social marcada por inúmeras desigualdades e

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preconceitos, onde a diversidade de culturas e etnias, propositalmente, não tem o seu verdadeiro reconhecimento.

A cultura imaterial oriunda dos povos ameríndios e afro-brasileiros, de tempos em tempos tem seus movimentos dispensados, caricaturados ou tratados de forma pejorativa em nossos espaços sociais (MUNANGA, 2005). Com a proposta de trabalhar a cultura imaterial local na formação de professores no município da Serra, pelas representatividades das culturas do Congo e da Folia de Reis, buscamos elementos para valorização do patrimônio cultural local no ensino escolar. Vislumbramos por meio dessas práticas, fortalecer as memórias coletivas e os pertencimentos dos sujeitos que integram os espaços escolares.

Consideramos que é imprescindível que os indivíduos se reconheçam nas suas culturas, muito mais que construir pontes ligando-nos as nossas raízes em suas (re) significações, acreditamos na necessidade reparar as arestas culturais, exteriorizando a legitimidade da cultura popular. Fazendo ruir gradativamente o estranhamento pejorativo em relação à cultura do “outro”, sobretudo em nosso processo educacional, favorecendo que os sujeitos componentes da comunidade escolar, vivenciem as culturas para além dos muros da escola. Vislumbramos que esse exercício prático/reflexivo contribua para Ensino escolar Ensino voltado para temática, na formação docente. Também não excluímos a construção de identidades como forte característica desse processo, contudo, tendo em vista amplitude do conceito e o curto tempo de pesquisa, não nos aprofundaremos nele.

Falar de Cultura não nos parece um exercício descomplicado, o conceito tem sido debatido por inúmeros pesquisadores, possuindo várias vertentes. Esses estudos, de forma alguma sinalizaram para o esgotamento do tema, tendo em vista a sua complexidade. Assumindo a instabilidade do termo/conceito Cultura, vamos expor aqui alguns posicionamentos relacionando-os a essa pesquisa.

Ao enveredar-se pela Cultura estamos no direcionando para um campo de inúmeras tensões, onde mesmo os apontamentos transcendentes a partir das pesquisas acadêmicas do século XX, não irão excluir o pensamento tradicional da cultura como sendo algo específico de um grupo privilegiado socialmente. Se faz necessário debater essa temática, tendo em vista, os refluxos sócio-políticos brasileiros, que na atualidade reforçam ideias conservadoras e preconceitos presentes nas entrelinhas de nossa sociedade.

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Contestando a visão tradicional compartimentada de cultura, que estabeleceu lugares separados para o “culto” e o “popular, Nestor Canclini (2006) irá apontar para as características fluidas, intercambiantes da cultura, no cenário de instabilidades do mundo contemporâneo. O autor defende a existência de uma hibridação cultural, onde as diversas culturas se relacionam em um campo conflituoso e em constante transformação, Canclini ainda constata o avanço desenfreado da expansão urbana, com uma das causas dessa realidade. Assim compôs Canclini (2006, p.304):

A falta de regulamentação urbanística, a hibridez cultural de construtores e usuários, entremesclam em uma mesma rua estilos de várias épocas. A interação dos monumentos com mensagens publicitárias e políticas situa em redes heteróclitas a organização da memória e da ordem visual.[...] As culturas já não se agrupam em grupos fixos e estáveis e portanto desaparece a possibilidade de ser culto conhecendo o repertório das "grandes obras", ou ser popular porque se domina o sentido dos objetos e mensagens produzidos por uma comunidade mais ou menos fechada (uma etnia, um bairro, uma classe). Agora essas coleções renovam sua composição e sua hierarquia com as modas, entrecruzam-se o tempo todo [...]

Conhecendo a realidade de nossa investigação, que tem na diversidade das culturas serranas sua ancoragem, a característica híbrida da cultura difundida por Canclini, que em seus estudos também tratou especificamente da realidade latino americana, vem somar para nossas análises.

A hibridez tem um longo trajeto nas culturas latino-americanas. Recordamos antes as formas sincréticas criadas pelas matrizes espanholas e portuguesas com a figuração indígena. Nos projetos de independência e desenvolvimento nacional, vimos a luta para compatibilizar o modernismo cultural com a semimodernização econômica, e ambos com as tradições persistentes (CANCLINI, 2006, p.326).

No campo de nossa pesquisa, centralizada na cidade de Serra, mas especificamente no bairro Nova Almeida, contemplamos justamente uma mescla cultural entre os desordenamentos urbanos e os resquícios rurais de uma antiga vila, não havendo a mínima possibilidade de separação dessas nuances. Entretanto, com isso, não deixamos de reconhecer a existência de algumas particularidades no interior das culturas que ali se constituem, como o Congo e da Folia de Reis.Trazemos também para o debate do conceito de cultura, os escritos relevantes e pioneiros de Raymond Williams (1992, p.13):

Assim, há certa convergência pratica entre o sentido antropológico e sociológico de cultura como “modo de vida global” distinto, dentro do qual percebe-se, hoje, um “sistema de significações” bem definido não só como essencial, mas como

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essencialmente envolvido em todas as formas de atividade social, e o sentido mais especializado, ainda que também mais comum de cultura como de cultura como “atividades artísticas e intelectuais” embora estas, devido à ênfase em um sistema de significações geral, sejam agora definidas de maneira muito mais amplas, de modo a incluir não apenas as artes e as formas de produção intelectual tradicionais, mas também todas as “práticas significativas” – desde a linguagem, passando pelas artes e filosofias, até o jornalismo moda e publicidade – que agora constituem esse campo complexo e necessariamente extenso.

O autor nos direciona para as complexidades das relações sociais que são atravessadas por inúmeros sistemas de significados, onde o comum e criativo se comunicam em seus diversos aspectos. Nossa ancoragem de compreensão de cultura se constitui também pelos estudos de Carlos Rodrigues Brandão (2009) (1977) que, como antropólogo, preconizou outro “olhar” para as pesquisas em torno da cultura popular brasileira, abrindo passagem para novos diálogos em torno das produções culturais em seus sujeitos, para Brandão (2009, p.718):

A cultura é e está, portanto, nos atos e nos fatos através dos quais nos apropriamos do mundo natural e o transformamos em um mundo humano, assim como nos gestos e nos feitos com que nos criamos a nós próprios ao passarmos de organismos biológicos a sujeitos sociais, ao criarmos socialmente nossos próprios mundos e ao dotá-los e a nós próprios – nossos diversos seres, nossas múltiplas vidas e nossos infinitos destinos – de algum sentido.

Em consonância com Brandão, cogitamos a cultura em nossa dinâmica com o outro e a natureza, compreendendo que dentro dessas relações forjamos aos poucos nossa humanidade nos apropriando do mundo cultural. Nesse sentido, pensamos que, refletir temáticas como cultura e patrimônio cultural, significa examinar meticulosamente as produções coletivas humanas junto a natureza, na realidade material em seu entorno.

Sendo assim, não seria um grande risco dizer que, a educação que ocorre nos espaços escolares, em seus diversos agentes, se constitui como um dos principais instrumentos de produção de cultura e humanização dos sujeitos. Com isso, não se menospreza a educação que ocorre em outros espaços, como o conhecimento gerado junto a família e a comunidade. Avançando em nossa argumentação teórica, queremos expor aqui, por meio dos posicionamentos Brandão (2009, p.717) a concepção de Cultura Imaterial:

Em uma dimensão algo mais imaterial, o acontecer da cultura não está tanto em seus produtos materializados – como a casa e as ferramentas com que indígenas da Amazônia ou operários do Rio de Janeiro constroem uma choupana de palha ou um edifício de concreto –, mas na tessitura de sensações, saberes, sentidos, significados, sensibilidades e sociabilidades com que pessoas e grupos de pessoas atribuem socialmente palavras e ideias, visões e versões partilhadas ao que vivem, criam e fazem ao compartirem universos simbólicos que elas criam e de que vivem.

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Essa referência de cultura imaterial destaca movimentos que antecedem o patrimônio cultural tangível, ao nosso ver, esses movimentos percorrem os labirintos das ideias e invenções humanas. Contudo, a gênese da cultura imaterial, está ligada ao burilar das produções coletivas humanas junto à natureza, na realidade material em seu entorno, ou seja, relaciona-se ao concreto, as vivências dos sujeitos em relaciona-seu meio, como já apontamos em Brandão (2009, p.718) que nos diz que a cultura ocorre quando “[...] nos apropriamos do mundo natural e o transformamos [...]”. Nesse quesito, orientamo-nos pelas premissas do materialismo histórico dialético, teoria que nos aponta para uma investigação partindo das realidades, da multiplicidade da natureza, da vida que forma a consciência dos homens, que se movimentam, pensam e produzem com o concreto, num enlace constante e reciproco de transformação (RODRIGUEZ, 2014).

Assumimos a perspectiva conceitual da cultura imaterial para análise das culturas do Congo e da Folia de Reis, em detrimento do conceito de folclore, conceito muito recorrente na análise das culturas populares até 1960. Consideramos que o conceito de folclore se mostra insuficiente para tratar da complexidade, e das particularidades, presentes nas culturas imateriais, principalmente as de origem popular. Defendemos que, trabalhar essas culturas sob a concepção do folclore, seria correr o risco de inclinação a elementos colecionistas, esvaziados e, por vezes, até caricatos, problemáticas apresentadas até pouco tempo pelos estudos do folclore, que de uns anos para cá, tem passado por uma revisão (ROCHA, 2009).

Ao abordar o assunto, o antropólogo Gilmar Rocha (2009) vai expor que, os estudos do folclore abarcaram a cultura popular do Brasil desde início do século XX. No período modernista encabeçado por Mario de Andrade, o folclore foi um campo de estudos marcante, apesar disso, o conceito passa a ser questionado a partir da década 60, período de novos estudos acadêmicos em torno da cultura popular que, a partir desse momento, começa a ser analisada de forma independente em relação ao folclore.

Conforme Rocha (2009, p.222), “As críticas ao caráter colecionador, descontextualizado, a-crítico e descritivo das pesquisas folclóricas constituem seu “calcanhar de Aquiles” [...] Acrescente-se a isto a crítica teórica segundo a qual os estudos folclóricos não ultrapassavam o nível das teorias nativas”. O autor também explana que os novos estudos em relação a cultura, irão contribuir para a desconstrução da visão dicotômica e hierárquica em relação as

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produções culturais dos grupos sociais, possibilitando um novo panorama nos estudos das produções coletivas de origem popular, em suas peculiaridades e legitimidades.

Assim sendo, ratificamos aqui nossa primazia pela cultura imaterial, reconhecendo as criações, peculiaridades e apropriações, que essas coletividades humanas possuem em suas produções culturais (BRANDÃO, 2009).

Dispondo da diversidade cultural do município da Serra, percebemos fortes elementos imateriais em suas produções culturais, marcadamente influenciadas pela cultura afro-brasileira. Esse panorama fora um dos motivos de priorizarmos a cultura imaterial junto aos professores, entendendo que esse campo ainda possui muitas questões a serem debatidas, havendo a necessidade de romper com preconceitos e estereótipos, entre esses, a visão distorcida do patrimônio cultural imaterial de origem popular como sendo algo “menor”, até mesmo como um “não patrimônio”.

O reconhecimento do Patrimônio cultural imaterial brasileiro fora algo muito recente, ocorrendo apenas no início de nosso século, contudo o debate em torno desse reconhecimento perpassou décadas no decurso do século XX. O legado de reconhecimento social dos patrimônios culturais no Brasil, privilegiaram as elites eurocêntricas que primaram por suas produções materiais, como forma de legitimarem sua ocupação/dominação social, deixando a margem as produções culturais ameríndias e afro-brasileiras, a antropóloga Marcela de Souza (2010, p.174) expõe essa questão da seguinte maneira:

O Decreto no 3.551/2000, que instituiu a figura do Registro de “bens culturais de natureza imaterial” e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, é apresentado como uma inovação e, ao mesmo tempo, uma continuação (i.e., uma extensão) da política de proteção do patrimônio cultural brasileiro, cujas origens, quase míticas (trata-se afinal de nosso modernismo), são retraçadas até o projeto de Mário de Andrade nos anos 30, que desembocou na criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). A preocupação com as dimensões imateriais, e não elitistas, da(s) cultura(s) do país — com as lendas e as músicas indígenas e “populares”, por exemplo — estaria já lá: se a concepção “pedra e cal” do patrimônio cultural, privilegiando a proteção de igrejas, palácios e casas-grandes tão caras às “elites europeizadas” e à sua concepção da cultura como “alta Cultura”, foi a que se impôs e permaneceu dominante todos esses anos[...] Mas afinal, o que podemos considerar como patrimônio cultural? Não é novidade que o conceito foi sendo questionado e transformado desde as suas primeiras concepções. Conforme o supracitado, as origens das elaborações do conceito no Brasil foram na primeira

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metade do século XX, e seguiram as tendências das formações/criações para um Estado nacional, amealhando os considerados patrimônios históricos/culturais a serem preservados, pelo recém-criado IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que priorizou os bens materiais. Sobre as questões político-sociais relacionadas ao patrimônio Arantes (2009a, p.427) destaca:

O ponto de partida tácito é que o patrimônio é construção social e, assim sendo, torna-se necessário considera-lo no contexto das práticas sociais que o geram e lhe conferem sentido. A preservação, como toda prática, consiste em ações simbólicas, desenvolvidas em arenas ou situações sociais por sujeitos (indivíduos e instituições) estruturalmente posicionados a partir de motivações e estratégias referidas a sistema de forças sociais. [...] Diferentemente dos fatos de memória, que é elaborada, transmitida e realimentada diretamente pelos atores sociais, em redes de relações sociais o patrimônio é uma realidade instituída pelo Estado.

De acordo com Arantes consideramos que, o que temos constituído por patrimônio cultural, de forma nenhuma ocorre involuntariamente, ao contrário, suas formulações seguirão em sua essência, interesses dos arranjos do nosso sistema econômico, político e social. Dentro dessas indagações Canclini (1999), nos afirma que as manipulações em torno dos patrimônios têm como pano de fundo a tentativa de homogeneização social, para não deixar transparecer as desigualdades sociais existentes.

El patrimonio cultural expresa la solidaridad que une a quienes comparten um conjunto de bienes y prácticas que los identifica, pero suele ser también un lugar de complicidad social. Las atividades destinadas a definirlo, preservarlo y dinfundirlo, amparadas por el prestigio histórico y simbólico de los bienes patrimoniales, incurren casi siempre en certa simulación al pretender que la sociedad no está dividida en clases, etnias y grupos, o al menos que la grandiosidad y el respeto acumulados por estos bienes trascienden essas fracturas sociales (CANCLINI, 1999, p. 17).

Nesse direcionamento, no Brasil o Patrimônio foi caracterizado por Decreto em 1937 como: “conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”. Na Constituição de 1988 em seus Artigo 216, o conceito sofre alterações, incluindo as produções imateriais, como observamos no exposto seguinte: “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”.

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A inclusão dos bens imateriais não fora algo que ocorrerá involuntariamente, mas foi resultado de um contexto de lutas sociais. Arantes (2009b) aponta que a partir do final 1970, iremos ter uma efervescência dos movimentos sociais no Brasil, em prol de direitos e políticas públicas para: mulheres, negros, indígenas, crianças etc. Foi na esteira desse processo, que ocorreram às lutas dos povos pelos direitos à participação e reconhecimento cultural.

As agências brasileiras de preservação (nos planos federal, estadual e municipal) passaram a enfrentar, paulatina e progressivamente, demandas com vistas à proteção e valorização das artes e ofícios próprios das classes populares, em particular de populações afro-brasileiras e nações indígenas (ARANTES, 2009b, p.57).

Regina Abreu (2003) ratifica que esses novos contextos sociais, irão fundamentar o início de uma série de transformações relacionadas ao patrimônio e à cultura popular. “Na esteira do processo de descolonização, representantes de países africanos e latino-americanos veicularam a ideia de que a maior parte dos patrimônios destes países estava em seus rituais, festas, saberes ainda não registrados, línguas, enfim, expressões artísticas e culturais [...]” (ABREU, 2014, p.15). Conforme a autora, esse período alavancou a “Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular”, documento elaborado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), em 1989, que fundamentou o conceito de Patrimônio Imaterial, ratificado pela UNESCO, em Paris, no ano 2003, na “Convenção de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial”, a qual estabeleceu como Patrimônio Imaterial:

[...] As práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. Para os fins da presente Convenção, será levado em conta apenas o patrimônio cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais de direitos humanos existentes e com os imperativos de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos, e do desenvolvimento sustentável.

Lygia Segala (2005) vai dizer que o conceito de patrimônio atualmente se amplia, não estando apenas ligado a bens materiais herdados, mas se apresenta hoje como “um campo de disputa e de negociações, articulando estreitamente à memória e às identidades sociais” (SEGALA, 2005, p.2). Convivemos com as ambiguidades dessas “negociações” pela origem do processo institucional dos patrimônios culturais. Ao mesmo tempo em que temos um patrimônio

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cultural, “colecionado” e chancelado pelo Estado, temos nesse mesmo processo, a fenda para buscarmos o nosso direito à cultura, ao patrimônio, uma vez que, se faz evidente a relevância dos constructos culturais populares para o avivamento das memórias, identidades e pertencimentos dos sujeitos.

“O desafio que se apresenta ao sistema como um todo é encontrar o ponto de equilíbrio entre essas forças, ou seja, construir a sustentabilidade econômica e socioambiental da preservação” (ARANTES, 2009 a, p. 432). Acrescentamos a esse diálogo a análise de Antônio Cardoso (2012), que discorre sobre reconhecimento social do patrimônio cultural afro, o autor retrata a amplitude da importância desses patrimônios em nossa formação humana, em sua palavras:

O patrimônio cultural negro é algo para nós fundante da nossa própria humanidade, na medida em que ele está entretecido com o continente africano, considerando o fato de que historicamente a África nos legou não somente os primeiros humanos, mas também os saberes primordiais, os valores civilizatórios presentes nas religiões e culturas africanas e os conhecimentos, como a agricultura, como condição primeira para a reprodução da vida; um sistema de cura; a medicina; a tecnologia, o saber da forja ancestral do ferro que deu origem à metalurgia e as técnicas para a extração do ouro; a primeira universidade, a filosofia. O patrimônio cultural imaterial é uma concepção de patrimônio cultural que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito à sua ancestralidade, para as gerações futuras (CARDOSO, 2012, p.22).

De acordo com o autor, compreendemos a relevância de se trazer perspectivas de valorização da rica cultura imaterial afro-brasileira, acreditamos que essas ações, vem possibilitar novos olhares sobre as questões que envolvem esse patrimônio no Brasil, desconstruindo preconceitos. Conforme o que temos discutimos sobre cultura imaterial, nos sentimos á vontade em sinaliza-la, como compatível com o Ensino escolar, sendo também uma alternativa para preservar a memória coletiva nas comunidades.

Em relação às memórias, o historiador Jacques Le Goff (2003) nos impele a fazer uma reflexão rigorosa acerca do que entendemos por Memória e Memória Coletiva, problematizando cientificamente uma questão que estava “entorpecida”, pelos menos até a primeira metade do século XX. Fica nítido a partir dos constructos do autor, que nossa memória individual em seus aspectos psicológicos e sociais, está em constante movimento com o coletivo, sendo constituída dentro de nossas relações sociais, compondo com a memória coletiva da comunidade em que vivemos.

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Problematizando algumas questões que envolvem a memória coletiva Le Goff também apontou que, após a Revolução Francesa, houve uma apropriação da memória coletiva pelos representantes do poder na sociedade europeia, e posteriormente nas Américas, e essa apropriação gradativamente adquiriu novos contornos. A partir desse contexto, criou-se uma série de mecanismos de rememoração de fatos, uma “tempestade” nomes, símbolos e ideias, intencionando incuti-los no coletivo. Criou-se uma memória oficial, submergindo, transfigurando e excluindo a memória e cultura dos outros povos, em nosso caso, dos povos indígenas e afrodescendentes. A ideia era criar uma memória “geral” fazendo parecer que a “memória de uns”, seria à memória de todos.

Esses episódios afastaram as “brumas” que encobriam um desejo antigo dos detentores do poder, ficando explícitos os artifícios usados pelo Estado para manter seus alicerces por meio das memórias das gentes.

[...] a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva (LE GOFF, 1990, p.368).

Adicionamos aos questionamentos sobre as memórias coletivas, a análise de Pierre Nora (1993), que teceu uma série de problematizações em torno do tema, demonstrando que muito do que temos ou conhecemos hoje, nos chamados por ele de “lugares de memória” como museus, monumentos, obras de arte, festas comemorativas etc. São na verdade memórias artificiais, oriundas da apropriação realizada pela história oficial das memórias coletivas, esses lugares só existem pela agoniação ou inexistência das memórias enquanto práticas sociais. “Os lugares de memória são antes de tudo restos. A forma extrema onde subsiste uma consciência comemorativa numa história que a chama, porque ela a ignora" (NORA, 1993, p.12). O autor irá diferenciar história e memória, fazendo uma análise ampla de seus sentidos, conforme Nora (1993, p.9):

A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais.

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Examinando os coletivos produtores/participantes da cultura popular no Brasil, observamos algumas nuances da memória coletiva apresentada por Nora, pois, esses grupos, tendo a necessidade de manterem vivas suas memórias, irão encarar uma linha tênue entre o que é autentico de suas práticas coletivas, e o que não é autentico. Visto que, fora imposto pelo sistema político, econômico e social, como bem sabemos, marcadamente capitalistas. “A passagem para história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de sua própria história. O dever de memória faz de cada um historiador de si mesmo”( NORA, 1993, p.17).

Se apropriar da própria memória se faz uma ação essencial e continua dos grupos. O patrimônio cultural fundamentado nas tradições coletivas vem sendo atravessado por inúmeras adversidades, como a falta de apoio do poder público e as investidas do mercado, que tentam transfigurar estas culturas em produtos turísticos, oferendo uma pseudo valorização, subvertendo e submergindo elementos dessas expressões culturais.

O perigo que se corre é o de transformar os bens culturais em meros objetos de consumo, em transformar o patrimônio material em expressão de uma história rasa; ou, ainda, transformar as manifestações culturais do patrimônio imaterial em fetiche, ou seja, privilegiar o produto transformado em objeto de consumo como qualquer outra mercadoria que circula na sociedade atual (VELOSO, 2009, p.439).

Nossas expectativas se apoiam nas heterogeneidades significativas dos sujeitos em relação aos patrimônios culturais constituídos em seus diversos lugares de memória; “Lugares portanto, mas lugares mixtos, híbridos e mutantes, intimamente enlaçados de vida e de morte, de tempo e de eternidade; numa espiral do coletivo e do individual, do prosaico e do sagrado, do imóvel e do móvel” (NORA, 1993, p.22). Captamos a existência no íntimo dessas expressões culturais, de um coletivo de sujeitos que buscam em seus labirintos, fazerem sobreviver suas memórias que de forma nenhuma são imutáveis, mas se intermeiam entre o que lhe é exterior e interior.

Aproximando esse debate do objeto de nossa pesquisa, acreditamos que a memória coletiva constituída nas culturas imateriais, como as culturas do Congo e da Folia de Reis, pode fortalecer os sujeitos em seu reconhecimento social, por meio de suas memórias e pertencimentos, funcionando como um movimento contínuo dos elementos de resistência de uma comunidade.

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Contrariamente ao avassalador processo do consumismo e individualismo que aciona valores e práticas sociais predominantes na sociedade contemporânea, as manifestações do patrimônio imaterial – celebrações, rituais, conjunto de saberes e fazeres, entre outras, corporificam sentidos e valores coletivos que ensejam sentimentos de pertencimento dos indivíduos a um determinado grupo (VELOSO, 2009, p.442).

Compreendendo assim, que a cultura imaterial forjada na externalidade da escola, em seus arredores ou não, pode não está tão longe quanto se imagina, no sentido que os sujeitos que compõe o espaço escolar são atravessados por ela, em suas experiências com o mundo, na compreensão de si, enquanto gente em seus pertencimentos sociais. Arantes (2009a, p.431) vai nos dizer que os patrimônios culturais trazem novos sentidos a pertença dos indivíduos, segundo o autor:

o sentimento de pertencer a coletividades nacionais, regionais ou locais assim como de ocupar posição reconhecível no mapa social ganham nova significação e importância, que se manifestam na construção de sentidos de lugar e incluem demandas de natureza patrimonial.

Incorporamos ao que discorremos até aqui, o artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz: “Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e dos benefícios que deste resultam.” Diante do que apresentamos, defendemos um trabalho apurado em relação temática do patrimônio cultural na formação continuada de professores, buscando realizar por meio dessa abordagem, reflexões intensas de questões que lhe são inerentes, como a diversidade étnica e cultural que compõe os sujeitos produtores de cultura. Direcionamo-nos pelas possibilidades de uma educação que emancipe, considerando em seu ensino-aprendizagem questões que envolvem o ser humano em sua plenitude.

2.2 ENSINO, QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS E PATRIMÔNIO CULTURAL: DIÁLOGOS POSSÍVEIS

Antes de falar sobre Ensino em nossa sociedade, se faz é necessário ter em mente que as pedagogias desenvolvidas nas escolas do Brasil, deixaram evidentes em suas formações educacionais, construções pedagógicas pensadas dentro da lógica da manutenção do status quo das elites, nas quais as classes populares foram alijadas do processo emancipatório (SAVIANI, 2007). Embora tenhamos transcendido alguns formatos pedagógicos excludentes, ainda observamos nas escolas e na formação de professores, resquícios desse pensamento, que

Referências

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